Na manhã desta sexta-feira (20), a diarista Viviane Paiva da Silva, 22 anos, chorava ao relatar a situação em que a pandemia de coronavírus deixou sua família. Ela e o marido, Tiago de Matos, 30 anos, são trabalhadores informais que não conseguem mais serviço por causa do pânico gerado pela chegada da covid-19. Ao meio-dia, Viviane não sabia como alimentar os dois filhos, um menino de sete anos e uma menina de cinco anos.
— Quase ninguém me procura. Estou desesperada com essa crise. Meu marido perdeu o serviço. Eu não tenho um grão de arroz para dar aos meus filhos hoje. Eles estão com fome,e não tenho de onde tirar. E ainda tem o aluguel. Estou desesperada — afirmou.
Moradora de São Leopoldo, Viviane tinha duas clientes fixas por semana e cobrava R$ 50 por faxina. Uma das clientes é idosa e, por estar em grupo de risco, cancelou as faxinas. A outra está isolada em casa e avisou que não precisava da limpeza por enquanto. O marido é servente de obras. Em geral, não fica mais de três dias sem arranjar algum trabalho, mas já não encontra colocação há três semanas. Nesta sexta, andava pelas ruas, oferecendo-se para fazer capinas ou qualquer outro biscate. Os R$ 160 do Bolsa-Família já se esfumaram.
— Na verdade, estou devendo até as goelas no bar — contou Viviane.
Na quarta-feira, em entrevista coletiva com presença do presidente Jair Bolsonaro, o governo federal anunciou que vai socorrer os informais com um valor mensal de R$ 200, mas ainda não está claro como e quando isso vai acontecer. A informação inicial é que o benefício — já batizado informalmente de coronavoucher — duraria três meses e custaria R$ 15 bilhões aos cofres públicos. No entanto, quem já recebe o Benefício de Prestação Continuada (para idosos e deficientes em situação de miséria) e o Bolsa-Família (como a diarista Viviane) estariam excluídos.
— Hoje existem 38 milhões de brasileiros nas praias vendendo mate, vendendo cocada na rua, sem emprego formal, entregando coisas, ou sendo flanelinhas. Esses trabalhadores informais estão no cadastro único, não estão no Bolsa Família, nem no BPC. É uma turma valente que está sobrevivendo sem ajuda do Estado. Vamos garantir pelo menos recursos para a manutenção básica durante a crise —disse o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Guedes também afirmou que o dinheiro poderá ser retirado na Caixa Econômica Federal, nas agências do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou por meio de um aplicativo, por quem queira evitar contato físico. O funcionário verificará se a pessoa está no cadastro único. Os R$ 15 bilhões viriam do espaço fiscal a ser aberto no Orçamento Geral da União pelo decreto de estado de calamidade pública, que elimina a necessidade de cumprimento da meta fiscal deste ano.
Nos últimos dias, GaúchaZH enviou ao Ministério da Economia vários questionamentos sobre como funcionaria o coronavoucher, quem exatamente teria direito e a partir de quando seriam efetuados os pagamentos, mas a resposta não avançou em esclarecimentos sobre esses pontos. "Conforme anunciado em entrevista coletiva, está previsto que o valor do voucher será de R$ 200, com vigência de 90 dias e custo estimado em R$ 15 bilhões. O objetivo da medida é fechar o ciclo de pessoas no Brasil que precisam de benefícios nesse momento de crise, de modo que nenhum brasileiro fique desguarnecido. A definição das demais questões depende da proposta legislativa que será encaminhada ao Poder Legislativo", afirmou o ministério.
Flávio Fligenspan, professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), defende que o socorro aos informais deveria ser oferecido em caráter urgentíssimo, porque essas pessoas vivem do que obtêm no dia a dia. Ele lembra que, em situações normais, esses trabalhadores já são os mais vulneráveis, sem direito a seguro-desemprego, sem abonos, sem férias e sem fundo de garantia. Num momento em que toda a sociedade enfrenta uma crise sem precedentes, porém, eles sofrem de forma mais violenta e ficam mais fragilizados ainda.
— Se a sociedade está funcionando normalmente, ainda pode dar algum resguardo. Mas na situação atual, os clientes deles desaparecem. Eles não são sequer reconhecidos pelo Estado, não há registro dessas pessoas. É uma situação dramática.
O economista também entende que o valor estabelecido para o coronavoucher, de R$ 200 reais, é muito baixo, equivalendo, por exemplo, ao faturamento de apenas alguns dias de uma diarista ou de um motorista de aplicativo. Alerta que os beneficiários do Bolsa-Família não deveriam ser excluídos da ajuda, porque para muitos deles essa é apenas uma renda marginal e auxiliar, e o principal provento vem de serviços fornecidos na informalidade.
— Deveríamos apoiar muito mais essas pessoas quando atravessamos uma súper emergência, como nunca vimos igual. Tem de apoiar irrestritamente, esquecendo os dogmas liberais — opina.
Segundo os dados apresentados por Paulo Guedes, os informais seriam cerca de 38 milhões. Fligenspan fez um levantamento dos números de novembro da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e chegou a 41 milhões — três milhões a mais do que apenas cinco anos atrás e 43% de toda a população ocupada. Com os R$ 15 bilhões anunciados pelo governo para cobrir três meses, daria para pagar R$ 200 mensais a 25 milhões de pessoas.
Viviane Paiva da Silva torce para estar entre os contemplados:
— Como a situação está hoje, qualquer coisa ajudaria.