Católico fervoroso e estudioso das encíclicas lançadas pela igreja com recomendações aos fiéis, o empresário Jaime Lorandi levou um susto ao ler a carta Laudato Si (Louvado Seja) escrita pelo papa Francisco. Lançado em junho de 2015, o documento alertava para a necessidade de se preservar o meio ambiente e trazia uma série de orientações sobre medidas que podem ser tomadas pela sociedade para que se alcance um desenvolvimento sustentável. Lorandi desfrutava das linhas escritas pelo Santo Padre até chegar à recomendação 211 de um total de 246. Ali estavam cinco palavras que, desde então, ressoam em sua cabeça: “evitar o uso do plástico”, alertava Francisco.
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– Ai, ai, ai! Mas isso é até contra os princípios dele (Papa). Se houver uma moral mundial em cima disso e todos evitarem o uso do plástico, nós prejudicaremos mais os pobres – exclamou no calor do momento Lorandi, diretor de uma fábrica de embalagens plásticas em Farroupilha e presidente do Sindicato das Indústrias de Material Plástico do Nordeste Gaúcho (Simplás).
Lorandi rasga elogios aos princípios defendidos pela encíclica, porém acredita que a escolha do termo “evitar” na menção ao plástico não foi a mais adequada. Ele afirma não pensar no próprio negócio ao fazer a observação e fundamenta sua posição em cima dos benefícios do material vastamente utilizado no vestuário, no transporte, na alimentação, na saúde, entre outros segmentos. Ele salienta que o plástico barateou o custo de uma série de produtos. Além disso, expõe que o uso em escala do material coincidiu com o aumento da expectativa de vida da população mundial desde a década de 1950, já que grande parte dos alimentos e dos medicamentos são envoltos em plástico. Na visão do executivo, assim como o ouro é o material-símbolo dos ricos, o plástico é o material-símbolo dos pobres.
A articulação
Munido de uma vasta lista de argumentos, o presidente do Simplás começou a pensar em uma maneira de tentar sensibilizar o Vaticano a considerar uma correção no texto, algo nunca ocorrido desde 1740, quando o papa Bento XIV lançou a primeira encíclica da história. Coincidentemente, o sentimento de inquietação de Lorandi após o lançamento da carta papal era compartilhado por outras lideranças do setor. Logo após a divulgação da encíclica, recebeu uma ligação do diretor superintendente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), Paulo Henrique Teixeira, preocupado com o teor da recomendação.
– Jaime, você viu que o Papa criticou o plástico? Temos que fazer uma contraposição. Você que entende de encíclicas, o que podemos fazer? – indagou Teixeira.
De cara, Lorandi respondeu que não deveria ser feito nenhum movimento que batesse de frente com o Vaticano, mas prometeu pensar em uma alternativa para entabular um diálogo respeitoso e criar um texto substitutivo coerente com os princípios do Papa. A partir daí, o primeiro passo foi escrever um artigo, disseminado no segmento, para acalmar os ânimos.
Em setembro de 2015, seguindo conselho de bispos e lideranças religiosas com as quais conversava sobre o tema, decidiu enviar uma carta diretamente ao canal oficial do Vaticano. Nela, recomendava que a colocação mais apropriada seria “reduzir o consumo excessivo de todos os materiais, separar e dar destino correto aos materiais descartados, para serem reciclados e reutilizados”. Para embasar o ponto de vista, relatava os benefícios do plástico e fazia alusões a passagens bíblicas para ratificar a importância do material.
A menção principal na carta ao Vaticano era ao Evangelho de Mateus, capítulo 25, versículos 35-36, quando Jesus Cristo convida os cristãos a cuidar dos pobres. Ou seja, a zelar pelos famintos, sedentos, desabrigados, despidos, doentes e prisioneiros. Lorandi afirma que o plástico ajuda nessa tarefa, já que embala a maior parte dos alimentos, bebidas e remédios no mercado, e também porque, graças ao material, a construção de casas e a fabricação de roupas foram barateadas, permitindo aos mais pobres ter um lar e o que vestir.
Ao todo, Lorandi enviou 11 cartas, que se somaram às mais de 40 mil correspondências mensais que o pequeno país recebe. Não obteve resposta.
Com a ajuda do bispo
Frequentador da missa todos os domingos, Lorandi decidiu expor seus argumentos ao bispo diocesano de Caxias do Sul, dom Alessandro Ruffinoni, e mostrou a carta que havia enviado por correio ao Vaticano. Apesar de ter se convencido de que os pontos abordados eram consistentes, o religioso acreditava que seria preciso melhorar a abordagem.
– Mas tu praticamente escreveste uma encíclica, Jaime. O papa Francisco não vai ler um texto longo, de oito páginas – alertou o bispo.
O executivo, então, formatou um novo texto, em três páginas. Em março de 2016, levou a dom Alessandro, que aprovou e redigiu uma carta direcionada ao Vaticano anexando a posição de Lorandi. Foi a primeira vez que o bispo se remeteu à cidade-Estado a pedido de um fiel de sua diocese.
No final de abril, surpreendentemente, veio a resposta. O vice-secretário de Estado do Vaticano, dom Angelo Becciu, afirmava que o Papa havia lido o texto do empresário gaúcho e agradecia a consideração sobre a encíclica. Ainda destacava que a recomendação para evitar o uso do plástico “deve ser interpretada como um procedimento a ser feito com bom senso”. A resposta subjetiva frustrou Lorandi, que decidiu continuar a tentativa de diálogo.
Depois da resposta vinda do Vaticano, o presidente do Simplás decidiu esperar até novembro de 2016 para voltar a agir. Naquele mês, aconteceria, no Vaticano, um encontro de 450 empresários cristãos de todo o mundo com lideranças da Igreja Católica. Com presença garantida no evento, Lorandi vislumbrava a possibilidade de fazer contatos com cardeais que o ajudassem a sensibilizar o Papa a rever a expressão “evitar o uso do plástico” na encíclica.
Caminho de obstáculos até o Vaticano
Já no Vaticano, Jaime Lorandi descobriu que um dos monsenhores que auxiliavam o Papa a redigir discursos e encíclicas falava a mesma língua que ele. Tratava-se do brasileiro Osvaldo Neves. O presidente do Simplás aproximou-se do religioso para explicar a situação e, quando lhe mostrou a carta recebida com o timbre do Vaticano, Neves redobrou a atenção para escutar Lorandi.
– A frase “o Papa respondeu” é passaporte para muitos lugares no Vaticano – conclui o empresário.
Após ver a carta atentamente, Neves apresentou o empresário ao monsenhor irlandês Seamus Finn, que seria a pessoa mais apropriada para tratar do assunto. Em uma conversa em “portunhol” mediada por Neves, a posição do líder europeu era de que o Vaticano só dialoga com Estados e entidades internacionais. Portanto, seria necessário que o setor do plástico mobilizasse forças em escala mundial para, só então, poder cogitar a possibilidade de uma audiência com o Papa.
Ainda nesse evento, os empresários tiveram um breve encontro com o papa Francisco. Lorandi diz que chegou a ficar a 15 metros de distância do pontífice, mas sequer conseguiu dirigir-lhe a palavra. O presidente do Simplás acreditava que a ocasião não era a mais propícia para se tratar do assunto, mas saiu do Vaticano satisfeito com os contatos feitos.
Os próximos passos para expandir apoios
Com a recomendação trazida por Lorandi ao Brasil, a Abiplast começou a mobilizar entidades e empresas em diferentes países. Desde então, associações e empresas no Brasil, Argentina, Colômbia, Equador, México e Itália já manifestaram simpatia à causa. A ideia é expandir a lista de apoios da indústria e de universidades em todo o mundo até março de 2018 para, então, voltar a retomar contato.
– Seguiremos elaborando estudos e elementos técnicos e ambientais que demonstrem que existe a convivência sustentável em um mundo com o plástico. Isso passa pela forma de pensar, produzir e consumir os produtos – afirma José Ricardo Roriz, presidente da Abiplast.
O bispo de Caxias do Sul, dom Alessandro Ruffinoni, é enfático sobre as possibilidades de alteração na encíclica.
– O Papa não vai escrever outra encíclica (mencionando o plástico), nem corrigir a frase – acredita, mas sem descartar que a nova sugestão de frase seja levada em consideração pelo Vaticano em posicionamentos futuros.
Por outro lado, Lorandi diz ter fé e esperança na possibilidade de o setor do plástico conseguir um feito inédito na história da Igreja Católica. Para alcançar esse quase milagre, ele se apega ao caráter “inovador e às mudanças realizadas na igreja” pelo papa Francisco.
O setor
- A indústria do plástico tem 436 empresas nos cinco municípios da Serra abrangidos pelo Simplás.
- O faturamento anual do setor na região é de R$ 2,6 bilhões.
- Ao todo, são gerados 10,9 mil empregos em Caxias do Sul, Farroupilha, São Marcos e Alto Feliz.
- A Serra fabrica 40% do plástico do Rio Grande do Sul e responde por 4% da produção nacional.