Em um cenário marcado por turbulência na política de gastos do país e embaraços geopolíticos, o dólar apresenta valorização expressiva ante o real em 2024. Fechando esta segunda-feira (18) em R$ 5,74, a moeda americana acumula alta de 18,4% no ano no país. Especialistas apontam que essa guinada ocorre em razão do juro ainda elevado nos Estados Unidos e da dificuldade apresentada pelo governo brasileiro no respeito às metas fiscais. Com câmbio elevado, existe um movimento complexo na economia do país, afetando setores de maneiras distintas.
Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos, afirma que a valorização do dólar em 2024 responde a fatores internos e externos. No âmbito internacional, a demora no corte de juro nos Estados Unidos, a eleição americana e as tensões geopolíticas pressionam o câmbio. Já no território doméstico, um dos destaques é a questão fiscal, segundo o economista:
— Tem preocupações acerca da estabilização da dívida pública, também dúvidas sobre a manutenção do arcabouço fiscal daqui para frente. Não à toa o mercado hoje está focando no pacote de contenção de despesas que deve ser anunciado pelo governo nos próximos dias.
O professor Marco Martins, do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da UFRGS, também afirma que o Brasil vem apresentando dificuldades para sinalizar como vai equilibrar as contas públicas e estabilizar a relação dívida/PIB. No campo externo, lembra que a vitória de Donald Trump coloca um asterisco sobre a continuidade dos cortes no juro americano:
— O Donald Trump tem propostas mais inflacionárias e que sinalizam que o Banco Central americano vai trabalhar, vai continuar trabalhando com uma taxa de juro mais elevada por mais tempo do que se esperava.
Juro alto em economias mais sólidas, como é o caso dos EUA, atraem investidores para esses países. Os agentes preferem colocar seu dinheiro em locais estáveis e com menos riscos de oscilações. Com isso, ocorre a saída de capitais de países emergentes, como o Brasil. Com menos dólares no Brasil, a valorização da moeda frente ao real tende a ser maior.
Para obter a variação do dólar no ano, a reportagem usou como referência o último pregão de 2023 e a cotação desta segunda-feira (18). Nesta segunda, o dólar fechou o dia com queda de 0,74%, cotado a R$ 5,747. O economista da XP destaca que esse recuo é pontual e também ocorre em outras economias emergentes.
Efeitos diferentes entre setores
O dólar mais valorizado ante o real afeta os setores da economia brasileira de forma distinta. O economista da XP destaca que ramos exportadores costumam levar mais vantagem nesse ambiente de dólar elevado:
— Algumas atividades se beneficiam desse câmbio mais alto, mais depreciado, especialmente aquelas exportadoras líquidas de commodities. Destaco grãos, carnes, também em certa medida, petróleo bruto, minérios. Os bens que são exportados em grande volume, de forma líquida, se beneficiam desse cenário de taxa de câmbio mais depreciada.
Na outra ponta, ramos que tem sua cadeia ligada à importação de insumos são mais penalizados. Isso ocorre porque o câmbio acaba inflacionando os preços de determinados itens comprados no Exterior:
— Então, praticamente todos os setores manufatureiros, desde a indústria automobilística, como parte relevante da metalurgia, produtos químicos, máquinas e aparelhos elétricos, até uma parte de produtos alimentícios, acabam sendo impactados por esse cenário de câmbio mais depreciado, porque precisam importar matérias-primas a um custo mais elevado. Isso pressiona a estrutura de custos de produção.
Margato afirma que alguns grupos de serviços, como o setor de saúde, também sofrem com esse cenário de câmbio mais pressionado diante da necessidade de importação.
No caso do Rio Grande do Sul, ramos da agricultura e da proteína animal com força na exportação são favorecidos pela alta do dólar, segundo o professor da UFRGS. Outro exemplo é o setor de vinhos, que fica mais competitivo ante produtos importados. Já segmentos que dependem muito da compra de itens de outros países, como o de fertilizantes e parte do de autopeças, perdem força na avaliação de Martins.
Turismo
O professor Marco Martins destaca o turismo para o Exterior como outro ramo afetado negativamente em um contexto de dólar valorizado. Também cita que o câmbio depreciado acaba pesando sobre a operação das empresas muito endividadas em dólar.
Sobre o caso de pessoas com viagem internacional marcada para as próximas semanas, tanto o professor da UFRGS quanto o economista da XP Investimentos afirmam que é melhor comprar dólares aos poucos durante o trajeto. Isso evita danos causados pela flutuação da moeda.
— É muito difícil acertar o valor do câmbio em determinado período específico. Então, a recomendação é ir fazendo a taxa de câmbio médio, ir comprando aos poucos aquele valor que é necessário para uma viagem, que será realizada em breve, especialmente quando programada. Isso facilita essa abordagem de fazer o famoso câmbio médio, comprar aos poucos — destaca o economista da XP Investimentos.