“Cheese? And olive oil?” O vendedor Erick Morgenstern confessa que as palavras saíram com dificuldade no início, mas foram suficientes para garantir a venda a um cliente estrangeiro que buscava queijo e azeite. Funcionário de uma banca no Mercado Público de Porto Alegre, ele está desvendando os segredos da língua inglesa a partir de projeto criado por estudantes de Ensino Médio de uma escola da Capital. Voluntários que têm maior contato com o idioma dão aulas gratuitas a quem deseja aprender.
O projeto English For Beginners (EFB) foi criado em setembro do ano passado, mas as aulas tiveram início no primeiro semestre de 2021. A iniciativa partiu dos estudantes Gabriel Thiessen, 18 anos, e Thomas Trevisan, 17 — ambos do terceiro ano do Ensino Médio do Colégio Farroupilha, na Capital. Eles têm domínio do inglês, inclusive com certificações, e queriam fazer algo para passar esse conhecimento para quem não tinha condições de pagar.
— Eu tive contato com a língua inglesa desde pequeno. E sempre quis dar aula voluntária de alguma coisa. Quando veio a pandemia, surgiu essa questão de utilizar Zoom e Meet, e aos poucos, a gente percebeu que poderia fazer algo — destacou Gabriel.
Foram aproximadamente quatro meses de preparação. Os jovens criaram conteúdos disponibilizados na plataforma Google Docs, ensinando o vocabulário básico, como os nomes das cores, dos números, de animais, alimentos e esportes. Além disso, uma pequena apostila foi desenvolvida por eles e pode ser acessada gratuitamente. Tudo foi compilado e disponibilizado em um site produzido pelos dois jovens, que, ao terminar o Ensino Médio, pretendem estudar ciência da computação.
O primeiro semestre de aulas contou com 22 alunos. Os encontros ocorrem uma vez por semana, por meio das plataformas de vídeo, e duram 50 minutos. Para dar conta de um número alto de alunos, os idealizadores angariaram 20 voluntários, o que resultou em um para cada inscrito. Assim, conseguem dar conta das atividades escolares e da preparação para ingresso na faculdade, sem perder de vista o curso criado.
— A gente conseguiu voluntários do nosso círculo de amigos. Conversamos com eles e verificamos quem poderia entrar no projeto. Depois, abrimos as inscrições no site e nas redes sociais. Estamos aceitando voluntários e alunos ainda — destacou Thomas. O segundo semestre de aulas deve começar no final de agosto, e a projeção é ter pelo menos 30 voluntários para atender 30 alunos.
Sonho de aprender inglês
Lembram do Erick, lá do início da reportagem, que trabalha no Mercado Público? Pois bem, ele sempre teve o sonho de aprender inglês, mas, na escola estadual em que estudou, praticamente não conseguiu se desenvolver. Também nunca foi possível se manter em um curso.
Morador de Alvorada, Erick tem 30 anos, é casado e tem um filho pequeno. O salário é suficiente para prover a família, mas o impediria de fazer cursos tradicionais de inglês. Foi no início deste ano que a chance de estudar surgiu novamente.
— Um advogado chegou aqui para comprar produtos. A gente começou a conversar e ele me comentou de uns estudantes fazendo esse projeto. Eu fui atrás e me inscrevi. Consegui a vaga e logo depois comecei as aulas — disse.
Apesar de estar longe de dominar a língua inglesa, Erick já tem história para contar.
— Um cliente americano veio aqui sem saber falar nada de português. Aí eu entendi que ele falou "cheese" (queijo) e "olive oil" (azeite de oliva). E eu fiz a venda. Ele ainda perguntou onde tinha cachaça para vender. E eu disse “go, turn left and, in the end, turn right” (vá, dobre à esquerda, e, no final, dobre à direita). Foi amador, mas a gente se divertiu — comentou o vendedor. — Minutos depois, ele (o americano) passou sorrindo por aqui com a garrafa e me agradeceu — celebrou o vendedor, que ainda sonha em levar a família para conhecer os Estados Unidos.
Segundo os idealizadores do projeto, à medida em que as aulas vão ocorrendo, as pessoas perguntam coisas do seu cotidiano ou que podem auxiliar no mercado de trabalho.
— Elas perguntam muita coisa sobre o dia a dia. O fato de ser uma aula com um único aluno facilita isso para nós e para eles — completou Gabriel.
Além das divisas
Como todas as atividades são desenvolvidas em ambiente digital, não há limites ou fronteiras que possam impedir que um professor possa ajudar pessoas em qualquer ponto do Rio Grande do Sul e do mundo. Com isso, o projeto despertou interesse em pessoas de outros locais. Uma delas é a Andréia Nogueira, técnica de enfermagem, de 26 anos. Ela mora em Manaus, no Estado do Amazonas. Apesar dos mais de 4,7 mil quilômetros de distância entre a capital gaúcha e a amazonense, o interesse em aprender inglês e a tecnologia a fizeram encontrar o projeto.
— E fui entrando em sites e páginas de Instagram que davam dicas de inglês. Achei esses meninos e me inscrevi porque era gratuito — destacou ela, que recebe aulas de um voluntário que vive em Porto Alegre.
A experiência foi tão positiva que Andréia vai alçar voos mais altos. Depois de ter aulas online, o aprendizado a inspirou a buscar ainda mais conhecimento. A técnica de enfermagem se inscreveu em uma faculdade para estudar Letras-Língua Inglesa.
— Quem sabe no futuro eu possa ajudar o projeto, como eles me inspiraram agora. É fantástico que tenha pessoas doando seu tempo para, de graça, nos dar aulas básicas de inglês — comentou.
Os jovens idealizadores do projeto destacam que o intercâmbio de informações com pessoas de outros núcleos é bom porque eles aprendem sobre outras profissões e culturas, além de proverem conhecimento a quem nem sempre tem condições financeiras para pagar um curso.
— Tem gente que nunca teve condições financeiras. A gente quer abordar todos os públicos. A gente aprende com eles e eles aprendem conosco — destacou Thomas.
Conforme os estudantes, as inscrições se encerram em 18 de agosto, e as vagas são limitadas. Para saber mais, os interessados devem acessar este site: https://www.englishforbeginners.com.br/.