O epidemiologista gaúcho Gabriel Victora, 40 anos, é um dos agraciados deste ano do programa MacArthur Fellows, popularmente conhecido como a “bolsa dos gênios”. Nascido em Porto Alegre e radicado em Nova York (EUA), ele receberá US$ 625 mil, pagos em um período de cinco anos, sem necessidade de prestar contas.
O prêmio é concedido pela Fundação MacArthur, com sede em Chicago, a pessoas “excepcionalmente criativas”, como forma de investimento no potencial de originalidade dos agraciados, que dispõem de liberdade total para aplicação dos recursos. Vinte e quatro personalidades vão receber a bolsa neste ano. Não é possível se candidatar ao benefício, e os critérios de seleção e os nomes dos selecionadores estão envoltos em mistério.
À frente do Laboratório de Dinâmica de Linfócitos, na Universidade Rockefeller, Victora se dedica a pesquisas sobre a imunidade adquirida ou adaptativa – aquela que o indivíduo desenvolve após ter tido contato com um agente estranho ao organismo. Mais especificamente, o trabalho busca esclarecer como o sistema de defesa baseado em anticorpos melhora sua especificidade diante do agressor, o que, na prática, pode levar ao desenvolvimento de vacinas mais eficientes contra o HIV e o vírus da gripe, além de melhorar o tratamento direcionado a alergias e doenças autoimunes.
Segundo a Fundação MacArthur, Victora “reconfigurou e refinou uma série de métodos de imagem celular e molecular para visualizar, em tempo real, o processo através do qual a imunidade adaptativa se desenvolve”. A fundação afirma ainda que a pesquisa do gaúcho “tem implicações práticas para o desenvolvimento de vacinas novas e mais eficazes”.
Apesar da repercussão do seu trabalho, Victora é relativamente novo na área da imunologia. Ele mudou-se para os Estados Unidos em 1990, mas com planos de seguir a carreira de pianista, tendo feito graduação e mestrado em piano na Faculdade de Música Mannes, também em Nova York. Foi concertista e professor de música por alguns anos, até decidir mudar de vida. Pouco mais de uma década atrás, concluiu o mestrado em imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, em São Paulo. Em seguida, retornou aos Estados Unidos, onde fez PhD em imunologia na Universidade de Nova York, concluído em 2011. Ele é filho do também epidemiologista Cesar Victora, que recebeu neste ano um dos mais importantes prêmios do mundo na área de saúde, o Gairdner, do Canadá.
Victora concedeu entrevista a Zero Hora por e-mail. Confira:
O que significou receber essa distinção? Foi uma surpresa?
É uma honraria muito grande aqui nos EUA, faz parte do folclore do país receber um “telefonema de um número desconhecido de Chicago”. Significa o reconhecimento da minha área de trabalho pelo público geral, o que não é comum para nós, cientistas. Como não há inscrições nem lista de finalistas, ninguém sabe que está no páreo. Então, é sempre uma boa surpresa.
De que forma explicaria para os leigos o teu trabalho?
Buscamos entender como funciona o sistema que gera os anticorpos (componentes do sangue que nos protegem de infecções, mas que também podem causar alergias e doenças autoimunes). Estudamos a ciência básica de como esse processo funciona, com o objetivo de gerar conhecimento que pode ser aproveitado no futuro, por exemplo, no desenvolvimento de vacinas.
Como pretende investir o valor da bolsa?
Ainda não decidi o que fazer. A bolsa é paga aos poucos, ao longo de cinco anos, então ainda tem bastante tempo para pensar nisso. A ideia da Fundação MacArthur é maximizar a criatividade, mas eles não estipulam como o dinheiro deve ser gasto.