A tarde de 22 de outubro de 2016 foi bastante atípica para o Banrisul. Era sábado, e as agências estavam todas fechadas, mas enquanto boa parte dos porto-alegrenses aproveitava o dia de céu claro e temperatura agradável em parques, técnicos da área de informática do banco trabalhavam sem parar.
O site oficial da instituição havia sido invadido por hackers, que recomendavam a instalação de um arquivo para segurança aos clientes que acessassem a página. Na verdade, tratava-se de um ladrão de senhas bancárias.
O ataque não chegou a comprometer dados de correntistas e tampouco causou prejuízos, garante o banco. Mas, seis meses depois, os diretores do Banrisul ainda têm dor de cabeça com o episódio.
No início de abril, Dmitry Bestuzhev, diretor Kaspersky Lab – uma das mais respeitadas empresas de softwares de segurança para a Internet do planeta –, relatou, durante o congresso anual da companhia, o caso de um ataque "sem precedentes" a um banco brasileiro.
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A empresa afirma que a instituição em questão teria ficado pelo menos cinco horas à mercê dos cibercriminosos. Eles teriam conseguido acessar todos os canais digitais oficiais da instituição, incluindo o site de internet banking, mostrando aos clientes o certificado digital, aquele cadeadinho no pé da página que garante que a operação é segura. Potencialmente, os dados de "centenas de milhares" de clientes poderiam ter sido roubados.
Bestuzhev não disse o nome do Banrisul, mas afirmou que o alvo do ataque era "uma instituição de médio porte com cerca de US$ 25 bilhões em ativos, mais de 500 agências e presença no Brasil, na Argentina, nos Estados Unidos, e nas Ilhas Cayman". Uma descrição precisa do banco gaúcho.
Para especialistas presentes no evento, conhecedores do mercado local, é como se o diretor da empresa de segurança tivesse descrito um animal de tromba e orelhas grandes, que vive na savana, sem citar o elefante.
A empresa nega que tenha feito qualquer referência a alguma organização em específico e que não comenta especulações ou conclusões de terceiros.
Mas ao sugerir um ataque com dimensão muito maior ao relatado pela direção do Banrisul, em outubro, acabou lançando dúvidas sobre a transparência na condução do caso. Agora, o banco ameaça processar a empresa.
– Houve uma tentativa de ataque. A empresa foi irresponsável porque a informação é improcedente. Já estamos tomando medidas judiciais para proteger a marca, os clientes e os acionistas – garante um alto executivo do Banrisul.
Informação de terceiros pode ter aumentado ''dimensão'' do ataque
A história preocupa os dirigentes porque atinge o ponto mais sensível de qualquer instituição financeira: a credibilidade. A informação de que o dinheiro depositado estaria desprotegido poderia levar correntistas a uma corrida de saques, fazendo despencar o valor dos papéis do Banrisul no mercado, já que o banco tem ações na bolsa.
Justamente por ser um assunto delicado, analistas evitam falar abertamente. A percepção de três especialistas ouvidos por ZH é de que a empresa provavelmente tenha dado um tom exagerado ao ataque – baseada em informações de terceiros. Como não presta serviços para o Banrisul, não teria como ter acesso a detalhes da investida feita por criminosos.
– Sistemas como esse são construídos em camadas. É possível que os hackers tenham invadido alguma delas, mais superficiais, o que não significa que tenham tido acesso a dados relevantes. Não haveria como esconder dos clientes uma invasão completa – explica um deles.
O protocolo em situações como essa indica a comunicação imediata ao Banco Central, responsável, entre outras coisas, pela supervisão das instituições financeiras no país. Questionado sobre o caso, o órgão afirmou, por meio de nota, que não comenta trabalhos de supervisão específicos.
Quem é a Kaspersky Lab:
Gigante da Internet, foi fundada na Rússia, em 1997. Produz softwares de segurança contra vírus e hackers. Está presente em mais de 100 países e atende cerca de 270 mil empresas ao redor do planeta.
Como foi o ataque à instituição financeira descrito pela Kaspersky Lab:
Os hackers teriam mudado os registros DNS, um protocolo de proteção essencial inventado décadas atrás quando a Internet foi criada. É responsável por traduzir nomes de domínio para os endereços IP dos servidores que hospedam o conteúdo.
Com isso, os hackers teriam conseguido acessar todos os canais digitais oficiais do banco tendo a capacidade de conduzir alguém para um endereço URL ou endereço IP errado. O endereço errado poderia hospedar qualquer tipo de conteúdo nocivo.
Para conseguir esse feito, os criminosos conseguiram acesso à conta usada para registrar o domínio do banco no site Registro.br, a entidade que controla nomes de domínios no Brasil.
Quem acessava a conta era redirecionado para servidores dos criminosos numa plataforma em nuvem do Google – o que, na prática, significa que todos os dados de transações feitas no período podem ter sido capturados. O ataque teria sido tão grande que o banco não conseguia nem mesmo mandar emails para alertar os clientes.
Como foi o ataque, segundo o Banrisul:
O banco admite que sofreu um incidente em seu domínio de internet, cuja origem foi externa à sua infraestrutura, o site Registro.br, a entidade que controla nomes de domínios no Brasil.
Garante que o problema foi imediatamente tratada por seus técnicos, e que, devido ao alto grau de segurança de seus canais, não houve prejuízos a clientes.