Quer se trate de dar uma tacada em uma bola de golfe, de tocar piano ou de falar uma língua estrangeira, tornar-se realmente bom em alguma coisa requer prática. A repetição forma vias neurais no cérebro, de modo que o comportamento eventualmente se torna mais automático,e distrações externas causam menos impacto. É a isso que se chama entrar em alfa.
E se pudéssemos estabelecer as vias neurais que levam ao virtuosismo mais rapidamente? É isso que promete a estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC) - a passagem de uma corrente elétrica de nível muito baixo por áreas específicas do cérebro. Vários estudos realizados em ambientes médicos e militares indicam que a ETCC pode trazer melhorias na função cognitiva, em habilidades motoras e no humor.
Alguns especialistas sugerem que a ETCC pode ser útil na reabilitação de pacientes que sofrem de distúrbios neurológicos e psicológicos, talvez até mesmo na redução do tempo e dos gastos com o treino de pessoas saudáveis para dominar uma habilidade. Entretanto, a pesquisa é preliminar e, agora, há uma preocupação com uma comunidade de pessoas, muitas delas jogadores de videogame, que estão criando dispositivos de ETCC por conta própria com baterias de nove volts, basicamente como se fossem chaves de ignição cerebral.
- Se a ETCC for poderosa o suficiente para trazer benefícios, temos de nos perguntar se ela também pode ser nociva - diz o Dr. H. Branch Coslett, chefe da seção de neurologia cognitiva da Escola de Medicina da Universidade da Pensilvânia e coautor de estudos que mostram que a ETCC melhora a memorização de nomes próprios, promove a criatividade e melhora o rendimento na leitura.
Mesmo as unidades de ETCC utilizadas em pesquisas costumam ter pouco mais do que uma bateria de nove volts com dois eletrodos e um controlador para ajustar a corrente e a duração da sessão. Vários vídeos do YouTube mostram como produzir uma cópia simples.
- Estou estimulando meus lobos parietais porque conheci pesquisas que dizem que isso aumenta as habilidades matemáticas - diz um usuário em um desses vídeos, no qual ele aparece com os fios de um dispositivo caseiro de ETCC brotando da cabeça. O vídeo termina com ele alegando ter melhorado sua pontuação em um jogo de matemática on-line, embora relate se sentir um pouco "vacilante" após remover os eletrodos.
Outros que estão em busca de alguma vantagem cognitiva estão comprando às pressas uma versão pré-fabricada chamada Foc.us, que custa US$ 249. Espécie de faixa de cabeça de aspecto futurista, com eletrodos do tamanho de um botão, o Foc.us não tem aprovação da Administração de Alimentos e Medicamentos, e o fabricante, com sede em Londres, não faz quaisquer alegações médicas. No entanto, os fãs que postam no fórum da ETCC no Reddit argumentam que o dispositivo melhora o tempo de reação, o humor, a capacidade computacional e a memória.
Disponível on-line desde maio, as três mil unidades da primeira versão do aparelho se esgotaram em menos de um mês.
- A resposta foi impressionante - disse Michael Oxley, engenheiro mecânico que é fundador e presidente da empresa.
Acredita-se que a estimulação elétrica de baixo nível faça com que os neurônios se ativem mais rapidamente, preparando o cérebro para aprender e reter informações. Ao transmitir 0,1 por cento da carga usada na terapia de eletrochoque - que na verdade força os neurônios a se ativarem em massa -, a ETCC geralmente é considerada segura em ambientes clínicos.
Nos Estados Unidos, cerca de 30 clínicas oferecem a estimulação como forma de tratar de vários distúrbios cerebrais e neurológicos, normalmente no contexto de pesquisas. Os efeitos colaterais mais comuns são a coceira e a vermelhidão na área onde são aplicados os eletrodos. Ainda assim, os pesquisadores especializados no cérebro alertam que as pessoas que fazem experimentos com dispositivos caseiros ou com o Foc.us correm o risco de sofrer lesões.
Há poucos dados sobre o uso em longo prazo da ETCC, e alguns especialistas temem que, além de graves queimaduras na superfície corporal, as pessoas que estimulam os neurônios por meio deste método por conta própria podem lesionar permanentemente o cérebro, prejudicando a função cognitiva e motora de maneiras sutis e talvez não tão sutis.
- O que me deixa muito apreensivo quanto ao Foc.us e aos dispositivos caseiros de ETCC é a intensidade e a duração da corrente elétrica que as pessoas estão utilizando - disse o Dr. Michael Weisend, neurocientista cognitivo do Instituto Estadual de Pesquisa Wright em Beaver Creek, Ohio, que conduz pesquisas sobre a ETCC para a Agência de Projetos Avançados de Pesquisa de Defesa e da Força Aérea. - Não temos nenhum dado sobre o uso em longo prazo desses aparelhos no cérebro de pessoas, e eu tenho cicatrizes que provam que podemos ficar com queimaduras graves por causa do uso de dispositivos de ETCC.
No laboratório, os pesquisadores têm tido o cuidado de posicionar os eletrodos com precisão para estimular regiões cerebrais específicas. Os usuários domésticos são mais propensos à simples adivinhação, dando uma olhada rápida em um livro de anatomia. E os experimentos das pesquisas geralmente incluem instruções sobre como executar as tarefas.
- Não se trata de uma espécie de magia negra - disse o Dr. Roi Cohen Kadosh, neuropsicólogo e coautor do estudo da Universidade de Oxford. - A ETCC tem de ser conjugada com o treinamento cognitivo adequado.
Kadosh também chamou atenção para o fato de que intensificar eletricamente a atividade de uma área do cérebro pode prejudicar a função de outra parte.
- O que nós descobrimos é que a capacidade cerebral é como um cobertor - disse ele. - Quando nós a puxamos para um lado, o outro fica descoberto.
Como os estudos têm mostrado que a ETCC pode ser útil no tratamento de pessoas debilitadas por acidentes vasculares cerebrais, mal de Parkinson, depressão e transtorno obsessivo-compulsivo, os médicos temem que, além de pessoas saudáveis competitivas, pessoas gravemente comprometidas possam se sentir tentadas a experimentar a estimulação cerebral em casa.
- A literatura sobre a ETCC é cada vez maior, mas ainda há muito a aprender - disse Sarah Lisanby, psiquiatra e diretora da divisão de estimulação cerebral e neurofisiologia na Escola de Medicina da Universidade Duke, em Durham, Carolina do Norte.
- As pessoas não devem se sentir tentados a adquirir dispositivos que podem ser encomendados on-line - disse ela, nem a comprar dispositivos de ETCC para utilizar por conta própria, não importa quantas vezes elas se deram mal jogando Halo.