Depois de anos em ascensão, enquanto condições econômicas e o apoio do governo federal desenhavam um cenário favorável à expansão, as instituições privadas de Ensino Superior começaram a sentir os efeitos da crise. Com a restrição maior ao financiamento estudantil e a constante dificuldade de manter alunos capazes de arcar com os custos da educação, elas buscam manter a qualidade enquanto veem número de ingressantes, créditos contratados e receita diminuírem.
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O aperto nas contas, que já atinge as universidades desde o início do ano passado, significa que a construção de novos campi, a oferta de mais cursos e a revitalização de laboratórios, entre outros planos, acabam ficando para depois – quando não são cancelados. Neste contexto, prédios deixam de ser erguidos, salas não passam por reformas, e profissionais ficam sem promoção.
A crise atinge o bolso de todos. Para professores, que veem menos turmas sendo formadas, a quantidade de horas/aula diminui, o que tem influência direta nos salários. Para os alunos, cada vez mais preocupados com as contas, o aproveitamento também pode cair e resultar em um período maior até a formação. Isso se não acabar levando à desistência.
– Neste ano, começamos efetivamente a ver quedas. Ninguém tem investido como investia nos anos anteriores em razão de toda essa situação de incerteza que ainda se vive – explica o presidente do Sindicato do Ensino Privado (Sinepe) no Estado, Bruno Eizerik.
Os anos de expansão foram pavimentados, em especial, por dois objetivos: aumentar o acesso ao Ensino Superior, tanto na rede pública quanto na privada, e facilitar o pagamento das mensalidades ou aumentar as possibilidades de isenção a quem optasse por uma faculdade particular. Para tanto, foram criados diversos programas, como o Universidade para Todos (Prouni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), ambos sob coordenação do Ministério da Educação (MEC) e alvos de alterações que resultaram em cortes nos últimos anos.
Esse caminho de expansão, agora, chega a um momento difícil. Com orçamento cada vez mais contido, as faculdades, universidades e centros universitários da rede particular precisam não mais batalhar para crescer, mas lutar para conseguir se manter dentro da própria estrutura.
– Como a receita está diminuindo muito, temos de fazer ajustes. Há custos básicos, com professores, laboratórios, de que não podemos abrir mão. Mas outras iniciativas, como intercâmbio de professores e ampliação da infraestrutura precisam ser revistas – diz José Carlos Carles de Souza, vice-presidente do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung).
Responsáveis por abrigar a maior parte dos estudantes que estão matriculados em uma faculdade, as instituições particulares são fundamentais para que o Brasil possa atingir uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE): a de elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior de 34,2%, em 2014, para 50% até 2024. Como em uma difícil etapa do vestibular, são elas agora que terão de provar sua resistência.
Readequações no corpo docente
Talvez o impacto mais dramático da crise que chegou às universidades particulares seja o aumento no número de demissões de professores. Em algumas delas, essas demissões são consideradas parte de um movimento de equilíbrio de contas, que, por vezes, envolve a substituição de profissionais contratados há mais tempo por novos docentes com a mesma titulação, que chegam recebendo um salário menor.
Em outras situações, diante das dificuldades econômicas, a reposição dá lugar ao fechamento de vagas. Mesmo quando optam por não abrir mão dos professores, uma saída encontrada pelas instituições privadas de Ensino Superior está na diminuição da carga horária de seus profissionais. Com menos turmas e com alunos, em geral, contratando menos créditos, as horas/aula também acabam sendo reduzidas.
– A instituição vai reduzindo custos, deixa de oferecer vestibular de inverno, diminuindo a carga horária, e, então, decide desligar o professor. É uma ação extrema, mas que tem acontecido com mais frequência de 2015 para cá – garante Amarildo Cenci, diretor do Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro/RS).
Na semana passada, a Unisinos anunciou a demissão de 50 professores, segundo o sindicato. Muitos deles seriam doutores, que têm remuneração maior. Ao Sinpro, a universidade informou que os motivos seriam a crise econômica e a redução nas matrículas. Em nota oficial, a Unisinos salientou que os desligamentos "são pontuais e decorrentes de ajustes internos", e afirmou que "esses movimentos não interferem no seu compromisso com a excelência acadêmica".
O Centro Universitário Franciscano (Unifra), de Santa Maria, e as universidades Feevale, de Novo Hamburgo, e PUCRS também admitem processos de readequação no quadro docente, o que, nos últimos semestres, resultou em demissões. Outras instituições de Ensino Superior, como Univates, Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Universidade de Passo Fundo (UPF) e Imed, tiveram atrasos em alguns investimentos, principalmente de infraestrutura. Todas viram o número de alunos matriculados – e, entre eles, o números de créditos contratados – cair nos últimos semestres.
Fies menor, inadimplência maior
Aos cortes no Fies, que passou a oferecer menos vagas, definir mais regras e priorizar a formação de professores, engenheiros e profissionais de saúde nos novos contratos a partir do ano passado, soma-se outro problema para universidades e alunos: a inadimplência. Depois de uma sequência de queda desde 2009, a taxa de alunos que não conseguem pagar as mensalidades em dia voltou a subir no ano passado. E a projeção para 2016 não é otimista.
A inadimplência no Ensino Superior privado no Brasil cresceu muito em 2015: ficou acima da taxa média de pessoas físicas medida pelo Banco Central. Enquanto 6,2% das famílias tiveram que atrasar o pagamento das contas por mais de 90 dias no ano passado, dentro do ambiente universitário esse número chegou a 8,8%. Ou seja: é mais comum deixar para depois a mensalidade do curso do que outras obrigações financeiras.
Houve um aumento de 12,9% na inadimplência em faculdades, universidades e centros universitários de 2014 para 2015. Neste ano, a previsão é de estabilidade: conforme o Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), responsável pela pesquisa, essa taxa deve ficar em 9% em 2016.
– A alta taxa de inadimplência pode ser explicada em função da crise macroeconômica e política que o país enfrenta e pelo corte do financiamento estudantil, com queda acentuada no número de contratos novos e aumento da evasão – explica o diretor-executivo do Semesp, Rodrigo Capelato.
Para tentar evitar que os alunos tranquem a faculdade ou acabem desistindo do curso por não conseguir arcar com mensalidades e matrículas, as instituições tendo de, como define o Sinepe, se reinventar. Muitas têm procurado parcerias com bancos, instituições de financiamento e cooperativas de crédito em busca de alternativas para quem não consegue pagar o curso em dia.
Afinal, assim como não é bom para o aluno deixar a educação de lado, também é de interesse da universidade mantê-lo matriculado.Uma mudança na responsabilidade pelo pagamento da taxa de administração do Fies, porém, pode dificultar ainda mais esse quadro. Em medida provisória publicada na sexta-feira passada, o governo anunciou que cortará o subsídio, e essa parte da remuneração dos bancos ligados ao fundo de financiamento terá de ser custeada pelas próprias instituições que participam do programa – determinação que pode se refletir em um reajuste maior nas mensalidades em 2017, apesar de o MEC descartar essa possibilidade.