PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) - Diante da grita de agricultores e criadores de gado da França, que organizaram protestos em vários pontos do país nesta terça (2), o governo colocou em questão a ratificação do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul.
Em pronunciamentos e entrevistas, vários ministros disseram que as minúcias do pacto serão analisadas detidamente antes do sinal verde da gestão Emmanuel Macron -o Conselho Europeu, colegiado que reúne os 28 líderes do bloco, precisa aprovar o texto antes de ele seguir para o Parlamento Europeu.
No fim do dia, porém, o presidente buscou conter a maré de ceticismo instigada por sua equipe.
"A realidade de nosso país não é protecionista", afirmou ele, à saída de uma cúpula em Bruxelas. "Que aqueles que dizem que todo acordo comercial é ruim, [peço que] contem-me como, nesses casos [sem tratados], vão se vestir, comer, se locomover. Um acordo comercial não é por natureza ruim."
Mais cedo, em Paris, o chanceler francês, Jean-Yves Le Drian, dissera aos deputados que o governo havia definido "linhas vermelhas claras" para as provisões do pacto.
"Estão nos contando que elas foram levadas em conta, mas só essa declaração não basta. Precisamos de atos", afirmou. "Ao ver a mudança brusca de posição do presidente brasileiro diante do Acordo de Paris [sobre a mudança climática], desejo que isso seja concretizado em orientações precisas. Ainda é preciso ver se vamos apoiar esse documento."
Linha semelhante adotou a porta-voz do governo Macron, Sibeth Ndiaye, em entrevista a um canal de TV.
"Não posso dizer hoje que ratificaremos esse acordo. Vamos analisá-lo com calma e decidir", disse ela, lembrando que a versão atual do texto inclui uma salvaguarda "que permite interromper as importações em setores frágeis, se tiver havido uma desestabilização [com a entrada dos artigos importados]".
O ministro da Transição Ecológica, François de Rugy, também destacou a longa tramitação que espera o tratado.
"A nova Comissão Europeia [braço executivo da UE] e, sobretudo, a nova maioria no Parlamento Europeu terão que dissecá-lo antes de ratificá-lo", disse, lembrando que o endosso dependeria de compromissos de Brasília na esfera do combate ao desmatamento.
O titular da Agricultura, Didier Guillaume, que vem mostrando contrariedade em relação ao acordo nas últimas semanas, assumiu tom mais duro do que os colegas.
"Não teremos um acordo a qualquer preço. Essa história não acabou. Não serei o ministro que vai sacrificar a agricultura francesa no altar de um pacto internacional."
Mais especificamente, ele afirmou que não haverá entendimento para a assinatura do documento se, nas transações envolvendo carne bovina, não for possível rastrear origem e circunstâncias de produção da mercadoria, o que inclui uso de antibióticos nos rebanhos, ração a base de soja geneticamente modificada e bem-estar animal, todos pontos sensíveis para a França.
A federação dos criadores de bovinos informou que, somados os acordos da UE com o Mercosul e com o Canadá (este, assinado em 2016), as perdas para o segmento nacional serão de 50 mil empregos -além disso, 30 mil das 85 mil propriedades deixarão de existir, segundo a entidade.
O setor afirma ser um dos mais atingidos pela futura parceria entre Mercosul e Europa, por causa das diferenças normativas dos dois lados do Atlântico, que encarecem o produto europeu.
A Comissão, no entanto, salienta que a cota de carne (99 mil toneladas) que poderá ser mandada à UE a tarifas mais competitivas (7,5%, contra cerca de 40% hoje) representa apenas 1% do mercado europeu para o item, estimado em 8 milhões de toneladas.