Prestes a completar cinco anos de atividades, o primeiro campus da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) fora de Porto Alegre tem dificuldades para captar e reter alunos no Litoral Norte. Fruto de mobilização local iniciada em 2009, o campus em Tramandaí teve o primeiro dia de aula em 22 de setembro de 2014 com a expectativa de receber 1,5 mil estudantes quando estivesse plenamente implementado.
No segundo semestre de 2018, o número total de matriculados nos cursos presenciais somava 230. Aposta em formação interdisciplinar, ainda pouco conhecida pelos vestibulandos, seria uma das razões para a baixa procura. Os dados de 2019 ainda não foram consolidados, mas a diretora-geral do Campus Litoral Norte, Liane Ludwig Loder, confirma que os cursos presenciais têm várias turmas com menos de cinco alunos.
Para mudar o quadro e justificar a alocação de recursos humanos e financeiros, a universidade, que tem cerca de 90 docentes lotados em Tramandaí, aposta em educação a distância (EaD). As licenciaturas em Ciências Sociais, Geografia e Pedagogia em EaD abertas em 2018 tiveram todas as 900 vagas preenchidas e seguem com 600 alunos ativos.
— Considerávamos que a marca UFRGS seria suficiente para atrair estudantes, mas isso não se confirmou. Temos visto que é preciso maior empenho para captar alunos. Muitos vestibulandos sequer sabem que a UFRGS tem um campus no litoral — analisa Liane.
Para o presidente do Conselho Regional de Desenvolvimento do Litoral Norte, Marcelo Reis, a dificuldade de seduzir jovens de outras regiões passa pelos cursos ofertados.
— Os cursos mais procurados não têm vagas no litoral e o bacharelado interdisciplinar não é claro sobre a futura inserção do aluno no mercado de trabalho, o que acaba afastando candidatos — observa Reis.
As graduações da UFRGS em Tramadaí têm como porta de entrada o bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia (ICT), com duração de três anos. Após, o aluno pode ingressar em uma segunda graduação — em Engenharia de Gestão de Energia, Engenharia de Serviços, Desenvolvimento Regional ou mesmo licenciatura em Geografia, todas com dois anos de duração (veja abaixo).
Não há seleção direta para essas graduações, de modo que o aluno interessado nos demais cursos precisa primeiro cursar o bacharelado em Ciência e Tecnologia, cujo ingresso é via vestibular — o mesmo da UFRGS em Porto Alegre. Na visão da secretária municipal de Educação e Cultura de Tramandaí, Alvanira Gamba, isso é uma barreira.
— Existe a mentalidade de que o vestibular da UFRGS não é para os nossos alunos — analisa Alvanira.
A realidade é que a concorrência no litoral é bem diferente da Capital: a densidade não chega a um candidato por vaga. Nos últimos concursos, ficou em torno de 0,6 (veja o quadro).
Impacto local com pesquisa e extensão
O vereador em Tramandaí Clayton Ramos, que coordenou o comitê de expansão da UFRGS no litoral de 2009 a 2014, concorda que a falta de conhecimento sobre a formação superior interdisciplinar dificulta a atração de alunos.
— Os cursos têm uma proposta pedagógica diferente, talvez por isso a graduação não esteja avançando na velocidade que se imaginava, mas a universidade tem uma importante contribuição na região com pesquisa e extensão — enfatiza.
O presidente do Coredes Litoral, Marcelo Reis, também destaca o papel da pós-graduação, em especial o mestrado em Dinâmicas Regionais e Desenvolvimento, que supre uma lacuna importante na produção de dados regionais. A UFRGS Tramandaí também oferece mestrado profissional em Ensino de Física, além de especializações em Cooperativismo e Gestão da Educação, na modalidade EaD.
Há convênios em andamento com prefeituras da região em áreas como saneamento e energia, incluindo vagas para estágios, e ainda a incubadora multissetorial Germina, inaugurada em março deste ano para fomentar o empreendedorismo na região.
De acordo com a diretora-geral da UFRGS Tramandaí, Liane Loder, oportunidades de bolsas e estágios são fundamentais para fixar estudantes, devido à sazonalidade do mercado de trabalho no litoral. Conforme dados preliminares de um diagnóstico ainda em elaboração para compreender as causas da evasão, esse é um dos motivos de desistência, outro desafio do campus.
Em ICT, 285 alunos ingressaram desde 2014, dos quais 103 estavam evadidos em 2018 — cerca de um terço. O curso tinha 47 diplomados até 2018/2. A graduação em Educação do Campo - Ciências da Natureza, que teve três edições, aprovou 178 estudantes no total, dos quais 91 deixaram o curso — mais da metade. Dezessete foram diplomados.
Expansão do Ensino Superior federal
A ideia de ter um campus da UFRGS fora de Porto Alegre surgiu do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), lançado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2007, com o objetivo de ampliar a oferta pública do Ensino Superior, por meio da ampliação ou construção de novas unidades. Como a UFRGS já tinha atuação no Litoral Norte, por meio do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar), em Imbé, universidade e lideranças locais se uniram para viabilizar o projeto.
Osório e Capão da Canoa também manifestaram interesse em sediar o campus. A escolha por Tramandaí se deu porque a área de 15 hectares doada pela prefeitura oferecia vantagens logísticas: às margens da RS-030, a meia distância do centro de Osório e do centro de Tramandaí, seria de fácil acesso para estudantes não só do litoral, mas também da Região Metropolitana. Havia ainda a expectativa de que a nova unidade pudesse atrair estudantes do interior do estado, que têm dificuldades de fixar residência em Porto Alegre, devido ao custo de vida elevado.
Inaugurado em 2014, o campus ainda não está com toda a estrutura física inicialmente planejada. Diante dos cortes de verbas iniciados em 2016, foram paralisadas obras de quatro pavilhões, que abrigariam laboratórios de engenharia de energia e construção civil, bem como estruturas administrativas e gabinetes de pesquisa.
Entenda o bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia (ICT)
- O curso tem duração de três anos, sendo 24 créditos em disciplinas obrigatórias e o restante de acordo com o interesse do aluno, respeitando requisitos mínimos em cada área do conhecimento: Humanas, Tecnológicas e Interdisciplinares.
- Após diplomado, o bacharel em ICT pode cursar uma das chamadas "terminalidades". Na UFRGS Litoral Norte, são quatro opções: Desenvolvimento Regional, Engenharia de Gestão de Energia, Engenharia de Serviços e licenciatura em Geografia. Todas com duração de dois anos.
- As terminalidades não são especializações nem ênfases, equivalem a uma segunda graduação. O aluno que opta pela terminalidade pode obter duas graduações no intervalo de cinco anos. Mas não há ingresso direto nas graduações concebidas como terminalidades, sendo necessário primeiro cursar o ICT.
- Ainda, enquanto cursa a terminalidade, o bacharel em ICT pode fazer especialização ou mestrado em paralelo.
- Se optar somente pela graduação em ICT, o bacharel pode prestar concursos públicos de nível superior ou atuar na iniciativa privada em cargos de natureza estratégica, tecnológica e ambiental.