A implementação do Ensino Fundamental (EF) de nove anos, que começou efetivamente há cerca de uma década no país, deve impor o último sobressalto à Educação Básica em 2018, quando muitas escolas privadas ficarão sem turmas do 3º ano do Ensino Médio (EM). Na rede marista, uma das mais tradicionais no Rio Grande do Sul, das 20 instituições no Estado, apenas o Colégio Rosário terá uma turma de 3º ano em 2018.
As escolas já vinham se preparando para a medida, uma adaptação às mudanças no currículo que também geraram, anteriormente, lacunas de turmas no 1º e no 2º anos do Ensino Médio.
A diferença é que, agora, este gap também terá reflexos nas instituições de Ensino Superior e nos cursos que se dedicam à preparação para vestibulares e Enem. O Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung) estima queda de 70% na participação de estudantes concluintes do EM nas seleções para graduação. Os outros 30% devem ser assegurados pelos egressos de escolas públicas, cuja implantação do 9º ano ocorreu concomitantemente à manutenção do Ensino Fundamental com oito anos – algo que também foi observado em uma minoria das escolas particulares, como o Colégio Mauá, de Santa Cruz do Sul.
— À época da implantação do nono ano, optamos por oferecer a turma de 1º ano do EF sem acabar com a turma da 1ª série. Ficamos com turmas menores, mas não tivemos essas interrupções no processo — explica o diretor geral do Mauá, Nestor Raschen.
Reitor da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e um dos vice-presidentes do Comung, Evaldo Antonio Kuiava adianta que muitas universidades privadas do Estado já buscam alternativas para minimizar o impacto da redução de alunos vindos direto do Ensino Médio em um cenário que já é pouco confortável, com vagas sobrando especialmente nos cursos presenciais.
— Uma das medidas será buscar aqueles alunos que estão com matrículas trancadas e aquele público que pretende uma segunda graduação. Mas é certo que isso já vem nos preocupando, porque há um impacto significativo até mesmo no orçamento, que precisará ser revisto pelas instituições — diz.
O Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro-RS) não entende que essa possível reorganização orçamentária possa significar demissão de professores, porque aqueles que lecionam nos terceiros anos podem ser reaproveitados nos primeiros e segundos anos.
— O que tinha de ser adaptado já foi adaptado. Talvez o nosso pior momento nessa mudança tenha sido em 2016, quando os alunos do 8º ano do Fundamental foram para o 9º ano e não para o Ensino Médio. Houve uma diminuição significativa das turmas de primeiro ano e algumas demissões por conta disso. Agora, a situação está mais administrada — afirma a diretora do Sinpro-RS, Cecília Farias.
Na UFRGS, a Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) ainda não consegue mensurar o impacto do buraco de turmas de 3º ano da rede particular no vestibular da instituição de 2019, porque não há um dado exato que discrimine os candidatos que se inscrevem na seleção tão logo deixam o Ensino Médio. Em 2017, o processo seletivo da universidade registrou 33,4 mil inscritos, sendo que 10,8 mil declararam que fizeram todo o Ensino Médio em escola particular, representando 32,4% dos candidatos. Entre os aprovados, a turma que estudou integralmente nas particulares representou 29,25% do total.
Os cursos preparatórios ao vestibular e Enem e os colégios que têm foco na reta final do Ensino Médio também já vislumbram um ano diferente.
O Unificado, que atualmente conta com duas turmas de terceirão em cada uma de suas quatro sedes, incluindo Canoas, estima uma redução de mais de 50% de alunos. Em 2018, ofertará apenas uma turma de 3º ano e somente nas unidades de Porto Alegre. Para minimizar o impacto disso, o grupo criou o Enem Express, uma modalidade de preparação ao exame nacional voltada aos estudantes da rede pública, com aulas ministradas aos sábados ou em três noites por semana.
— É um curso mais barato e com uma carga horária menor, mas bem voltado para esse estudante da escola pública que quer uma preparação completa para o Enem — adianta o diretor pedagógico do Unificado, Cristiano Santos.
A falta de turmas de 3º ano em 2018 pode favorecer aqueles candidatos que não conseguirem ser aprovados nas seleções do começo do ano e que tentarão novamente as vagas em 2019.
— Se as universidades oferecerem o mesmo número de vagas, a concorrência vai ficar menor — projeta o professor de matemática.
Debate sobre mudanças começou no país em 2004
A discussão sobre ampliar o Ensino Fundamental para nove anos começou no Brasil em meados de 2004, com prazo final de implementação em todo o país em 2010. Cada rede foi se organizando da forma que julgou melhor. A intenção era que, aos seis anos, as crianças ingressassem no primeiro ano e terminassem essa etapa de escolarização com mais maturidade para enfrentar o Ensino Médio. A maioria das escolas particulares do Rio Grande do Sul, por orientação do Sindicato do Ensino Privado (Sinepe-RS), adotou o novo formato do Fundamental em 2008.
Na rede pública, esse processo ocorreu paralelamente, com a oferta de turmas nos dois modelos. Outra aresta a se aparar nos ajustes finais da Educação Básica é quanto aos alunos que estão atualmente no terceiro ano do Ensino Médio e correm o risco de reprovação. Escolas onde não haverá essa etapa em 2018, como o Colégio Marista Champagnat, organizaram reforços para evitar que os estudantes percam o ano e até oferecem recuperações prolongadas das disciplinas cujo desempenho não foi suficiente para aprovação.
— Tentamos sanar as dificuldades antes que se chegue à reprovação. É uma forma que encontramos de nos adaptar — diz Adriana Castiglia Filipetto, vice-diretora educacional do Champagnat, onde pelo menos cem alunos deixarão de ser atendidos em 2018 por conta da falta de turmas de terceiro ano.
Apesar disso, a educadora entende que o acréscimo de mais um ano letivo no Ensino Fundamental foi positivo.
— Pedagogicamente, percebemos o estudante do nono ano com mais maturidade na sala de aula e no Ensino Médio. Eles demonstram uma relação mais madura com o conhecimento e estão mais engajados — avalia Adriana.
O professor Evaldo Kuiava é mais reticente quanto aos resultados da mudança:
— Esperamos que os objetivos sejam alcançados, mas não é suficiente. Não temos ainda uma educação com mais qualidade. Precisamos pensar na formação como um todo.