Atônita, a turma via Max Gehringer dinamitar, um a um, os pilares do RH moderno. Rechear o currículo com cursos antes de entrar no mercado? Atraso. Estar conectado 24 horas para atender o chefe? Tiro pela culatra. Diante dos alunos do pós-graduação em Finanças e Banking da PUCRS, em uma noite de agosto, um dos principais gurus em carreiras do país derrubava os clichês do mundo corporativo.
Gehringer é um sujeito sem perfil no LinkedIn e que carrega (a maior parte do tempo desligado) um antiquado celular cuja bateria faz durar 30 dias. Lá pelas tantas, um aluno ergue o braço: não vale a pena sacrificar fins de semana para aumentar a chance de ser promovido, ao menos no início da carreira? Gehringer olha o grupo de aspirantes a cargos de gerentes. E provoca:
– Rapaz, e você acha que um dia isso vai parar?
O ciclo dos jovens nas empresas tem sido cada vez mais curto. Conforme o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), sete em cada 10 pessoas de 15 a 24 anos saem do emprego antes de completarem um ano. O que está faltando nessa química?
Sempre me perguntam quanto tempos se deve ficar em uma empresa, e eu digo que o tempo ideal é a vida inteira. Se você encontra uma companhia que oferece tudo – oportunidade de carreira, treinamento, ambiente de trabalho, salário – vai sair por quê? Não faz sentido. O que aconteceu é que nós não criamos oportunidades de emprego em quantidade suficiente para uma geração que foi a primeira a ter, massivamente, curso superior no Brasil. A gente colocou no mercado de trabalho ao longo de 15 ou 20 anos quase o triplo de formandos do que existia. Muitos desses jovens foram a primeira pessoa da família a ter um curso superior. Quando isso acontece, vira algo grandioso, com a expectativa de um futuro brilhante: ter o emprego que quiser, ganhar o quanto quiser. O problema é que esses jovens passaram 14 anos de suas vidas estudando e, quando chegaram ao mercado de trabalho, descobriram que não havia tanto emprego bom disponível. Era preciso entrar no nível hierárquico baixo, o mesmo que alguém da família, o pai ou o avô, teria entrado apenas com o diploma de ginásio. É claro que isso frustra.
Então começa um corre-corre para encontrar o emprego ideal.
Talvez haja duas vertentes no mercado atual. A primeira é formada pelas pessoas que abrem um negócio próprio. Nunca houve tanta gente empreendendo no Brasil como nos últimos anos. Há disponibilidade de gente. E há a crise econômica, que não gera emprego nas empresas já consolidadas. A outra vertente que percebo: os jovens realmente perderam o medo de mudar de uma empresa para outra até encontrarem o local que julgam ideal para trabalhar. Hoje, quem tem cinco anos de carreira já passou por três empregos. As próprias empresas estão contratando com objetivo de curto prazo. Se existe perspectiva de um funcionário sair em menos de um ano do trabalho, você não vai estabelecer uma meta de três anos. Vai, isso sim, ter meta para os próximos seis meses.
As empresas perderam o interesse em lapidar um talento que possa virar um futuro líder ou alto executivo?
Uma coisa chamada plano de carreira, que eu ouvia muito falar nas empresas, com planejamento para os funcionários para daqui a três ou cinco anos, pelo menos, não existe mais. São raríssimas as companhias que mantêm planos de carreira. Se você faz um tipo de promessa dizendo que daqui a dois ou três anos o funcionário vai ser líder ou gerente, e não a cumpre, terá um cara descontente. A meritocracia está prevalecendo. Quem tem mais condições de ser promovido irá crescer, e não o mais antigo da casa. As empresas com mais visibilidade, grandes empresas nas quais todo mundo gostaria de trabalhar, estão contratando pessoas esperando que elas produzam muito em muito pouco tempo.
Mas isso aumenta o risco de perder os jovens depois que dão o gás inicial, não?
Aí você pega outro que faz exatamente a mesma coisa, e o trabalho continua.
Esse rodízio admitido pelas próprias empresas não é ruim para seus planos de longo prazo?
Nenhuma empresa deixou de fazer plano de longo prazo. Os cargos chave estão mantidos e mudam com menos frequência. A grande mudança está naquela fervura da entrada do primeiro emprego, nas primeiras funções ainda sem nível de liderança. Os diretores e gerentes continuam envolvidos no planejamento, sabem qual é o orçamento, as necessidades de pessoal. É com esses que as empresas se preocupam, pagam cursos, proporcionam viagens, mandam para subsidiárias no Exterior. E é isso que quem começa a trabalhar espera que aconteça rapidamente, já nos primeiros seis meses de casa. O problema é que o "rapidamente" da empresa é daqui a três anos. Essa diferença de "fuso horário" leva o empregado a começar a mudar achando que em outra companhia vai ser diferente.
Houve uma expectativa exagerada quanto ao poder para “revolucionar” empresas da geração y (formada por pessoas nascidas nos anos 1980 e 1990)?
Há uma certa tendência de os jovens pensarem assim: "Eu estudei, então, já entro na empresa para observar o que está errado, porque há esse erro e, então, vou dar grandes ideias". Não, não. Primeiro precisamos confiar em você. Depois que confiarmos, vamos deixar você dar uma ideia. De preferência, com investimento zero. Não vamos comprar um reator nuclear porque você acha uma boa. Não nos interessa se você é um gênio. Você tem que nos dar provas de que podemos confiar em você. Como fazer isso? Se ouvir alguma coisa, sai correndo e vai fazer. Se alguém precisar de ajuda, se ofereça. Se precisar de ajuda, peça. Talvez tenhamos perdido um pouco isso.
Por quê?
Talvez tenhamos perdido por causa das escolas. Já não há mais o melhor e o pior aluno, o professor não pode falar alto com o aluno porque ele se sente humilhado, não tem mais ranking de quem é o primeiro, segundo e o último da classe. O estudante passa de ano sem ter nota. Se a pessoa acredita que não vai ter de lidar com concorrência, está muito enganada. Todos os colegas querem ser melhores. O mundo muda radicalmente da escola para o trabalho. Aí a pessoa estuda, faz mestrado, doutorado, intercâmbio e entra aos 28 anos no primeiro emprego. No primeiro dia tem de procurar terapia. Muita gente não se acostuma com isso, acha que a empresa vai ser uma continuidade da escola: o professor era bonzinho comigo, então o chefe não vai reclamar. O professor não me cobrava, o chefe não vai me cobrar. Eu errava na escola, diziam que errar é humano, mas na empresa não é tão humano assim.
Por que o senhor é cético quanto aos programas de avaliação aplicados pelas grandes empresas?
Sou a favor das avaliações de desempenho e metas, desde que fique claro ao funcionário, desde o começo, pelo que ele vai ser avaliado e que haja uma conversa franca sobre os resultados. Mas o que eu vi em empresas nas quais passei é que simplesmente havia um programa implantado porque alguém decidiu – não que a empresa quisesse efetivamente avaliar os funcionários. Para mim, essa é uma enorme perda de tempo. E dupla: para a empresa, que tem que preparar o programa, colocar no computador, tocar o processo todo com prazos e distribuição, e pior ainda para quem vai participar. O empregado acha que, se for bem avaliado, vai haver um reconhecimento, mas no fim praticamente não há avaliação nenhuma. Colocam-se duas ou três perguntas básicas, preenche-se, e só se fala no assunto no ano que vem, na próxima avaliação.
Então algumas avaliações viraram uma ferramenta para inglês ver, que nem as próprias corporações dão crédito?
Cada empresa poderia responder por si mesma, mas há coisas no mercado que uma companhia faz e a outra diz "que legal, vou fazer também", até que chega um momento que a maioria está fazendo, e as que não fazem têm que ficar explicando ao funcionário por que não têm análise de desempenho e plano de carreira. Então elas trazem alguém para implantar isso para o pessoal parar de reclamar. Aí, sim, é para inglês ver. As avaliações começam a cair no gosto dos empregados quando eles percebem que essas avaliações de fato geram alguma coisa. Caso contrário, eles sentem que a avaliação virou um trabalho a mais: tem que responder a um monte de pergunta que, nos últimos três ciclos, não trouxe efeito para ninguém.
Essa falta de perspectiva dos funcionários em algumas empresas ajuda a explicar por que estão surgindo tantos novos empreendedores no Brasil?
De fato, nunca tivemos tanta empresa formal no Brasil. Nos últimos sete anos, aumentamos de 6 milhões para 9 milhões de micro e pequenas empresas, ou seja, há 50% a mais. Um ramo que se destaca nesse processo é o de franquias. Uma estatística diz que metade das empresas que são abertas no Brasil não resiste a dois anos de atividades. O empreendedor tem conhecimento técnico, é bom vendedor, fala bem, mas isso não basta se não tiver conhecimento em administração, se desconhecer a parte financeira. Por isso que a franquia está crescendo uma barbaridade, pois entrega as respostas. Como eu contrato pessoas? A franquia manda alguém para dar o primeiro treinamento. De que cor eu pinto a loja? A rede diz exatamente a cor e ainda indica onde comprar os móveis. Aí a preocupação daquela pessoa passa a ser simplesmente fazer o que sabe fazer.
Essa euforia com as franquias não aumenta o risco de os novatos entrarem numa fria nesse setor?
Sim. Principalmente por franquias que fazem algo que ninguém entende. O site da ABF (Associação Brasileira de Franchising) tem o preço de todas as franquias, quanto precisa ter de capital para entrar etc. Há franquias que custam de R$ 600 a R$ 14 milhões. Ora, é investimento para qualquer bolso. Mas é importante a pessoa se autoavaliar e ter noção de não entrar em uma franquia que nunca ouviu falar e que não saiba como funciona. A outra ideia é pesquisar na internet, ver o que o pessoal posta de reclamações no YouTube. No próprio site da ABF a empresa que se registra precisa ter toda parte documental e fiscal em dia. Sabendo disso, dá segurança.
Quais tipos de franquia têm maior potencial neste momento?
As franquias que tendem a funcionar melhor são de cosméticos e alimentos. Alimento nunca acaba: você pode substituir a manteiga pela margarina, bolacha de chocolate pela bolacha d'água, mas você não vai deixar de comer. Guloseimas e doces sempre são interessantes, tipo fazia aquela dona de casa que cozinhava e vendia para a vizinhança. Farmacêuticos também são um bom negócio, compramos cada vez mais remédios no Brasil.
E a febre das startups? Criar empresas inovadoras e sair à caça de investidores virou uma profissão?
A definição de startup é: ninguém entende isso. Você não vai fazer uma startup de uma loja que vende bolo. Logo, a própria palavra startup já presume que é a primeira vez que algo está sendo feito, então, se você não é do ramo, é melhor não se aventurar. É um tipo de negócio que uns caras investem seu capital e então têm de vender para uma Venture Capital (empresa que investe em negócios de alto risco). É um mundo à parte.
Empreendedorismo em alta, passagens rápidas por grandes empresas... Qual é o peso real de um curso superior hoje?
O curso superior virou quase um pré-requisito para avançar em processos seletivos. Vale para quase todos os empregos. Não que precise para a execução da tarefa. É que há muitos candidatos, e esta é uma maneira de peneirá-los. Ao contrário do que o mercado pensa, não é a empresa que impõe a regra de que precisa ter cada vez mais curso. São os candidatos a emprego que fazem isso. Se abre uma vaga para cargo técnico, e quatro engenheiros mandam currículo, o ponto de corte passa a ser diploma de Engenharia.
As melhores vagas cada vez mais serão direcionadas aos profissionais super-qualificados, com pós-graduação e cursos no Exterior?
As empresas valorizam esse perfil, desde que seja super qualificado em experiência também. Se tiver as duas coisas, vai chegar à presidência da empresa. Não adianta querer substituir um quilo de falta de experiência por uma tonelada de currículo. A experiência pesa, inclusive para questões como saber para que serve o chefe, como se trata o colega chato, o outro que não usa desodorante... Há coisas que não se aprende na escola, só convivendo. Então é o equilíbrio: estude bastante, mas comece a trabalhar cedo para ter experiência.
Não deixa de ser um alento às gerações mais antigas, que muitas vezes temem pelos seus empregos quando enxergam hordas de jovens qualificados chegando ao mercado.
O menor índice de desempregados no Brasil, proporcionalmente, é acima dos 50 anos. O maior, de jovens com até 25 anos e curso superior. Isso percentualmente. O desemprego médio no Brasil é de 13%, mas, entre os jovens, chega a 20%. Entre aqueles que têm mais de 50 anos, não passa de 4%. O pessoal não é demitido por causa da idade, mas se perder aquele emprego não acha outro igual. Esse é o problema. Então o trabalhador mais velho se agarra ao emprego atual, porque, se entrar em um processo de seleção,vai ficar em desvantagem em relação a alguém que tenha alguma experiência, digamos de oito anos de trabalho, mas está mais atualizado.
Alguns consultores consideram irreversível a instituição do profissional multitarefas, que tem de assumir funções fora de sua área de formação. É isso mesmo?
Isso é tipo embarcar no Titanic e levar sua própria boia: nunca se sabe o que vai acontecer. Ser multitask, saber fazer um monte de coisa, dá possibilidade maior na carreira, caso algo dê errado. Mas,em uma empresa, normalmente os especialistas se dão melhor. Já lidei com pessoas que faziam tanta coisa que não sabiam no que eram melhor. Tipo o jogador de futebol curinga, que atua em todas posições mas nunca é titular porque sempre tem um cara melhor do que ele. Na empresa, é mais ou menos a mesma coisa.
Qual dica o senhor dá para o jovem que começa a desbravar agora o mercado de trabalho?
Minha recomendação é que comece a trabalhar aos 16, 17 anos, faça estágio, entre em programa de trainee. Entre em um emprego que você não quer. Quem começa a trabalhar com 16 anos, aos 19 já é veterano. As pessoas ficam desesperadas quando vão fazer a primeira entrevista de emprego. Eu digo: faça com que a sua primeira entrevista seja a décima: candidate-se a nove vagas em empresas e cargos que você não trabalharia de jeito nenhum. Daí, quando chegar a hora da entrevista séria, você estará pronto.
O que se pode esperar do mercado de trabalho quando a crise econômica passar?
Pode acabar essa crise, mas vem outra adiante. O problema é que não há só uma crise; há três: as crises econômica, política e moral. Isso eu nunca tinha visto. Não sabemos qual gerou qual, não sabemos qual precisa acabar primeiro para que as outras acabem. Na história do Brasil, em cada década, tem uma grande crise. E aí as empresas entram em depressão: cortam investimentos, reduzem quadros, não contratam ninguém. Aí, quando a economia começa a melhorar, o otimismo é imediato – o brasileiro é maluco com otimismo. Sai todo mundo comprando à prestação de novo, e aí vem outra crise. O que seria bom as pessoas fazerem é pensar: enquanto vivo o ciclo bom, o que faço para me preparar para o ciclo ruim? Estou estudando, fazendo curso, guardando dinheiro? Não é o tipo de conversa que brasileiro gosta de ouvir. É que nem discussão de futebol: não se fala seriamente sobre calendário ou formato de torneios: nosso longo prazo não passa do próximo final de semana.
DICAS EM LIVRO: Gehringer é autor da coleção em 10 volumes Lições para o Sucesso, entre outros títulos.