ACRA, Gana – Nas primeiras horas do amanhecer de uma terça-feira recente, Jane Newornu, de 18 anos, vestiu o uniforme escolar azul, enfiou os livros em uma mochila, pegou uma banana e partiu para a escola.
Sua irmã gêmea, Jennifer, ainda de pijama, observou a cena com uma ponta de inveja. Em vez de ir às aulas, Jennifer ficaria em casa durante dois meses por determinação do governo. As gêmeas, assim como todos os alunos do ensino médio em Gana, agora precisam se revezar.
O problema é o resultado do lançamento tumultuado de um novo programa governamental cujo propósito é expandir o acesso gratuito à educação secundária. Quando o presidente Nana Akufo-Addo assumiu o cargo em 2017, cumpriu uma de suas principais promessas de campanha: ensino médio gratuito para todos.
A atitude é parte de um esforço mais amplo de tornar Gana internacionalmente competitivo em padrões educacionais. Mas o programa provou ser tão popular – de acordo com o Ministério da Educação, 430.000 estudantes estão matriculados neste ano letivo; em 2016, eram 308.000 – que a demanda superou o número de vagas.
"Queremos que os pais vejam a educação como o fator que pode mudar esta nação, e, portanto, mesmo que eles precisem se sacrificar um pouco, vale a pena", declarou Yaw Osei Adutwum, vice-ministro da Educação.
O escalonamento de estudantes tem sido usado por muitos países para diminuir a superlotação, incluindo o Japão e a Austrália. A ideia de Gana foi inspirada na Califórnia, segundo Adutwum, que dirigia uma rede de escolas públicas autônomas antes de ser nomeado vice-ministro da Educação em 2017. A partir dos anos 1970, alguns distritos escolares da Califórnia adotaram um sistema multitrilho após um grande aumento da população estudantil.
Embora as etapas do ensino infantil e fundamental sejam obrigatórias e gratuitas em algumas partes da África Ocidental, o ensino médio gratuito é raro. Um punhado de países, como Burkina Faso, não cobra o ensino secundário de alunos pobres se eles mantiverem boas notas.
No ano passado, Serra Leoa também introduziu o ensino médio gratuito para 1,1 milhão de estudantes, mas o lançamento foi tenso: algumas crianças foram rejeitadas por falta de espaço, segundo notícias publicadas na mídia.
Sob esse sistema, batizado pelo governo de Gana de trilho duplo, algumas crianças vão à escola enquanto outras fazem recesso. Ele está sendo bem-sucedido em conseguir colocar mais crianças nas salas de aula. Quem o defende diz que é uma solução temporária, enquanto mais professores são contratados e escolas são construídas, atribuindo os percalços a dificuldades inerentes a qualquer nova empreitada.
Contudo, muitos pais, vendo os filhos ficarem ociosos por dois meses, estão furiosos. Eles agora acreditam ter sido enganados por um governo que fez uma promessa que não poderia cumprir. Se as crianças deixadas de lado ficam para trás nos estudos, dizem alguns adultos e estudantes, então a escola gratuita está cobrando um preço muito alto.
"Não estou feliz com esse sistema. Fico em casa tempo demais. É entediante e não ajuda em nada", reclamou Jennifer Newornu, enquanto a irmã passava pela porta a caminho da escola e ela ficava na cama.
O governo, entretanto, está firme em seu apoio ao novo sistema, sob o argumento de que está oferecendo educação adequada a mais crianças. Antes do programa, 67 por cento das crianças do ensino fundamental seguiam para o ensino médio. Após o lançamento, esse número subiu para 83 por cento em 2018, segundo o Ministério da Educação.
Em Gana, todo o ensino fundamental é gratuito e obrigatório desde 1995, com uma taxa de matrícula de 90 por cento. O ensino médio, apesar de controlado pelo governo, exigia o pagamento de mensalidade.
De acordo com dados do governo, as escolas públicas em regime de internato custam cerca de 289 dólares (1.100 reais) por ano letivo; já aquelas em que a criança vai e volta todos os dias, cerca de 120 dólares (460 reais). São gastos significativos em um país onde a renda anual per capita média gira em torno de 1.900 dólares (7.300 reais), segundo o Banco Mundial.
Até agora, o programa só foi implementado em escolas de ensino médio com alta demanda, mas o governo espera incluir mais instituições à medida que cresça o volume de matrículas. Sessenta por cento das escolas públicas de Gana funcionam no sistema de internato, e estas estão inclusas no programa de mensalidades gratuitas.
Oferecer gratuidade no ensino médio é uma das inúmeras reformas dentro do ambicioso projeto de revisão que Akufo-Addo está propondo para todo o sistema educacional de Gana, dizem as autoridades. O desempenho dos alunos será avaliado anualmente, em vez de apenas terem uma grande prova final antes da graduação.
O currículo do país, fortemente baseado em memorização, está sendo atualizado para se concentrar mais no pensamento crítico e na compreensão. As aulas de reforço para os alunos com dificuldade acadêmica, antes pagas pelos pais, agora são gratuitas.
"O sistema que herdamos, tudo relacionado a ele, não estava no século 21. Quando se trata de competitividade internacional, não estamos lá, e queremos estar lá", criticou Adutwum.
Ele explicou que esperar até que as novas escolas fossem construídas para acomodar todos os alunos novos teria retardado em anos o acesso gratuito ao ensino médio para milhares de crianças. A implementação do programa, que cobre custos com mensalidades, livros didáticos e uniformes para cada criança, custou aproximadamente 74 milhões de dólares (284 milhões de reais) no primeiro ano, de acordo com o Ministério da Educação.
O governo anunciou que planeja construir mais escolas e eliminar o sistema de escalonamento daqui a cinco a sete anos, mas os educadores não estão confiantes. Eles apontam que a gratuidade não significa nada sem mais professores, materiais e melhorias fundamentais nas escolas precárias do país. Sem isso, afirmam, os alunos continuarão com dificuldades.
Quando Jane chegou à escola de ensino médio Salem Senior vestindo o uniforme xadrez, os alunos jogavam vôlei do lado de fora da sala do diretor. Todos os lugares da aula do primeiro período – economia doméstica – estavam ocupados. Os professores contam que têm trabalhado sem parar por muitos semestres sem tirar um dia de folga.
Está permitindo o acesso. Muitas crianças teriam sido negligenciadas sem ele. Mas precisamos de espaço físico, equipamentos, material didático. Gostaria que o dinheiro fosse investido no ensino e no aprendizado.
ANTHONY ODAME LARTEY
diretor da escola de ensino médio Salem Senior
O diretor, o reverendo Anthony Odame Lartey, defendeu o programa da escola gratuita, mas com ressalvas: "Está permitindo o acesso. Muitas crianças teriam sido negligenciadas sem ele. Mas precisamos de espaço físico, equipamentos, material didático. Gostaria que o dinheiro fosse investido no ensino e no aprendizado".
Com tantos alunos fora da sala de aula, surgiram empresas oferecendo monitoria escolar em casa e aulas nas férias. Com nomes como "Academia de Intelectuais", elas fazem propaganda na televisão e em outdoors. Os agentes de educação do governo descartam a necessidade dessa complementação extracurricular, referindo-se a ela como uma iniciativa concebida para incitar o medo e vender aulas com um tutor.
Mas para Gilbert Nartey, corretor de imóveis de Acra, essas aulas extras são necessárias para o sobrinho, que ele cria, para que não perca o ritmo e não se meta em confusões. "Ele é uma criança, precisa estar sempre envolvido em alguma coisa. Se você deixar as crianças por dois ou três meses sem orientação, elas vão desenvolver certos hábitos", ponderou Nartey, de 60 anos.
O pai das gêmeas, James Newornu, credita ao programa de escola gratuita do presidente a possibilidade de as filhas frequentarem o ensino médio. Ele, que recentemente perdeu o emprego como motorista de táxi, disse que não conseguiria pagar as mensalidades escolares.
Por outro lado, ao observar Jennifer mexendo no celular ou passando o tempo com outros alunos do ensino médio também no período de recesso, ele passou a se preocupar. Para pais como ele, incapazes de custear o serviço de um tutor, é apenas mais uma maneira pela qual o novo sistema ainda falha em diminuir o vácuo entre ricos e pobres. "Esse sistema não está ajudando. Elas tendem a esquecer o que aprenderam", alegou.
Nos últimos dois meses, Patricia Dorgbe, de 17 anos, tem trabalhado na banca de roupas da irmã mais velha na Oxford Road, em Acra, enquanto aguarda sua vez de retornar à escola. Em uma recente manhã de sexta-feira, ela observou com indiferença, vestida com o uniforme escolar, seus colegas de classe que passavam pela banca a caminho da escola.
Na segunda-feira seguinte, seria finalmente sua vez de retornar às aulas. "Estou preocupada. Estamos voltando para a escola, mas será difícil para aqueles que ficarem sentados em casa", disse Patricia, que sonha em ser enfermeira. "Mas preciso continuar e dar o meu melhor, para poder fazer tudo que quiser."
Por Sarah Maslin Nir