O desempenho sofrível apresentado pelos estudantes gaúchos na edição mais recente do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul (Saers) revela que há um personagem em particular que não está conseguindo atingir os objetivos propostos: o próprio sistema de avaliação.
Especialistas observam que, ano após ano, em testes realizados por todo o país, os resultados ruins se repetem, às vezes até com piora, uma clara demonstração de que os exames não estão cumprindo a função primordial de alavancar melhorias na qualidade do ensino.
– Fazer avaliações é bom. Mas elas não estão sendo bem usadas, porque as causas dos problemas que revelam não são atacadas – critica Carlos Roberto Jamil Cury, professor de políticas educacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).
Juca Gil, professor da Faculdade de Educação da UFRGS, recorre a uma metáfora médica para descrever a situação: é como diagnosticar repetidamente uma febre e não fazer nada para combatê-la.
– Vocês, no jornal, sempre que sai o resultado do Enem ou das avaliações estaduais, são obrigados a requentar a mesma desgraceira. O problema é que essas avaliações são descoladas de políticas de intervenção. Concretamente, o que o governo faz a partir dos resultados? Não faz nada. Ele fica só gastando dinheiro e alimentando o noticiário.
Também professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Tania Marques ressalta que o sentido de fazer um exame é chegar a um diagnóstico que mostre o que está ruim e precisa mudar. Se depois de testagens recorrentes, realizados ao longo de vários anos, o desempenho dos alunos não evoluiu, isso pode significar duas coisas: ou que as políticas adotadas como resposta pelo governo fracassaram ou que o governo não aplicou política alguma para alterar o quadro.
Tania observa que o Saers permite identificar, por exemplo, escolas de condições parecidas e recursos semelhantes, mas com resultados díspares no que diz respeito ao ensino. Um primeiro passo poderia ser investigar como é o trabalho naquelas que se saem bem e replicá-lo nas que se saem mal. Ela não vê isso acontecer.
– Acaba emperrando em questões políticas e também no fato de direções e professores se fecharem a discussões de cunho pedagógico. Às vezes, ações muito simples são difíceis de efetivar. Existem poucas escolas, por exemplo, que fazem experiências de docência compartilhada, em que se colocam dois professores no mesmo espaço, de forma que um aprenda com o outro. Isso seria uma primeira ação a tomar – opina.
Gargalo no fim do ensino primário
Jamil Cury identifica um padrão nas avaliações feitas no país, que se repete nos dados do Saers. Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a performance dos estudantes é razoável e tem evoluído. Nos anos finais, piora consideravelmente. Quando se chega ao Ensino Médio, é calamitosa. Ele entende que tais dados mostram que existe um gargalo no fim do ensino primário e indicam o tipo de ação que as políticas educacionais deveriam estar buscando.
– Muitos alunos acabam o Ensino Fundamental fora da idade apropriada, sem a devida preparação, e, além disso, a passagem para o Ensino Médio costuma significar uma mudança de escola, de cidade ou de rede de ensino. É óbvio que há um prejuízo para o estudante. Falta buscar uma articulação, uma organicidade, entre os anos finais do Fundamental e o Ensino Médio, o que poucas vezes é levado em consideração – analisa o professor.
* Zero Hora