Um grupo internacional de astrônomos liderados por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) identificou na constelação de Capricórnio a mais velha estrela gêmea do Sol já conhecida: a HIP 102152. Além de dar pistas sobre como a nossa estrela vai ficar quando envelhecer, o trabalho mostrou que há uma forte correlação entre o teor de lítio existente nesse tipo de astro e sua idade, ajudando a solucionar um velho mistério da astronomia.
A HIP 102152 está situada a 250 anos-luz da Terra e tem idade estimada em 8,2 bilhões de anos - quase o dobro do Sol, que tem 4,6 bilhões de anos. Para observá-la, a equipe - que conta com cientistas dos Estados Unidos, da Austrália, da Alemanha, do Reino Unido e de Portugal, além dos brasileiros - utilizou o Very Large Telescope (VLT), do Observatório Europeu do Sul (ESO), localizado no norte do Chile.
Parte do trabalho foi realizada durante o pós-doutorado de TalaWanda Rose Monroe, no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp). Os resultados já estão disponíveis na versão on-line da revista Astrophysical Journal Letters.
- Como a existência humana é curta demais para estudar a evolução do Sol, uma das formas de fazer isso é observar estrelas similares em diferentes fases de evolução. Esta estrela HIP 102152 nos dá uma oportunidade sem precedentes de saber como o Sol será daqui a 4 bilhões de anos - disse Monroe, em entrevista coletiva na quarta-feira.
A pesquisadora explicou que as gêmeas solares são estrelas muito raras, que possuem massa, gravidade, temperatura e composição química muito semelhantes às do Sol. Para analisar as propriedades da HIP 102152 e de outra gêmea solar mais jovem - a 18 Scorpii, cuja idade foi estimada em 2,9 bilhões de anos -, a equipe usou o espectrógrafo UVES, que pertence ao ESO.
- A espectroscopia é uma técnica poderosa que permite quebrar a luz da estrela nas diversas cores que a compõem. Isso nos permite observar com detalhes os elementos químicos que estão presentes na atmosfera estelar, assim como inferir sua massa, idade e metalicidade - explicou Monroe.
Segundo Jorge Luis Meléndez Moreno, que supervisionou a pesquisa, o resultado das análises revela que, assim como o Sol, a HIP 102152 tem uma composição química que permite a formação de planetas rochosos em torno dela.
- Pesquisas anteriores mostraram que no Sol, quando comparado a estrelas similares, há deficiência de elementos químicos que são abundantes em meteoritos, asteroides e em planetas rochosos como a Terra, Marte e Mercúrio. Esse material faltante no Sol provavelmente foi empregado na formação dos planetas terrestres do nosso sistema solar. Como a HIP 102152 tem esse mesmo padrão de deficiência de elementos, há forte possibilidade de ela ter também originado planetas como a Terra - explicou Meléndez.
De acordo com o pesquisador, desde 2011 pesquisas vêm sendo conduzidas no Observatório Europeu Austral em busca desses planetas rochosos, mas nenhum foi encontrado até o momento orbitando a HIP 102152.
- Isso é bom, pois os planetas mais fáceis de serem encontrados são os gigantes gasosos, como Júpiter. E, se um planeta desse tipo existisse nas regiões mais internas da órbita da estrela, a chamada zona habitável, ele desestabilizaria completamente a órbita de um provável planeta rochoso - disse Meléndez.
No entanto, ponderou o pesquisador, encontrar planetas rochosos com massa tão pequena quanto à da Terra não seria possível com os equipamentos hoje existentes.
- Vamos continuar procurando esses planetas até 2015, mas conseguiremos apenas detectar superterras, ou seja, planetas com massa cinco ou dez vezes maior que a nossa. Mas também pretendemos procurar gêmeos da Terra no futuro, com o auxílio de novos instrumentos mais precisos que estão sendo desenvolvidos no ESO, caso a entrada do Brasil no Observatório seja confirmada pelo congresso - contou.
Mistério solucionado
O estudo coordenado por Monroe também ajudou a compreender um antigo mistério que intriga os astrônomos há cerca de 60 anos: por que algumas estrelas têm teores maiores de lítio que outras e, principalmente, por que o teor de lítio do Sol é tão menor que a maioria das gêmeas solares já detectadas.
- O estudo de meteoritos revelou que a quantidade de lítio presente no Sol quando o Sistema Solar estava em formação era cerca de 160 vezes maior. Ninguém sabia explicar ao certo o que tinha acontecido com esse elemento. É um mistério na teoria clássica de evolução estelar - disse Meléndez.
Na HIP 102152, por outro lado, o volume de lítio encontrado foi ainda menor que o do Sol. Já a 18 Scorpii, mais jovem, apresentou teores mais altos que os da nossa estrela. De acordo com a equipe da USP, esses resultados indicam que, à medida que a estrela envelhece, o teor de lítio diminui.
A primeira gêmea solar foi encontrada em 1997 e, desde então, poucas outras estrelas do gênero foram identificadas.