A meados dos anos 1990, quando as câmeras digitais começavam a querer caber no bolso do "grande público", Renato Grimm se enveredava em banhados a cerca de 200 km de Porto Alegre e esperava, imóvel, detrás de um tripé, o instante decisivo, a hora certa de abrir o olho do obturador, o bendito momento em que uma ave arisca deixaria o esconderijo da vegetação rasa e se ofereceria ao sensor da máquina analógica.
Na próxima quarta-feira, fotografável por qualquer telefone celular, Grimm lança na Livraria Cultura do Bourbon Country, com direito a exposição de fotos, o livro Santuário das Aves, resultado de 17 anos de visitas ao Parque Nacional da Lagoa do Peixe. Das 227 espécies de aves registradas no local, ele fotografou 147 em detalhes sem precedentes, incluindo exemplares oriundos de regiões distantes (da Terra do Fogo ao Alaska), animais endêmicos do pampa e ameaçados de extinção. São 200 fotos distribuídas em 232 páginas em que disputam os valores estéticos e os científicos, garantidos pela assistência do biólogo Rafael Antunes Dias, da UCPel, que acompanha Grimm há cerca de cinco anos.
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- Sou mais fotógrafo, jornalista, não tenho o conhecimento dos cantos. Com os biólogos, é diferente: o bicho cantou no mato, eles sabem qual é, inclusive os nomes científico e em inglês - ressalta Grimm, que, mesmo admitindo já ter pensado em estudar Biologia, não perde a chance de reafirmar a paixão pelo ofício que escolheu - Eu gosto mesmo é de estar em campo fotografando, buscando sempre uma imagem melhor.
A dobradinha com Rafael Dias permitiu a Grimm registrar a imagem de aves raras, como a sanã-cinza, que habita os litorais do nordeste da Argentina, do Uruguai e do sul do Brasil. Escondida no interior da vegetação densa das marismas, a sanã-cinza havia sido registrada apenas na Lagoa do Peixe e no estuário da Lagoa dos Patos, em Rio Grande e São José do Norte. Para fotografá-la, Grimm precisou recorrer à emissão de sons gravados.
- Há espécies que não saem do meio do mato, do capim, e das quais só consegui fotos nos últimos dois anos, com o uso do playback. Elas imaginam que há um invasor da área delas, e o playback faz com que muitas fiquem curiosas para saber quem está invadindo esse espaço. Muita gente já tentou fotografar a sanã-cinza na Lagoa do Peixe. Ela fica muito escondida, na vegetação à beira da lagoa, onde a água é salobra, e não se expõe à vontade - explica o fotógrafo, lembrando também do registro de um maçarico-do-papo-vermelho ilhado que, segundo Dias, havia voado mais de 200 mil km, migrando do Canadá para o Brasil e o sul da Argentina, sempre perseguindo o verão.
Grimm começou a fotografar com 18 anos, "por diversão", com a máquina do pai. Prestou quatro vestibulares para agronomia, passou em administração de empresas e, em um ano, estava de malas prontas rumo ao jornalismo. Cursos em Nova York refinaram o olhar, e a vontade de viajar foi o empurrão que faltava para a dedicação completa à fotografia de natureza. A quem quiser seguir o mesmo caminho, além de empenho para vencer o mercado "pequeno e difícil" ("outro dia um amigo me perguntou como eu consigo viver"), ele recomenda paciência.
- Acaba sendo um trabalho solitário, de muita paciência. É preciso sempre tentar fotos melhores, insistir muito. Esperar o fim de tarde e aproveitar a luz da manhã. Há muita busca para saber como o animal funciona também. Às vezes são muito ariscos, e você tem de ficar camuflado, deitado no chão, deixar que eles se aproximem. Tem que ler bastante, experimentar, sair a campo, procurar a ajuda de biólogos e conhecimentos que outras pessoas possam agregar. Às vezes, o equipamento não é tão importante. Claro que sempre vai ajudar, mas isso é um caminho que você vai trilhando aos poucos. Cada vez você quer chegar mais perto. Ao menos, essa é a minha busca: tentar mostrar uma página bem fechada, apresentar os detalhes das aves - diz Grimm.
Atraído ao Parque Nacional Lagoa do Peixe para um acampamento entre amigos, Grimm passou a voltar numa média de três vezes ao ano.
- A maneira de você conseguir material bom é insistindo no lugar e em várias aves, até você ter algo que possa publicar. A minha tentativa foi a de cobrir o maior número de aves possível. São aves que necessitam dessa parte do litoral para se alimentar, e fotografá-las é a minha paixão - afirma o autor de Santuário de Aves, que diz ter encontrado na profissão um portal para o reencontro com suas "lembranças de guri" no interior de Ijuí.
Os planos de Grimm para depois do lançamento do livro são coerentes com seus conselhos de persistência: os 17 anos de trabalho com as aves da Lagoa do Peixe não devem parar por aqui, e pode ser que não demore muito até que as aves do Pantanal ganhem, também, o seu álbum.