Para as companhias aéreas, o céu anda nublado há algum tempo. A queda na venda das passagens, reflexo da recessão e da alta do dólar, e o aumento nos custos têm obrigado empresas a reduzir voos em todo o Brasil. Para os passageiros gaúchos, o clima também não anda ameno: apesar do preço mais em conta dos bilhetes, a menor oferta de rotas obriga viajantes a encarar conexões e escalas no sudeste do país e longas esperas em aeroportos.
Em Porto Alegre, o número de decolagens caiu 13% entre o início de 2015 e maio de 2016. Foram 399 a menos, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Das quatro principais companhias que operam voos domésticos no país, três reduziram participação no Salgado Filho: Latam, Gol e Avianca.
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Apesar da quantidade de destinos permanecer a mesma, as empresas têm sido forçadas a reduzir frequências de voos e, em alguns casos, até a cancelar rotas – obrigando agências a repensarem roteiros de clientes e passageiros a modificarem planos. Com menos voos disponíveis, é preciso organizar a viagem levando em conta horário de conexões e considerar possíveis atrasos para não ficar perdido no meio do trajeto, além de correr o risco de ficar sem bilhete se deixar para comprar muito em cima da hora.
O clima turbulento para as companhias áreas foi alimentado pela recessão e, em boa parte, pelo câmbio. Além de deixar as viagens internacionais mais caras e, por consequência, reduzir os embarques, o dólar mais valorizado no período também eleva o custo para as empresas.
A mais pressionada é a Gol. Com prejuízo bilionário acumulado, precisou receber injeção de até R$ 1 bilhão de sua subsidiária, a Smiles, em forma de compra antecipada de passagens. Além disso, suspendeu sete destinos (Miami, Orlando, Caracas e Aruba, no Exterior, e Bauru (SP), Imperatriz (MA) e Altamira (PA), dentro do país) e devolveu cinco aeronaves. A Latam também suspendeu operações em três rotas internacionais (São Paulo-Cancun, Manaus-Miami e Brasília-Orlando) e reduziu em 6% o número de frequências no mercado doméstico.
Tributação do querosone pressiona caixa das empresas
Além da queda na procura, o que mais tem arrochado o caixa das companhias aéreas é o alto preço do querosene, combustível utilizado nas aeronaves, que representa cerca de 35% do desembolso das empresas. Apesar da maior parte da produção já ser realizada dentro do país, a Petrobras continua adotando fórmula antiga no cálculo do custo do produto, levando em conta a variação do dólar.
Volney Gouveia, professor do curso de aviação da Universidade Anhembi Morumbi, lembra que existem dois caminhos para reduzir o impacto do custo do querosene para a aviação. O primeiro é que as companhias pressionem pela unificação tributária – atualmente cada Estado cobra uma alíquota diferente de ICMS sobre o produto – e a outra é tirar o componente dólar do preço do combustível, deixando de repassar a variação cambial como se faz atualmente.
Impacto também para as agências de turismo
O encolhimento da malha aérea não é sentido apenas pelas companhias. Agentes de turismo também têm encontrado dificuldades para organizar o roteiro de viagem dos clientes.
Victor Almeida, dono de agência na Capital, passou por aperto no mês passado. O retorno de uma turma de turistas de Buenos Aires precisou ser realocado depois que a rota direta para Porto Alegre foi cancelada pela companhia aérea.
– O novo voo ia direto para Florianópolis, obrigando eles a pegar conexão para cá. A chegada, antes prevista para 17h, ocorreu por volta da meia-noite. Como a maioria dos clientes era do interior do Estado, acabamos pagando pernoite para todos em um hotel – conta Almeida.
A redução na frequência de voos também gera mudança nos planos dos viajantes. Rotas diretas para o Caribe e para Europa, antes diárias, agora acontecem apenas algumas vezes por semana. Quem planeja embarcar em dia sem voo direto para Portugal, por exemplo, precisa viajar até São Paulo ou Rio de Janeiro ou mudar um pouco a data do passeio.
É o movimento oposto ao observado durante a era dourada da aviação, no início desta década, quando o setor chegou a avançar 20% em um ano. A economia nacional voava em céu de brigadeiro, a demanda por passagens só crescia e os gaúchos passaram a ter o privilégio de viajar para fora do país sem escalas.
Max Alves, agente da Clube Turismo, confirma que a saída do Brasil por Porto Alegre ficou um pouco mais complicada, com mais tempo de viagem:
– A Copa Airlines tinha voos diários para o Panamá, agora, três vezes por semana. As viagens da TAP para Lisboa, a mesma coisa. E a American Airlines desistiu da rota Porto Alegre-Miami.
Alívio no bolso supera inflação
Se por um lado a recessão econômica reduziu a oferta de voos, por outro, ajudou a aliviar o bolso dos passageiros. Levantamento realizado por ZH em voos partindo de Porto Alegre para outras quatro capitais mostra que o preço dos bilhetes está mais barato do que dois anos atrás. Em mais da metade das simulações, foram encontrados custos mais em conta ou valores reajustados abaixo da inflação acumulada no período, de 22,5%.
– O principal entrave é a confiança. Está todo mundo segurando gastos. Em contrapartida, as empresas têm feito promoções muito boas, baixando preços – conta Ronald Zancan, da RZ Turismo, comemorando que a queda brusca do dólar impulsionou as vendas no último mês.
Para o consultor em aviação e sócio da Bain&Company André Castellini, havia antes um excesso de oferta nos voos nacionais e foi preciso a retirada desse excedente no volume de assentos disponíveis em voos domésticos para que as companhias pudessem diminuir os prejuízos:
– O movimento de redução de oferta em um mercado competitivo gera queda de braço entre as empresas.