Uma proposta que altera o ingresso de estudantes com direito a cotas na UFRGS deve ser votada pelo Conselho Universitário (Consun), órgão máximo da instituição, na próxima sexta-feira. Elaborado pela Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), o texto é estruturado em três pontos principais, e o mais polêmico diz respeito à impossibilidade de vestibulandos disputarem as vagas destinadas à ampla concorrência e as reservadas a egressos de escola pública concomitantemente.
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Atualmente, quem cursou o Ensino Médio na rede pública pode concorrer pelo acesso universal (50% das vagas) e, se não for classificado, disputar entre os cotistas – em 2016, 419 estudantes ingressaram pelo acesso universal apesar de preencherem os pré-requisitos das ações afirmativas. Com a mudança, os candidatos terão de escolher apenas um dos grupos antes de realizar o vestibular.
A justificativa da Prograd é de que a sistemática atual "acaba permitindo que haja migração de uma modalidade de concorrência para a outra, fazendo com que ocorra um confuso cruzamento de vagas, listas e modalidades de ingresso". A ideia é que o processo seja semelhante ao do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que tem modalidades separadas.
Outro ponto prevê que os beneficiados pelo Programa de Ações Afirmativas iniciem a vida acadêmica nos dois semestres (em cursos com duplo ingresso, metade dos aprovados começam as aulas em março, e a outra metade, em agosto). Atualmente, a divisão é feita com base nas médias – como os que entram por meio de cotas, via de regra, têm argumentos menores, acabam ficando todos no segundo semestre. Essa divisão gera discriminação, relatada em diferentes anos.
O terceiro item, que não se limita aos cotistas, visa a fazer com que os classificados no segundo semestre não sejam remanejados para o primeiro quando houver desistências de candidatos que tinham entrada prevista para a primeira metade do ano. A proposta dá como exemplo o que ocorreu em 2016, quando alunos ficaram sem escolha de disciplinas de sua preferência ou realizaram matrícula sem atividades em razão de chamamentos tardios.
O texto da Prograd diz que, se implementada, essa alteração "permitirá proteger o candidato com vaga garantida na universidade tanto da insegurança de um possível chamamento não observado, quanto de terem que se reorganizar rapidamente, e de forma inesperada, para assumirem uma nova condição".
O ofício que trata da mudança foi encaminhado ao Consun em julho e analisado pela Comissão de Legislação e Regimentos. O parecer do relator, professor Celso Loureiro Chaves, que recomenda a aprovação, foi finalizado no mês passado e submetido ao plenário do conselho. Como houve pedido de vistas, a decisão foi adiada. ZH procurou a UFRGS, que, por meio da assessoria de imprensa, afirmou que não se manifestaria, já que a proposta não está finalizada e ainda cabem sugestões ao texto. A decisão entra em vigor na data da aprovação.
Estudantes não apoiam proposta
Ao ser apresentada no Consun, a proposta gerou mobilização entre os estudantes contrários à mudança, que reclamam da falta de debate com a comunidade universitária. Por iniciativa deles, o texto passou a ser discutido em encontros com movimentos e coletivos. No dia da votação, devem ocorrer protestos na reitoria. Coordenadora-geral do Diretório Central dos Estudantes (DCE), Kassiele Nascimento cita que a maior preocupação é o ponto que exclui a possibilidade de concorrer em dois sistemas ao mesmo tempo.
– Hoje, o candidato (cotista) disputa mais ou menos 62% das vagas. Sem essa concomitância, vai disputar só 12,5%. O mínimo de 50% (de egressos de escola pública) passa a ser o máximo. Mesmo que ele consiga uma nota que possa ingressar pelo acesso universal, vai ter de entrar nas cotas. Isso acaba indo contra a lógica das cotas, que é ampliar o acesso à universidade – afirma Kassiele, que é estudante de Relações Públicas e suplente no Consun.
O acadêmico de Direito Ritchele Vergara vê na proposta o objetivo de restringir a entrada de egressos de escola pública e negros na instituição:
– Em números absolutos, são aproximadamente 420 cotistas que entraram pelo acesso universal mesmo estando inscritos por cotas.
Vítor Neves da Fontoura, representante discente no Consun, tem opinião diferente.
– É uma questão de isonomia. A mudança principal é que vamos adotar o mesmo modelo do Sisu. Tu tinhas dois modelos para o ingresso e, agora, está sendo uniformizado. Não está atacando o sistema, está se mantendo os 50% (da reserva de vagas). Fica melhor, simplifica, uniformiza – salienta o também estudante de Direito.
Coordenador do Instituto de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa, vinculado ao CNPQ, José Jorge de Carvalho define como retrocesso a impossibilidade de cotistas concorrerem simultaneamente pelos dois meios de acesso.
– Quando você tem as cotas como piso, ou seja, quando o estudante tem a dupla possibilidade de aceso, acelera-se a inclusão, visto que a exclusão racial é muito longa. Se fizerem contingentes diferentes e o estudante precisar optar apenas por um, as cotas serão transformadas em teto – afirma o professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB).
Considerado referência no assunto, por implantar as ações afirmativas de forma pioneira na UnB, Carvalho acrescenta que a solução para um problema administrativo não pode prejudicar o aluno:
– Isso seria um retrocesso contra a luta por igualdade racial.