Para fazer o máximo de pontuação na competência 2 da prova dissertativa do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), — compreender a proposta da redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa — não bastam boa argumentação e domínio de texto e linguagem.
Para obter 200 pontos, o aluno deve desenvolver o tema a partir de um “repertório sociocultural produtivo”, segundo a Cartilha do Participante do exame. Em comum a todos os textos destacados na publicação deste ano, estão citações de filósofos ou sociólogos, algo que não surpreendeu Dionathas Moreno Boenavides, professor do Fênix Vestibulares.
— É uma prova em que os conteúdos de filosofia e sociologia não são apenas teóricos e, sim, ferramentas de compreensão de assuntos atuais, tanto que o aluno consegue articular teorias clássicas com uma temática contemporânea — diz Boenavides.
Ele afirma que repertório significa algo mais abrangente do que essas duas disciplinas, mas acredita que o estudante que consegue se apropriar da teoria filosófica e sociológica tende a desenvolver a erudição escrita.
Para Michel de Souza Cruz, professor do Unificado, a escolha desses exemplos na Cartilha do Participante do Enem confirma a importância da filosofia e da sociologia tanto no Ensino Médio quanto no desenvolvimento autoral do aluno, um processo que passa pela assimilação das ideias desenvolvidas ao longo da história da cultura e do pensamento humano, em especial os autores clássicos contemporâneos.
O que deve prevalecer na escolha do sociólogo ou do filósofo a ser citado é a preferência e a identificação do estudante. Mas, questionados, os professores listam alguns nomes que contribuem para a formação de repertório.
Autores ajudam a entender o mundo
O pensador contemporâneo Jürgen Habermas é unanimidade entre Boenavides, Cruz e Evandro Machado Luciano, do Me Salva!. O alemão se tornou um “coringa” por suas formulações sobre esfera pública, diálogo e democracia, avalia Cruz. Ele cita, ainda, os franceses Michel Foucault, por suas ideias sobre relações de poder, e Émile Durkheim, cujo conceito de anomia social continua pertinente.
Immanuel Kant e os contratualistas Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rosseau fizeram abordagens sobre diversos temas, o que fornece riqueza de repertório, avalia Boenavides. Luciano cita também a norte-americana Judith Butler, por seus escritos sobre gênero, guerras e processos democráticos. Para Luciano e Cruz, é importante também conhecer a obra do polonês Zygmunt Bauman, autor da famosa metáfora da liquidez.
Conceitos e autores citados em 2018
Veja algumas referências usadas em redações sobre o tema "Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet"
- Ação comunicativa, segundo Jürgen Habermas
- Função do Estado, conforme Thomas Hobbes
- Pluralidade da condição humana, de acordo com Hannah Arendt
- Indústria Cultural, na definição de Theodor Adorno e Max Horkheimer
- Conceito de menoridade, elaborado por Immanuel Kant
- Reflexões de Zygmunt Bauman a respeito da internet
- Espaço de autonomia da internet, segundo Manuel Castells
- Identidades culturais na pós-modernidade, conforme Stuart Hall
- Vontade geral e decisão coletiva, de acordo com Jean-Jacques Rousseau
* Fonte: Cartilha do Participante do Enem 2019
Trabalho e debates éticos
Clássicos das duas áreas do conhecimento são fundamentais na prova, ao mesmo tempo em que a produção contemporânea pode estar presente.
Sociologia
A disciplina se apresenta na prova de duas formas: a abordagem dos teóricos clássicos Auguste Comte, Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber e a análise de dados contemporâneos sob a perspectiva sociológica, afirma Evandro Luciano, do Me Salva!.
— É importante estudar a intersecção entre sociologia e trabalho. Os autores retomados nessas discussões são Marx, Nicos Poulantzas e, fazendo o vínculo com a história, Edward Thompson — afirma.
Para Dionathas Moreno Boenavides, do Fênix, além de trabalho e movimentos sociais, pode-se esperar questões a respeito de como os movimentos tecnológicos e o domínio do homem sobre a natureza foram modificando o modo de trabalho.
Segundo Michel de Souza Cruz, do Unificado, é frequente que haja questões sobre sociologia crítica, análises da sociedade industrial moderna e problemas brasileiros, como desigualdade social, racial e de gênero. Fatos mais recentes e relevantes que poderiam ser incluídos na prova, ele avalia, são a lei do feminicídio e a lei das cotas raciais.
Jürgen Habermas, autor frequente no exame, é chamado de filósofo por alguns e sociólogo por outros. Trata-se de uma indefinição comum em alguns pensadores atuais, afirma Boenavides.
Confira os temas considerados prováveis na prova:
- Mundo do trabalho e da produção
- Questões humanitárias
- Problemas sociais brasileiros
- Movimentos sociais
- Teorias clássicas
Filosofia
Questões sobre ética, conceitos de democracia e cidadania e a visão histórica dos direitos humanos sempre aparecem no exame, afirma Francis Madeira Sales, coordenador pedagógico do Fleming. Segundo ele, é tradicional que a prova exija a comparação de pontos de vista de correntes filosóficas diferentes.
À lista de assuntos preferenciais citada acima, Michel de Souza Cruz, do Unificado, e Dionathas Moreno Boenavides, do Fênix, acrescentam a filosofia do conhecimento — a epistemologia — como questão provável da prova.
Em termos de distribuição de temas, Boenavides percebe que o exame dá preferência à filosofia antiga sobre a moderna. A recorrência é de questões sobre os filósofos da antiguidade Sócrates, Platão e Aristóteles, afirma Evandro Machado Luciano, do Me Salva!. Da idade moderna, ele acrescenta, a tendência do exame é cobrar conhecimento sobre os contratualistas Jean-Jacques Rousseau, Thomas Hobbes e John Locke.
— Eventualmente, cai outro pensador da modernidade, como Alexis de Tocqueville ou René Descartes — diz Luciano.
O filósofo político norte-americano John Rawls é tema frequente de questões, completa Boenavides.
Menos provável, mas muito atual e relevante é a bioética, o estudo da vida relacionado aos valores morais, explica Cruz.
Outros tópicos de possível abordagem no exame :
- Discussão ética sobre a crise dos refugiados
- Questões sobre democracia e cidadania
- Guerras contemporâneas