Cerca de 16 horas depois da fertilização, aparecem uns olhos tímidos e uma pretensão de cauda. Em três dias, o embrião está mais ativo do que um ser humano nascido, produto de 38 semanas de ventre. Três meses, e temos um adulto. Essa pressa toda está prevista em um código genético já mapeado e calculado em 71% similar ao nosso. Falamos de um peixe minúsculo.
- É uma lição de humildade - diz a professora da PUCRS Mônica Ryff Moreira Roca Vianna, repetindo o ensinamento que costuma estender aos alunos de Biologia do Desenvolvimento, antes de emendar um número "ainda mais importante": 85% dos genes associados a doenças humanas estão no zebrafish (Danio rerio).
- A justificativa é evolutiva: somos vertebrados, viemos de um ancestral comum que deu origem a peixes, a outros grupos e a um ramo do qual derivam os mamíferos - explica.
O zebrafish passou milênios inteiros nos sudestes do Himalaia, nadando nos afluentes do Rio Ganges, sendo muito parecido conosco sem que ninguém desse conta. Nos anos 1960, um pesquisador americano voltou da Índia com peixes na bagagem, e duas décadas depois o animal passava a ser mais amplamente estudado. Na virada do século, a professora Carla Bonan bancava a ideia de trazer o zebrafish para a PUCRS. Hoje, ela é reconhecida como pioneira no estudo do animal no Brasil, e o biotério da universidade, o maior do país, é referência internacional.
VÍDEO: as primeiras 24 horas de desenvolvimento do zebrafish
Apelidado "paulistinha" pelas mesmas tiras negras que lhe renderam alcunha bianimal no inglês, o zebrafish custa muito menos que um camundongo e, em seu pequeno ciclo de formação embrionária, é transparente. Esse desenvolvimento veloz e "camuflado" ajuda a explicar a sobrevivência da espécie em águas rasas, calmas e diáfanas, onde a predação é intensa. No laboratório, onde intensa é a pesquisa, tem-se - a olho nu, a pouco preço e a pouco prazo - um reality show da formação da vida.
Além disso, basta colocar uma droga na água para expor o zebrafish a seus efeitos. Com três dias de vida, ele já pode ser submetido a testes, afirma Carla, que começou usando o peixe como bioindicador de contaminação aquática - demonstrando, por exemplo, os efeitos nocivos dos agrotóxicos. Os estudos avançaram para a farmacologia voltada a questões comportamentais: algo naqueles 71% de parentesco faz com que o zebrafish seja, também, um bicho social. Assim, ele se tornou ferramenta para o estudo de enfermidades psiquiátricas e neurodegenerativas, como depressão, amnésia, Parkinson e Alzheimer.
- O repertório comportamental do zebrafish é bem variado, e conseguimos reproduzir nele várias características de roedores e humanos, medindo ansiedade, estresse, aprendizagem e interação social - diz Carla.
A sociabilidade também é usada a favor da procriação: ao tardar do dia, são isolados dois machos em um aquário dividido ao meio por uma placa transparente. Do outro lado, uma fêmea passa a noite escolhendo com qual dos dois peixes acasalar. A técnica garante que, acesas as luzes e retirada a placa, ocorra um namoro fértil. Serão centenas de descendentes que não ficarão no aperto: é preservado, sempre, um volume mínimo de 3 litros de água para cada animal.
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CONSELHO DE ÉTICA
Na última sexta-feira, ativistas invadiram o Instituto Royal, em São Roque (SP), e libertaram 178 beagles, pregando métodos substitutivos na pesquisa: saem os bichos, entram a matemática e os computadores. Mônica confirma que a tecnologia tem reformado a rotina dos laboratórios, reduzindo o número de cobaias.
- Há recursos interessantes, e é nossa função, como educadores, discutir isso com os alunos. Aqui, praticamente abolimos o uso de animais no ensino - afirma a professora.
Uma tese de doutorado agora quer usar o zebrafish para estudar o autismo. O trabalho está em avaliação pela Comissão de Ética no Uso de Animais (Ceua) da PUCRS. Sancionada em 2008, a Lei Arouca exigiu a criação de Ceuas em instituições de ensino e pesquisa. Mônica, que integra a direção da Ceua, ressalta a dificuldade de tratar do assunto com a sociedade.
- Imaginam práticas da década de 1920, 1930, que hoje jamais seriam permitidas. Numa instituição como a nossa, todos os protocolos de pesquisa são cuidados e avaliados, seguindo parâmetros internacionais e com o acompanhamento de veterinários. Na comissão, é obrigatória a presença de membros da sociedade e de uma ONG de defesa dos animais.
A pesquisadora lembra que "a primeira coisa que uma pessoa faz quando adota um cachorro de rua é levá-lo a um veterinário para ter certeza de que ele está bem".
- Por trás desse processo, que envolve remediar e vacinar, há diversos animais que foram usados para garantir o bem-estar daquele cão - assinala, observando que um experimento só acontece quando é justificado e segue os princípios de refinamento dos métodos, redução do número de animais usados e substituição deles por métodos alternativos.
Com mais de 5 mil peixes entre os aquários do laboratório e do subsolo do Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS, as professoras agora trabalham na ampliação do biotério, com vistas a suprir uma demanda nacional. Integrante da diretoria da Rede Latinoamericana de Zebrafish (Lazen), Mônica comemora:
- Há uma curva exponencial nas publicações: o zebrafish é cada vez mais usado e reconhecido.