O governo Jair Bolsonaro quebrou mais uma vez a tradição de nomear o primeiro colocado na lista tríplice enviada pelas universidades e escolheu como novo reitor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) o professor Marcelo Recktenvald, que ocupava a última posição na relação.
Neste ano, Bolsonaro já havia contrariado a indicação das comunidades acadêmicas em pelos menos quatro outras ocasiões — na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, na Universidade Federal do Triângulo Mineiro, na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (MG) e na Universidade Federal do Ceará.
A escolha do terceiro colocado para assumir a reitoria da UFFS, que tem campi em Chapecó (SC), Erechim (RS), Passo Fundo (RS), Cerro Largo (RS), Realeza (PR) e Laranjeiras do Sul (PR), foi publicada nesta sexta-feira (30), no Diário Oficial da União. O diretor do campus de Erechim divulgou uma nota em que expressa sua preocupação com a decisão do governo: "Tal entendimento sustenta-se no fato de que essa nomeação não representa o projeto democraticamente legitimado pela comunidade universitária da instituição. Nesta oportunidade, aproveitamos para reafirmar nossos compromissos com a autonomia universitária e com os preceitos democráticos que devem orientar o projeto institucional da UFFS, tendo em vista o seu caráter público, popular e de qualidade".
O diretor do campus de Realeza (PR), Marcos Antônio Beal, também se manifestou por meio de nota: "Embora a reconheça como legítima, a Direção do Campus Realeza vê com surpresa a nomeação do professor Marcelo Recktenvald para o cargo de Reitor da UFFS, especialmente considerando as práticas consuetudinárias acumuladas pelas universidades brasileiras após 1988 e amplamente respeitadas por governos anteriores." A atual reitoria não se pronunciou.
Quatro candidatos concorreram à consulta prévia em que votaram professores, técnicos-administrativos, alunos e sociedade. No primeiro turno, Antônio Andrioli foi o mais votado, Anderson Ribeiro ficou em segundo, Recktenvald em terceiro e Gracialino Dias em quarto. No segundo turno, disputado por Ribeiro e Andrioli, Ribeiro venceu.
Na fase seguinte, o Conselho Universitário da UFFS reuniu-se para montar a lista tríplice que deve ser submetida ao presidente da República. Inscreveram-se Andrioli, Ribeiro e Recktenvald. Respeitando o desejo da comunidade acadêmica, o conselho enviou Ribeiro como cabeça da lista, seguido de Andrioli e Recktenvald.
O futuro reitor é formado em Teologia e Administração. Na UFFS, já foi pró-reitor de gestão de pessoas e pró-reitor de assuntos estudantis. Em sua conta no Twitter, informa ser "cristão conservador", "defensor da família" e "pastor batista". No Facebook, apresenta-se assim: "Só quero exalar o bom perfume de Cristo... e viver intensamente a loucura do evangelho". Há uma semana, ele fez a seguinte postagem na rede social: "Imprensa esquerdopata mundial, subsidiárias globalistas brasileiras, ONG's hipócritas e interesseiras, governantes canhotos, os isentões dissimulados de sempre, picaretas de toda espécie e, é claro, o gado. Todos, todas e todxs juntos contra o Bolsonaro. "Ninguém solta a mão de ninguém!". A Amazônia é só a cortina de fumaça. Só não vê quem não quer. Que Deus abençoe o nosso presidente!".
Recktenvald deve tomar posse na próxima semana, para mandato de quatro anos. Confira alguns posicionamentos do professor cedidos para reportagem de GaúchaZH.
GaúchaZH - Como o senhor foi escolhido pelo presidente, poderia falar um pouco da sua relação com o governo?
Recktenvald - Minha relação é de afinidade de ideias. Destaco os valores conservadores de valorização da família, os quais, juntos com o combate à corrupção, são princípios que considero muito preciosos para uma nação.
GaúchaZH - O que o senhor pretende fazer à frente da universidade?
Recktenvald - Temos uma proposta pautada em princípios, os quais foram amplamente discutidos por ocasião da consulta prévia informal. Defendemos uma nova UFFS, que valorize as pessoas e o trabalho, e atue em integração com a comunidade. Queremos excelência acadêmica, para que a Universidade foque em Ensino, Pesquisa e Extensão em detrimento da militância e aparelhamentos institucionais. Defendemos uma universidade pública, com ensino gratuito, laica, apartidária e de qualidade. Zelamos pelos princípios da administração pública. Temos um plano de gestão que contempla pilares e ações em múltiplas áreas, que podem ser consultadas no perfil NOVAUFFS no Facebook.
GaúchaZH -O diretor do campus de Erechim divulgou uma nota em que expressa preocupação com a decisão do governo para a reitoria da UFFS. Gostaria de responder o posicionamento?
Recktenvald - Cada integrante da comunidade universitária tem pleno direto de manifestação do seu pensamento. Compreendo que possa ter havido alguma frustração do diretor do campus Erechim, já que o candidato por ele apoiado não foi escolhido pelo Presidente. Contudo, nosso entendimento é que, na verdade, estamos tratando de um modelo democrático de escolha de reitores de universidades federais a partir da composição de listas tríplices, e não de uma eleição. É esse o modelo de escolha de reitores, regramento amplamente conhecido por todos os candidatos que ingressaram na disputa. A prerrogativa de escolha do Presidente existe exatamente para possibilitar que a democracia da sociedade brasileira, de modo amplo, possa ser exercida por meio da discricionariedade do Presidente eleito. Neste sentido, acredito que a escolha tenha sido para atender um desejo claro que as urnas demonstraram, democraticamente, no último pleito eleitoral no país.