O Palácio do Planalto programa uma última rodada de conversas antes do envio da proposta de reforma da Previdência ao Congresso, previsto para o próximo mês. Entre novembro e dezembro, as cúpulas das áreas econômica e política do governo querem se reunir com centrais sindicais e líderes da base para discutir as mudanças, já apresentadas ao presidente Michel Temer.
– A reforma da Previdência já está formatada. É uma reforma para perdurar para sempre – afirmou Temer em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, na segunda-feira.
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A intenção é diminuir a resistência às mudanças, que preveem incluem a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres (com regra de transição) de forma geral – no setor privado, entre servidores públicos, professores ou trabalhadores rurais.
No projeto do Planalto, a reforma não afeta quem está aposentado ou já cumpre os requisitos para pedir o benefício. Homens com menos de 50 anos e mulheres com menos de 45 serão enquadrados nas alterações, que incluem o aumento da alíquota de contribuição do funcionalismo, a pedido dos governadores, e a proibição do acúmulo de pensão por morte e aposentadoria. O governo garante que o teto do benefício será universal.
– O teto será o mesmo para todos. Acima dele, só com previdência complementar – diz um auxiliar de Temer.
Considerada fundamental pela equipe econômica, a idade mínima desagrada às centrais. Ligado à Força Sindical e integrante da base de Temer, o deputado Paulinho da Força (SD-SP) declarou-se contrário à medida que fará parte dos brasileiros trabalhar mais. Dados do governo apontam que, em 2015, a média de idade da aposentadoria no país ficou em 58 anos no regime geral e em 60,7 anos entre servidores públicos da União.
A reforma ainda deve trazer cálculo mais rígido para o ganho do benefício máximo do INSS, exigindo mais de 40 anos de contribuição. Centrais e partidos de oposição vão endurecer.
– Se não topamos mudanças que a (ex-)presidente Dilma (Rousseff) mandou, não vamos aprovar a reforma do Temer, que vai retirar direitos – avisa o deputado Dionilso Marcon (PT-RS).
Presidente terá papel direto na articulação
Ciente de que o projeto provocará dissidências em sua base no Congresso, já que as mudanças afetam de forma direta a população, que cobrará dos parlamentares, o próprio Temer vai entrar nas negociações. Deve participar de reuniões e oferecer jantares, a exemplo do que ocorre na proposta de emenda à Constituição (PEC) do teto, aprovada na Câmara e com previsão de ser votada nos dois turnos pelos senadores na primeira quinzena de dezembro, abrindo espaço para o envio da reforma da Previdência.
Um dos argumentos que serão apresentados é a necessidade de a reforma complementar o esforço da PEC do teto. Consultor de orçamento da Câmara, especializado em Previdência, Leonardo Rolim concorda:
– Sem a reforma, a PEC do teto não vai resolver nem 10% do problema das contas públicas, e, mesmo que a reforma seja aprovada, o governo ainda terá de cortar despesas.
O Planalto prepara campanha publicitária para explicar a proposta, necessária para equilibrar o sistema em um quadro no qual os brasileiros envelhecem e a parcela de jovens que contribuem diminui. As projeções indicam que o rombo da Previdência deva bater em R$ 150 bilhões no regime geral este ano, com a possibilidade de ficar em R$ 200 bilhões em 2017.
– As pessoas precisam entender que, se não for aprovada a reforma, em uma década haverá o risco real de o governo não ter dinheiro para pagar as aposentadorias – alerta o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS).
As Forças Armadas tendem a ficar de fora das mudanças, apesar da pressão de parte da equipe econômica para que os militares possam ir para a reserva mais tarde e as alíquotas de contribuição sejam elevadas.
* Colaborou Marcelo Gonzatto
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Sem a reforma da Previdência, a proposta de emenda à Constituição (PEC) do teto de gastos terá eficiência?
A PEC do teto dos gastos, sozinha, não é suficiente para dotar o país de capacidade de gerar recursos para custear despesas e refinanciar dívidas. Os benefícios pagos pela Previdência crescem à razão do índice de inflação mais a dinâmica demográfica. Ou seja, são reajustados, no mínimo, pela inflação. Nesse ano, a dinâmica demográfica deve subir, mais ou menos, 4%. Então, seria a inflação mais 4%. Acontece que o INSS vai comendo recursos do Tesouro, e não vai sobrar dinheiro para outras despesas. A reforma tem de passar.
O Palácio do Planalto enfrentará resistência para aprovar da idade mínima (65 anos) para aposentadoria. Qual seria a alternativa?
Em primeiro lugar, a Previdência Social tem dois tipos de aposentadorias programadas: por idade e por tempo de contribuição. Na primeira, é um tipo de trabalhador que não é pobre. Acumular 35 anos de contribuição só é possível para segmentos médios e altos da sociedade. É o caso de professores, bancários, metalúrgicos, profissionais liberais. Esses representam um quarto das aposentadorias. Pobre, hoje, já se aposenta com 65 anos. Para esse perfil da sociedade não muda nada. É inaceitável que a gente continue defendendo os interesses de uns e deixando outros como estão. O país se acostumou a privilegiar quem mais grita. E quem grita são grupos organizados. Foi se concedendo, ao longo dos anos, privilégios a esses grupos em detrimento do trabalhador majoritário do país. Não tem alternativa.
Com a resistência de corporações, existe o risco de a reforma atingir apenas o segurado do INSS?
Acho que não ficará restrita ao trabalhador do setor privado. Funcionário público já tem idade mínima. Para todos os trabalhadores civis, há idade mínima, nenhum funcionário pode se aposentar com menos de 60 anos. Se vamos impor idade mínima para todos no setor privado, não tem motivo para não fazer o mesmo para o funcionário público, que já tem privilégios.
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Sem a reforma da Previdência, a proposta de emenda à Constituição (PEC) do teto de gastos terá eficiência?
A PEC do teto não representa os ajustes necessários para um crescimento equilibrado. Ao contrário, trata-se de um retrocesso, um recuo social e econômico, pois a limitação de gastos gerará queda de investimentos e, por consequência, agravamento da crise. O chamado "novo regime fiscal", para ser "eficiente", dependerá de várias mudanças, especialmente a reforma da Previdência, que será colocada como um meio para atingir o fim almejado. Aprovada a PEC, a reforma estará, equivocadamente, justificada como mecanismo necessário e indispensável.
O Palácio do Planalto enfrentará resistência para aprovar da idade mínima (65 anos) para aposentadoria. Qual seria a alternativa?
Ampliar o limite de idade para 65 anos significa excluir da Previdência Social uma enorme parcela de trabalhadores pobres, que passarão a contribuir apenas para proporcionar aposentadorias àqueles que alcançam uma expectativa média de vida de 80 anos. Quem adoece e envelhece usando o SUS morre antes dos 54 anos de idade, como demonstram pesquisas. Seria adequada a limitação da idade em 65 anos desde que ocorresse um sistema de prevenção, proteção e recuperação da saúde. Com a limitação dos gastos e a idade mínima de 65 anos, será uma excelente forma de acelerar a morte de um grande número de trabalhadores que só contribuíram para o sistema. A mesma idade para homens e mulheres é inadequada em face da dupla jornada da mulher. Na cultura brasileira, são as mulheres que realizam serviços domésticos após o trabalho. Além disso, tem a questão da maternidade, que envolve aspectos físicos, biológicos e emocionais, pelos quais os homens não passam.
Existe o risco de a reforma ficar restrita ao trabalhador do setor privado?
Acredito que abrangerá as duas esferas. A reforma da Previdência deveria ser discutida com todos os atores interessados, e não imposta como está ocorrendo.