Para muitos jovens que farão o Enem, o resultado do exame serve como instrumento na disputa de uma vaga em universidade. O caráter competitivo, além de testar os conhecimentos, representa um desafio emocional. Nesta entrevista, o psicólogo José Ricardo Kreutz fala sobre a importância de o candidato fazer a gestão do processo de estudo e de encarar a aprendizagem como crescimento pessoal.
Como o jovem enfrenta um exame eliminatório, em que não basta "ir bem", precisa "ir melhor" do que outros?
Alguns jovens têm mais envergadura para suportar pressões e lidar com seus limites, mas, para outros, avaliações desse tipo causam sofrimento. Isso ocorre ao se concentrar energia no teste em si, e não no processo de aprender, que deveria ser o foco. O formato social capitalista em que vivemos torna as pessoas muito mais competitivas do que colaborativas. E o ambiente escolar reproduz essa lógica: os conteúdos são como tarefas a serem cumpridas, via de regra, de forma individual, e não coletiva. Portanto, o Enem e o vestibular refletem como a nossa sociedade opera na educação e no trabalho, refletem o próprio comportamento social.
Como o candidato pode manter a saúde emocional?
É importante se alimentar bem, praticar exercícios físicos, conviver coletivamente, compartilhar afetos e desafetos sobre a vida e o ato de aprender. É um desserviço para a saúde emocional mencionar constantemente o caráter competitivo do exame. As pessoas próximas do candidato devem priorizar uma abordagem amorosa e colaborativa: dar afeto e cuidado, conversar, estimular a coletividade, a amizade presencial e não apenas virtual. É fundamental partilhar as angústias com os pares, pois a gente só se reconhece pelo outro. A saúde emocional é diretamente proporcional à capacidade de dividir a pressão com família, amigos, professores e outros estudantes.
A família influencia o ambiente de aprendizagem?
A família é fundamental. O candidato que sente de forma mais intensa a pressão da competição reflete, muitas vezes, o pensamento da família. Há famílias que transformam as avaliações em “provas de vida ou morte”. Um exagero! Já vi famílias cercarem professores em escolas fazendo uma pressão para saber que conteúdos cairiam na prova. Assustador. Daí, no dia da prova, a gente vê criança vomitando por não suportar a pressão. Elas não aprenderam a fazer a gestão do aprendizado, pois foram submetidas a uma tutela meio opressora, meio sufocante. Não podemos inverter a lógica e dar mais importância ao teste do que ao processo do estudante com o “aprender”. Com os meus filhos, eu não fico chateado se eles não forem bem na prova, mas fico se eles não fizerem o tema, não estudarem, não se comprometerem com o aprendizado e, sobretudo, se não forem críticos sobre o “próprio aprender”, sobre as relações que os constituem.
Qual é a melhor forma de aproveitar o pouco tempo que resta antes do exame?
Como dizia Renato Russo, “disciplina é liberdade”. E disciplina não é alguém mandar em você e, sim, cuidado de si mesmo, permitir que o corpo se organize, construa uma história no seu tempo de estudos. Nos “45 minutos do segundo tempo”, de nada adianta tentar aprender o que não se aprendeu em uma vida de estudante. O segredo é a autogestão do aprendizado, ter um cronograma detalhado e viável. Quando o estudante cumprir esse plano, pode se dar ao luxo de explorar um conhecimento que não domina. De toda forma, ele deve ter consciência do que já sabe, do que não está seguro e do que desconhece e vale a pena aprender. O velho truque de fazer cartazes com marcadores, legendas e rabiscos daquilo que avançou e daquilo que precisa avançar pode funcionar muito bem. Outra dica é formar clubes de estudos com amigos e colegas. A solidariedade pode vencer a ansiedade com a competição.
Há candidatos que têm um "branco" na hora da prova, outros se atrasam e perdem o exame. Como evitar que o fator emocional prejudique o estudante?
Esses candidatos possivelmente se sentem muito solitários e pressionados. O corpo é sábio nesses momentos e nos põe um freio, produz uma defesa, comunica que algo não está bem. É o que chamamos de “mecanismos de defesa do ego” na psicanálise. Sugiro que os candidatos que passaram por essas experiências façam um exercício de “escuta sensível” do seu corpo, busquem ajuda e, principalmente, não esqueçam que a vida não é apenas competição, mas, sim, colaboração e amizade.
Como evitar a frustração de não atingir a nota desejada?
A frustração é maior para quem está sozinho. Quando a energia está depositada em uma só pessoa, recai sobre ela a sensação de fracasso. Mas se o estudante compartilha essa energia com familiares e amigos, o ônus para a saúde emocional é menor. Ele tem condições de fazer a leitura social, institucional e histórica sobre a lógica competitiva e sobre a importância de administrar seu processo de aprender. Assim, a energia se volta para a história de aprendizado e a prova deixa de ter essa carga tão grande. O estudante pode perceber que a história valeu a pena, que o tornou uma pessoa melhor preparada para a próxima jornada.