Universalizar a banda larga das escolas da rede pública é uma das estratégias oficiais do Brasil para fomentar a qualidade da educação básica, segundo o Plano Nacional de Educação (PNE). Analisando números, o país mostra uma evolução nesta meta, e o Rio Grande do Sul se destaca entre as regiões que mais dão acesso à internet rápida para seus alunos. Em março, o presidente Michel Temer anunciou que a meta é universalizar o acesso das escolas a ferramentas de plataformas digitais até 2022.
Mas no dia a dia das escolas, essa infraestrutura, que é considerada não só básica como recurso pedagógico para atender aos jovens de hoje, mas declarada como um direito humano em convenções internacionais, mostra carências, revela uma falta de planejamento do Estado e não é fornecida igualmente para todos os estudantes do ensino fundamental e médio. Um sintoma do que acontece na educação pública em geral. Em locais onde há wi-fi, faltam dispositivos móveis. Onde há laboratório de informática, faltam professores com treinamento e manutenção nos computadores.
No Brasil, dados do Censo Escolar de 2015, levantados pela plataforma QEdu, da Fundação Lemann, revelam que 47% das escolas públicas têm banda larga. No RS, o número é de 68%. Em 2010, os números eram de 32% e 48%, respectivamente. Mas mesmo com o aumento da estrutura, especialistas apontam que é preciso fazer um planejamento com proposta no currículo que envolva as tecnologias e acesso de qualidade.
Leia mais:
Rio Grande do Sul avança no número de crianças e jovens na escola
MEC publica edital com mudanças no Enem 2017; inscrição sobe 20%
Com nova base curricular, crianças deverão ler e escrever até o 2º ano do EF
–Para desenvolver atividades é necessário a banda larga, não só a internet. E essa realidade das escolas públicas ainda é muito diferente da rede privada, que 80,2% tem acesso. Mesmo com o aumento da banda larga a diferença permanece, teríamos que acelerar muito mais a inclusão digital – afirma a economista do Instituto Ayrton Senna, Paula Penko. A instituição, em 2015, fez uma pesquisa para investigar como as escolas públicas disponibilizam tecnologia para os alunos.
–Para desenvolver atividades é necessário a banda larga, não só a internet. E essa realidade das escolas públicas ainda é muito diferente da rede privada, que 80,2% tem acesso. Mesmo com o aumento da banda larga a diferença permanece, teríamos que acelerar muito mais a inclusão digital – afirma a economista do Instituto Ayrton Senna, Paula Penko. A instituição, em 2015, fez uma pesquisa para investigar como as escolas públicas disponibilizam tecnologia para os alunos.
Em Porto Alegre, as escolas municipais têm direito à banda larga e estrutura fornecida pela Companhia de Processamento de Dados do Município de Porto Alegre (Procempa). Na Escola Municipal de Ensino Fundamental Afonso Guerreira Lima, na Lomba do Pinheiro, na Zona Leste, a rede wi-fi é aberta, ou seja, liberada para todos os alunos e para a comunidade. No mês de março, ZH testou a velocidade da rede, que varia entre 1 Mbps e 3 Mbps – o defendido pelos especialistas, como a economista Paula Penko, é que o ideal seria de 10 Mbps. Não é incomum ver pais e estudantes fora dos horários de aula com o celular em mãos, no pátio ou perto do portão, utilizando a rede – essa, na verdade, é a única maneira de usá-la, já que a escola não tem tablets ou notebooks para uso dos cerca de 1,3 mil alunos, que durante certas atividades são encorajados a usar o próprio celular para fazer pesquisa, tirar fotos ou anotar. Ao fazer isso, há também uma tentativa dos professores de ensinarem os alunos sobre as horas certas para usar o smartphone e como eles podem ter autonomia para buscar mais informações.
– Quando entra uma novidade grande como essa (o wi-fi), o professor também precisa de apoio. Talvez ele nem tenha o conhecimento para fazer esse planejamento. Não é só o dispositivo, precisa de formação e tempo para os professores. Instalamos o wi-fi e deu, não, isso leva um certo tempo para incluir nas atividades – afirma o diretor Samuel Martins, que diz que é inviável tirar recursos da escola para fazer a compra de equipamentos.
Escola Municipal Especial Professor Luiz Francisco Lucena Borges, na Zona Norte, que atende alunos com autismo, conta com um laboratório de informática em que apenas quatro ou cinco computadores funcionam por falta de manutenção. A conexão é lenta e os dispositivos precisariam ser mais atualizados para dar conta das necessidades dos alunos, relata a diretora Carla Fernanda da Silva, que também enxerga como necessário um treinamento dos professores. A escola conta com um estagiário de informática.
– A maioria dos aplicativos para autistas é no tablet. Tem alguns alunos que não tem a capacidade motora para usar o mouse, então tocar na tela seria mais fácil. Tem alunos aqui que nunca sentaram na frente do computador e outros que só conseguem escrever com o computador. E não adianta pedir wi-fi se não tem os tablets – afirma a diretora.
Segundo o assessor jurídico da Secretaria Municipal de Educação, Paulo Renato Ardenghi, todas as escolas têm acesso à banda larga da Procempa, mas nem todas tem rede wi-fi. Ele afirma que há um estudo sendo feito para planejar as ferramentas necessárias para repensar a inclusão digital nas escolas.
– Eu tenho visitado as escolas e vejo questões pontuais. Talvez as soluções não sejam em comprar mais computadores, mas até de buscar outras ferramentas – diz, referindo-se a ampliar redes wi-fi e priorizar os dispositivos móveis, que podem ser levados para a sala de aula.
Conforme a Secretaria Estadual da Educação, segundo o Censo Escolar de 2016, das 2.557 escolas estaduais, 2.470 possuem algum tipo de conectividade, seja internet banda larga ou via rádio. Nas escolas estaduais, nem todas tem acesso à infovia e estrutura da Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul (Procergs). Algumas recorrem à contratação de provedores com o orçamento da escola ou com ajuda da iniciativa privada. Foi o caso da Escola Estadual de Ensino Fundamental São Francisco de Assis, que em 2015, recebeu pontos de rede wi-fi e notebooks como doação de uma empresa privada.
– Antes, a gente tinha uma conexão horrível, funcionava pouco. Se usava na secretaria não podia usar no laboratório. Hoje, até na esquina pega sinal de internet, alguns alunos chegam antes para usar – afirma a diretora Denise Feijó Leal.
Em 2013, o governo do Estado adquiriu 28,6 mil netbooks educacionais, para 661 escolas estaduais gaúchas, em um investimento que R$ 27 milhões, que segundo a Seduc, foram utilizados recursos do Tesouro do Estado e de empréstimos tomados junto ao Banco Mundial (Bird)para a compra.
Uma das escolas beneficiadas com cerca de 700 netbooks em 2014 foi a Escola Estadual Professor Oscar Pereira de ensino fundamental e médio. Com os equipamentos, veio wi-fi e banda larga. Antes, qualquer tarefa que precisasse de conexão era feita com um modem 3G. Funcionários da escola elogiam tanto a iniciativa como a prestação de serviços do governo do Estado e contam que há iniciativas de ensinar os professores.
Com boa infraestrutura, um dos problemas enfrentados na escola, no bairro Cascata, na Zona Sul, no entanto, diz respeito à segurança. Em uma zona de grande vulnerabilidade social, os netbooks que deveriam ser levados para casa como um dos materiais didáticos guardados e são usado apenas em sala de aula. Os próprios pais das comunidades atendidas pela instituição, com receio de assaltos, preferiram que os professores não entregassem os aparelhos aos alunos. Professores usam os aparelhos para fazerem buscas, redigirem textos e para jogos educativos. Há também uma iniciativa de auxiliar os jovens do ensino médio a fazerem currículos para empregos.
Ainda na Zona Sul, a Escola Estadual Santos Dumont também tem netbooks, mas ao mesmo tempo, não tem conexão wi-fi disponível para todos os alunos. Por enquanto, as atividades com o uso da informática são feitas no laboratório da escola: de 24 computadores, nem a metade opera e os que funcionam são lentos. Turmas de alunos do ensino médio precisam se dividir em grupos se quiserem utilizá-los durante a aula. Para ficar minimamente conectada, a escola paga um provedor de banda larga.
De acordo com o secretário de educação, a infovia da Procergs não chega a todos os locais das escolas estaduais. Equipar todas as escolas com internet e novos dispositivos não caberia no orçamento do Estado.
– Isso implica em um custo maior. Estamos dando prioridade para as escolas que precisam de mobiliário e reformas. É importante a tecnologia, até para manter os estudantes nas escolas e desenvolver o aprendizado. Temos problemas sérios relacionados o tesouro do Estado, então alguns recursos ficam na iniciativa de cada escola – afirma.
Infraestrutura apenas não basta, dizem especialistas
Acesso à internet é considerado um item básico nas escolas, mas especialistas defendem que, além de garantir a infraestrutura para conectar os alunos, o uso desses dispositivos deve estar atrelado a um objetivo no plano de ensino.
– A questão numérica de acesso a equipamentos e à tecnologia, que foi uma luta longa dos últimos anos, não resolve. Não foi feito um trabalho sobre qualidad, em paralelo, nos últimos anos. Não adianta apenas pensar na infraestrutura, se não tiver planejamento – afirma Ricardo Falzetta, gerente de conteúdo do movimento Todos Pela Educação.
Os recursos cedidos às escolas deveriam fazer parte das orientações de um plano político-pedagógico, defende Ricardo. e que maneira a educação dos alunos seria beneficiada e quais características as crianças pretendem desenvolver com o uso daquelas tecnologias. A inclusão dos pais e da comunidade pode ser uma das estratégias da instalação de redes e distribuição de equipamentos, mas também devem ser planejados e as pessoas instruídas.
– Não vale a pena apenas fazer por um modismo ou uma questão de mercado. Toda essa tecnologia tem intencionalidade pedagógica – diz.
Paula Penko, do Instituto Aryton Senna enumera os benefícios de incluir a tecnologia no dia a dia que vão além apenas de ter acesso a informações sobre diversos assuntos: ajuda no desenvolvimento das habilidades socioemocionais, quando um dispositivo usado em equipe, estimula o trabalho em grupo e incentiva a abertura ao novo.
– É importante aproximar a escola do mundo real, quando ela fica muito distante da prática, não tem sentido muito para os alunos – comenta Paula.
A economista enxerga que ainda há um longo caminho no Brasil para conectar todas as escolas e ao decorrer do tempo, as metas e propostas pensadas para inclusão digital precisam mudar. Um dado que mostra isso é que as redes públicas de ensino tiveram um salto na quantidade de laboratórios de informática ao longo dos anos, enquanto as privadas, se mantiveram estáveis.
– Isso mostra como isso tudo é dinâmico, o computador não precisa estar mais na sala fechada. Enquanto a rede pública correu atrás desse atraso, a rede privada já estava em outro foco: de usar dispositivos móveis. Na edução do século 21 o professor é um facilitador do conhecimento, não proprietário, e com a tecnologia o aluno pode também ter mais autonomia para ir atrás das informações – afirma.