Fontes: Uwe Schultz, biólogo da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Fundação Zoobotânica e Secretaria Estadual do Meio Ambiente
Caboclinho, albatroz-real-do-sul, caranguejo-de-água-doce, sapinho-de-barriga-vermelha e outras dezenas de espécies da fauna do Rio Grande do Sul entraram para a lista estadual de animais ameaçados de extinção, concluída em outubro de 2013 após um estudo coordenado pela Fundação Zoobotânica. Mas integrar essa relação, até agora, não significou maior proteção a nenhum desses animais.
Para que sejam oficialmente considerados ameaçados, o governo do Estado precisa publicar a lista no Diário Oficial. Há quase um ano, biólogos e ambientalistas aguardam a medida e defendem como podem as 129 espécies que passaram a integrar a lista, além das outras que já figuravam na última relação, de 2002. Nesta atualização, foram analisadas 1.583 espécies, sendo que 280 foram classificadas como ameaçadas. O trabalho envolveu 129 especialistas de 40 instituições nacionais e internacionais.
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Pressão política e debate antigo
A demora na publicação é motivada, principalmente, pela permanência do peixe dourado entre os ameaçados, o que mantém ilegal a sua pesca e comercialização. O animal tem grande valor comercial entre pescadores da bacia do Rio Uruguai, onde sua conservação também vai de encontro a projetos de hidrelétricas na região. Prefeitos, lideranças de pescadores e deputados peregrinaram por órgãos ambientais para tirá-lo da lista.
- A justificativa dos pescadores é de que dependem do peixe e que, no lado argentino do rio, a pesca é liberada. Foram muitas reuniões para explicarmos a metodologia do estudo, mas em momento algum cogitamos a retirada da espécie da lista - disse o diretor-geral da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), Luís Fernando Perelló, ressaltando que, nos próximos dias, a listagem, enfim, deve sair.
A Federação dos Pescadores do Rio Grande do Sul aponta prejuízos para pelo menos 10 colônias de pescadores. A espécie chega a ser duas vezes mais rentável que outros peixes, como a traíra, por exemplo. A entidade garante que há fartura de dourado no Rio Uruguai e que a pesca não é a vilã.
- Tem mais dourado do que outros peixes no Uruguai. Não tenho estudo sobre isso, mas tenho vivência de rio. Acho que se pode colocar um limite na pesca, mas não proibir totalmente. Se o dourado sumir é por causa das barragens, não da pesca - avalia o presidente da federação, Vilmar Coelho.
Não é de hoje que o peixe protagoniza discussões. Em 2008, a então governadora Yeda Crusius assinou um decreto que suspendia a proibição da pesca. O Ministério Público Estadual impediu a medida, considerada ilegal e sem embasamento técnico. No embate atual, também não há dados que apontem um futuro menos preocupante para o peixe, que, nos últimos 15 anos, perdeu 18% de sua população na bacia do Uruguai e, pelos cálculos dos especialistas, nos próximos 15, terá o número de exemplares reduzido em quase 50%.
Em uma questão, pescadores e ambientalistas concordam: as barragens são a principal ameaça.
- É preciso uma mudança radical nos planos de construção de barramentos hidrelétricos na bacia do Uruguai. Do contrário, o peixe tenderá a continuar na lista, inviabilizando a pesca e causando prejuízos sociais, econômicos e ambientais - pondera Glayson Bencke, coordenador do processo de revisão da lista de ameaçados.
Sapo de Arvorezinha se safou por pouco
A não publicação da lista atualizada deixa 129 espécies à margem das leis que, ao menos na teoria, deveriam protegê-las. Na prática, significa que licenciamentos ambientais de obras - que precisam considerar a relação oficial da fauna ameaçada da região - e as multas aplicadas a quem praticar algum crime ambiental contra esses bichos estão ocorrendo considerando dados defasados, da listagem publicada 12 anos atrás.
No ano passado, ambientalistas da ONG Instituto Curicaca e pesquisadores encabeçaram uma batalha para salvar o sapinho-de-barriga-vermelha, que vive em uma área de 700 metros, em Arvorezinha, no Vale do Taquari. O local seria impactado pela construção de uma usina hidrelétrica. Como o anfíbio não está na lista vigente, não contava com legislação que o protegesse como espécie ameaçada. Só depois da interferência de ambientalistas que o licenciamento do projeto foi suspenso.
- Seria uma situação muito grave, porque essa espécie só é encontrada naquele ponto do mundo - diz Alexandre Krob, coordenador técnico do
Instituto Curicaca.
O diretor-geral de Meio Ambiente do Estado, Luís Fernando Perelló, garante que nos processos de licenciamento ambiental há um cuidado rigoroso com as espécies ameaçadas. E que são feitas exigências para a defesa da fauna.
- O que cabe ao Estado é buscar mecanismos que atenuem esses impactos (das obras) - disse.
Cansado de esperar, o Instituto Curicaca fez um abaixo-assinado para que a lista atualizada dos animais em extinção no Estado seja publicada imediatamente. A coleta de assinaturas começou na Semana do Meio Ambiente, em junho, e conta com mais de mil apoiadores. O documento será entregue ao governo nos próximos dias.
Barragens dificultam reprodução
Na nova lista, o dourado, cientificamente batizado Salminus brasiliensis, segue vulnerável ao desaparecimento na bacia do Rio Uruguai. Mas, na bacia da Laguna dos Patos, a espécie subiu um grau na escala de advertência e é considerada "em perigo" de sumir. Como na bacia da lagoa os barramentos informais - possivelmente construídos para a irrigação das lavouras de arroz, comuns na região - começaram a ser instalados na década de 1920, a situação é mais crítica.
Na bacia do Rio Uruguai, porém, se construção das usinas hidrelétricas de Garabi, Itapiranga e Panambi se concretizar, a perda de qualidade de hábitat do peixe pode tornar sua vulnerabilidade irreversível, segundo Marco Azevedo, responsável pelo setor de ictiologia - área da zoologia dedicada ao estudo dos peixes - da Fundação Zoobotânica (FZB).
O barramento de rios é o principal fator de risco para os peixes, especialmente os migradores como o dourado (veja no gráfico). Isso por que 18% da área original de distribuição do dourado na bacia do Uruguai já foi perdida. As usinas poderiam aumentar o percentual para até 47%, de acordo com as pesquisas FZB. Azevedo afirma que nenhum mecanismo de transposição conhecido até agora, como escadas e eclusas, mostrou-se suficientemente eficaz para permitir o fluxo das populações e a continuidade das migrações, fundamentais para a reprodução.
Entenda o ciclo do dourado e, na coluna da direita, o percentual de animais ameaçados de extinção por grupos: