Enfim o país quebrou a sequência de resultados negativos que durava oito trimestres consecutivos, mas o crescimento de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) no período de janeiro a março deste ano está longe de significar que o país superou a recessão. Os dados esmiuçados do desempenho da economia no início de 2017, divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que a atividade entrou no terreno positivo graças a fatores que não vão se repetir no segundo trimestre ou então por demanda externa.
Grande surpresa agradável dos números, a agropecuária cresceu 13,4% em razão da nova supersafra de grãos, mas o grande impacto da colheita farta já ficou para trás. As exportações subiram 4,8% e a indústria, setor mais calejado pela crise, avançou 0,9%, em boa parte também ajudada por vendas para o Exterior. A comparação é com trimestre imediatamente anterior – de outubro a dezembro de 2016.
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Por outro lado, componentes mais ligados ao ânimo da economia doméstica seguem em estado de letargia. O setor de serviços, com o maior peso no PIB, ficou estagnado. O comércio, debilitado pelo desemprego alto, caiu 0,6%. O consumo das famílias também teve variação negativa (-0,1%). Os investimentos, termômetro da percepção dos empresários quanto ao futuro próximo, caíram 1,6%. Com os sinais do segundo trimestre mais fracos até agora em indicadores da indústria e dos serviços e a crise política alimentando as incertezas, cresce a percepção de que a economia corre o risco de voltar a encolher entre abril e junho.
Com o cargo ameaçado pela turbulência gerada pelas delações da JBS, o presidente Michel Temer divulgou vídeo nas redes sociais em que tenta atribuir o PIB positivo a iniciativas do governo. E afirma que o Brasil "venceu a recessão". Entre economistas, a visão é diferente:
– É cedo para dizer que acabou a recessão porque deve vir um número negativo no segundo trimestre. Se não fosse a crise política, poderíamos nos sentir mais seguros sobre a recuperação da economia. Mas a retomada será mais lenta do que se esperava – diz Bruno Levy, economista da Tendências Consultoria Integrada.
Em uma crítica ácida, o economista Istvan Kasznar, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape) da Fundação Getulio Vargas (FGV), chama o resultado do primeiro trimestre de "micronanociclo" de crescimento e "insignificante" por não sinalizar uma virada de fato na atividade.
– Sairíamos da recessão se observássemos o emprego e a renda crescendo, o consumo das famílias subindo, as pessoas tomando crédito – ilustra Kasznar, ressaltando que, em relação ao dinamismo interno da economia, o país não mostra pistas de reversão do quadro.
O economista Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, segue o tom:
– Não dá para dizer que saímos da recessão pela contribuição extraordinária da agropecuária e o bom desempenho do setor externo.
Relatório da equipe de economia do Itaú Unibanco, maior banco privado do país, também aponta dúvidas quanto ao desempenho do segundo trimestre. Para a instituição, a agropecuária deve ter ligeira contribuição negativa, ao mesmo tempo em que a indústria também mostra sinais de debilidade. Enquanto isso, os componentes mais ligados à demanda doméstica seguem fracos e "indicadores coincidentes (da economia) sugerem estagnação do ritmo de atividade em abril e maio".
O caldo de dúvidas é engrossado pelo terremoto que atingiu o Planalto, levando à indefinição quanto à aprovação das reformas, como a da Previdência, considerada essencial para o equilíbrio fiscal do governo no futuro. O resultado é maior cautela para empresas levarem adiante investimentos e a população continuar receosa em consumir, o que aumenta o risco de nova contração da economia à frente. Ao mesmo tempo, como mostrou o Banco Central na quarta-feira, o cenário leva à redução do ritmo de corte do juro, etapa considerada essencial na travessia do país da recessão ao retorno do crescimento.
Para a indústria, recuperação não tem força
Setor que mais apanhou durante a crise e vem perdendo peso na economia brasileira, a indústria voltou a crescer no primeiro trimestre de 2017, mas o desempenho não empolga. O avanço de 0,9% não dilui as dúvidas quanto à recuperação do dinamismo da atividade. Em 2007, o segmento representava 27,1% do PIB, segundo o IBGE. Ano passado, a fatia nas riqueza produzidas pelo país caiu para 21,1%.
O economista Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, observa que, a partir de um olhar mais detalhado dos números, é possível concluir que o desempenho foi positivamente impactado pelas exportações e pelo processamento de produtos agropecuários. Resultado da grande safra e do embarque de carnes. Na cadeia automobilística, o suspiro veio do esforço para colocar produtos no Exterior, diante da demanda doméstica parada. No segmento de extração mineral, benefício com preços do minério de ferro e volumes exportados.
– Para o setor industrial, é apenas o estancamento da crise. Vários segmentos ao menos pararam de cair, mas não têm força para engrenar uma recuperação efetiva. Em outras oportunidades, o desempenho positivo também foi sucedido por um negativo – pondera.
Segundo Cagnin, parte da indústria de bens de capital conseguiu respirar no início do ano, mais ajudada pela substituição de máquinas e equipamentos obsoletas do que por novos projetos ou aumento de capacidade
Como o IBGE revisou dados de trimestre anteriores, a indústria não registra mais oito trimestres consecutivos de retração entre 2015 e 2016. O resultado do segundo trimestre de 2016 foi recalculado para variação positiva de 0,3%. Em nota, a Confederação Nacional da Indústria também ressaltou que o número do setor deve ser visto com cautela e apenas a melhora do ambiente de negócios no país e a garantia de equilíbrio fiscal podem garantir crescimento sustentado.