A possibilidade de o governo zerar a tarifa de importação do aço para reduzir os preços do produto no mercado interno e, assim, ajudar no combate à inflação colocou em guerra dois gigantes da indústria nacional: os setores de siderurgia e da construção civil. A disputa tem como pano de fundo o risco de aumento de demissões no segundo semestre, justamente no auge da campanha eleitoral - que tem o presidente Jair Bolsonaro como candidato à reeleição.
Após o Estadão noticiar na segunda-feira (9) que a equipe econômica estava pronta para oficializar a medida, lideranças do setor siderúrgico desembarcaram nesta terça-feira (10) em Brasília para pressionar o governo. Depois de um encontro com o ministro da Economia, Paulo Guedes, eles foram até o Palácio do Planalto. Nas reuniões, segundo apurou a reportagem, ressaltaram que o setor tem dado apoio ao governo Bolsonaro e que, agora, as empresas seriam prejudicadas com a medida.
A decisão sobre o corte de impostos de importação deve ser tomada nesta quarta-feira (11) em reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex), que reúne representantes de vários ministérios, além da Presidência. Outros 10 itens também devem ter a tarifa cortada, incluindo alimentos e insumos da construção civil.
O presidente executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo Lopes, disse que a redução só entrou no radar depois de pedido da construção civil, que reclamou do aumento dos preços dos vergalhões utilizados nas obras. Depois, ele acusou o setor de ter repassado a Guedes dados incorretos, como aumentos de preços de mais de 100% e risco de demissões.
— Isso não procede. Guedes falou de pressão intensa da construção civil, eles trouxeram ao ministro informações que não procedem — disse.
Reação
Procurado, o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, reagiu às declarações.
— Não estamos demitindo porque honramos nossos compromissos, estamos assumindo custos que eles (a indústria siderúrgica) nos geram, e irão gerar desemprego futuro — respondeu ele.
As declarações foram feitas enquanto Marco Polo ainda dava entrevista. Para Martins, teria sido sinal de "desespero" das siderúrgicas.
— Nós nunca noticiamos isso, pelo contrário. Todas as nossas estatísticas mostram que estamos contratando. O que disse ao Paulo Guedes: a venda de hoje é emprego de amanhã. Não vender hoje significa que, na eleição em outubro, vai ter desemprego — disse o presidente da Cbic.
A Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) divulgou nota na noite de terça-feira (10) para reforçar posição defendida pela Cbic em relação ao preço do aço. Segundo a Abrainc, o material tem impactado o setor principalmente nos últimos dois anos, após sofrer, conforme a associação, alta de 101%.
— O custo do aço no Brasil sempre foi um dos mais baratos do mundo, mas agora a situação mudou, principalmente quando comparamos o poder de compra do brasileiro em relação aos imóveis — diz a nota assinada pelo presidente da Abrainc, Luiz França.
O Estadão teve acesso ao estudo apresentado a Guedes pela Cbic. Os dados mostram que o insumo com maior peso no aumento total do custo de material, no período de julho de 2020 a janeiro deste ano, foi o aço. O presidente da Cbic citou que o programa Casa Verde e Amarela, por exemplo, não tem reajuste.
— Vendeu em 2020, subiu 30%, 40% o custo do material, e tem de honrar — afirmou.
Ele acrescentou que 34% do aumento de custo do programa em um ano vem do preço do aço. Ainda segundo Martins, o presidente de uma empresa siderúrgica teria afirmado que o setor estava controlando a oferta do produto para pressionar os preços.
O setor de aço diz que há oferta abundante do produto no Brasil e que, enquanto na Europa os preços subiram mais de 100% e nos Estados Unidos, 70%, no Brasil a alta foi de 40%. O anúncio da redução do tributo derrubou ações das siderúrgicas, com Usiminas, CSN e Gerdau caindo 6,78%, 5,82% e 4,36%, respectivamente, na Bolsa de Valores brasileira (B3).
Sensibilizado
Após a reunião, participantes do setor disseram que Guedes "se sensibilizou" e pediu a sua equipe que reavalie a questão. De acordo com o presidente executivo do Instituto Aço Brasil, o que estaria em discussão agora no governo é a redução do tributo apenas para vergalhões, de 10,8% para 4%, e não de todos os produtos derivados de aço. Procurado, o Ministério da Economia não se pronunciou sobre o tema até a publicação desta matéria.
O presidente do Conselho Diretor do Aço Brasil e vice-presidente da Gerdau Aços Brasil, Argentina e Uruguai, Marcos Faraco, disse que a decisão é "inócua" e atende apenas segmentos que querem aumentar a margem de seus negócios.
— Nossa expectativa é de que o governo reverta a decisão — afirmou.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.