Um desavisado que dê uma olhada nos números da bolsa de valores e no valor do dólar pode ser levado a crer que o mercado está sedento por sangue. Enquanto a ordem política se esvai em Brasília e o governo parece à beira da ruína, o valor das empresas brasileiras dispara, e o câmbio desaba como há muito não se via - para a alegria dos que pretendem fazer uma viagem ao Exterior ou comprar itens importados, por exemplo.
Ontem, enquanto manifestações eclodiam pelas ruas e o Judiciário barrava a escolha da presidente Dilma Rousseff pelo ex-presidente Lula para chefiar a Casa Civil, o Índice Ibovespa, que mede a valorização das ações mais negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa), subia 6,6%, o que não ocorria em um dia de pregão desde janeiro de 2009. Analistas de investimentos não têm dúvidas: o mercado – este ente misterioso e difícil de decifrar, formado por milhões de compradores e vendedores de ações, dólares e outros títulos – quer uma mudança radical na economia do país.
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E o caminho mais curto para isso, dizem analistas do mercado financeiro, é a queda do governo Dilma Rousseff.
– O mercado trabalha com expectativas – explica Valter Bianchi Filho, sócio-diretor da Fundamenta Investimentos – e quando investidores enxergam que o governo pode mudar, e, portanto, a política econômica trocar de mãos, começam a comprar as ações de empresas esperando que a economia volte a crescer.
A bronca dos investidores com o governo da presidente Dilma tem a ver com a falta de um ajuste fiscal capaz de estancar o aumento da dívida pública e a ausência de apoio político para votar projetos que recoloquem o país em rota de crescimento. O resultado dessas dificuldades estão aí, dizem os especialistas: inflação persistente, queda do produto Interno Bruto (PIB) de 3,8% e alta da taxa de desemprego em 27,4% em 2015.
Reação do mercado a noticiário é rápida, afirma especialista
As maiores valorizações nos últimos dias têm sido de empresas estatais - que, como estão entre as mais negociadas no país, puxam a bolsa para cima. Ontem, após um juiz do Distrito Federal suspender a posse de Lula - e empacar a tentativa de Dilma de escalar um novo articulador para buscar apoio no Congresso e evitar o processo de impeachment -, as ações ordinárias (com direito a voto) do Banco do Brasil subiram 16%. As ações preferenciais (sem direito a voto) da Petrobras inflaram 11,76%.
- O mercado analisa que as estatais seriam as primeiras a se beneficiar com a mudança de gestão, já que sofreram muito com a ingerência desde governo - explica Carlos Müller, analista-chefe da Geral Investimentos. Em sentido inverso - embora dê a mesma referência de humor do mercado -, o câmbio tem sido empurrado para baixo quando o governo parece que vai tombar. Ontem, a moeda americana ficou 2,3% mais barata para os brasileiros, custando R$ 3,65 - e praticamente devolveu o salto que tinha dado dois dias antes. Na segunda-feira, quando crescia a expectativa de Lula se tornar ministro e pressionar Dilma por medidas que poderiam agravar a dívida do país, o dólar disparou 3,5%.
– A reação do mercado ao noticiário é muito rápida, questão de minutos – detalha Vanderlei Muniz, sócio da corretora de câmbio Onnix, que atende grandes empresas – Quando veem que a economia irá piorar, as empresas correm para comprar dólares e garantir o pagamento de dívidas em moeda estrangeira, fazendo o preço subir.
Mas não é apenas a seara política que interfere no câmbio, frisa Muniz. Embora tenha um peso significativo na alta do dólar nos últimos anos, as turbulências de Brasília dividem atenção com a situação da economia internacional.
Na quarta-feira e ontem, os investidores deixaram de comprar dólares depois que o Federal Reserve (FED, o Banco Central americano) sinalizou que não iria elevar os juros básicos da economia – e, portanto, mais dólares continuariam à disposição de mercados emergentes, como o Brasil. Isso favoreceu a queda no preço das verdinhas.