Questões e textos de apoio sem polêmicas ou caráter ideológico, passando longe de debates que possam gerar constrangimentos ao governo federal. Esta é a aposta de professores consultados por GaúchaZH para a prova de Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias e Redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que costuma gerar imensa expectativa e, quando os segredos dos cadernos de questões são enfim revelados, acalorada discussão. O Enem 2019 está marcado para os dias 3 e 10 de novembro.
No ano passado, a pergunta que mencionava o pajubá, "dialeto secreto" utilizado por gays e travestis, provocou manifestação pública do então candidato recém-eleito Jair Bolsonaro.
— Uma questão de prova que entra na dialética, na linguagem secreta de travesti, não tem nada a ver, não mede conhecimento nenhum. A não ser obrigar para que no futuro a garotada se interesse mais por esse assunto. Temos que fazer com que o Enem cobre conhecimentos úteis — declarou o político do PSL em um programa da Band. — Ninguém quer acabar com o Enem, mas tem que cobrar ali o que realmente tem a ver com a história e cultura do Brasil, não com uma questão específica LGBT. Parece que há uma supervalorização de quem nasceu assim — completou.
Por conta da orientação conservadora do novo ocupante do Palácio do Planalto, professores e estudantes aguardam com ansiedade para saber o conteúdo de Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias e Redação, prova que será aplicada no primeiro dos dois domingos do Enem. As orientações relativas à redação que constam da Cartilha do Participante, divulgada em 10 de outubro, são praticamente as mesmas da edição anterior, com pequenas variações do ponto de vista gramatical, por exemplo. De acordo com o manual, a produção textual de cada participante será avaliada por pelo menos dois professores, que se basearão em cinco competências – a quinta continua sendo relativa ao caráter respeitoso que o estudante deve adotar: "Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos".
Ávila Oliveira, professor de português e redação do Grupo Unificado, aponta que o aluno que descumprir o enunciado desta competência poderá ganhar nota zero neste quesito, mas não na redação como um todo, característica que já vigorava antes. Com a troca de cabeças no comando do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que elabora o Enem, no começo deste ano, Ávila acredita que o time que elaborou as provas já esteja bem afinado com o discurso da administração federal. Temáticas sociais até podem aparecer, cogita o professor, mas sem tocar em minorias, como índios e quilombolas, ou discussões sobre gênero.
— Tenho certeza de que vão tomar um cuidado muito grande para não ter questões que possam levantar um debate que não esteja alinhado com o que pensa este governo. Acredito que existem alguns caminhos que o governo pode adotar quanto a questões sociais sem se deixar em evidência quanto à responsabilidade. Acho um grande serviço, por exemplo, se colocarem a questão das vacinas — opina Ávila, citando que o problema do ressurgimento de doenças que já eram consideradas erradicadas se deve, entre outras causas, à disseminação de fake news, e não a uma política estatal.
Ávila lembra que, em 2018, o Enem já não apostou em um tema social na redação, que propôs que o candidato discorresse sobre "Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet". Antes, a redação abordara assuntos como "Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil" (2016) e "A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira" (2015).
— Acho que existem caminhos para que o governo opte por temas que podem trazer discussões importantes, como o uso racional da água ou a saúde mental. Prefiro esses ao tema do ano passado, que não promoveu qualquer discussão — continua o professor do Unificado.
Dante Gonzatto, professor de redação do Fênix, não aguardava por mudanças significativas nessas provas e observa que o Inep sempre seguiu o norte ditado pelos respectivos governos que estavam no comando a cada ano. Ele também crê em uma proposição mais neutra.
— Olha a plataforma do Lula e a prova, olha a plataforma da Dilma e a prova, olha a plataforma do Temer e a prova. Agora talvez tenha um desconforto maior e não deve ser um tema polêmico, não é essa a diretriz desse novo governo — afirma Gonzatto. — Deve ser um tema mais conservador, como o papel da família na formação de um bom cidadão ou o idoso e as inovações tecnológicas. Esses temas não geram conflitos diretos com o governo — sugere.