Depois de quase 20 anos sem sair do papel, o plano de ampliação da pista do aeroporto Salgado Filho pode ser enterrado de vez. A mudança de rota, anunciada pelo ministro da Secretaria de Aviação Civil (SAC), Eliseu Padilha, significa jogar R$ 121,4 milhões de recursos públicos pela janela.
A cifra é o que já foi gasto com a desapropriação de milhares de famílias das vilas Floresta e Dique, em projetos para o prolongamento e na ampliação de um terminal de cargas que serviria justamente para atender às aeronaves de grande porte que só poderiam pousar quando a pista estivesse ampliada.
A meta agora é focar esforços na construção do aeroporto 20 de Setembro, provavelmente no município de Portão, na Região Metropolitana. O projeto para o prolongamento foi mais uma vítima do marasmo que atinge a execução de obras país afora.
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A necessidade de uma pista maior para que aviões de passageiros de grande porte e cargueiros abarrotados pudessem pousar e decolar em Porto Alegre foi constatada em meados da década de 1990, mas até 2015 nem um metro havia sido estendido.
Primeiro foi a necessidade de realocação de três vilas. Iniciada em 2009, não foi concluída. Falta a mudança de pelo menos 1.777 famílias. Depois, foi a demora para conclusão do projeto de engenharia.
Entregue em janeiro de 2011 ao Exército para ser refeito, deveria ter sido devolvido em dois meses, mas ficou pronto apenas em outubro de 2013. Ao todo, foram oito adiamentos. A conclusão, quando finalmente chegou, é de que o terreno precisaria receber um tratamento especial para suportar o peso de aviões - o que faria o valor da obra, de R$ 227 milhões, triplicar.
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A avaliação de especialistas de que em menos de uma década o Salgado Filho estará saturado pela demanda de cargas e passageiros pesou na decisão da SAC, que vê como temerário investir recursos vultuosos no aeroporto e aponta que a melhor alternativa é concedê-lo à iniciativa privada em troca da conclusão das outras três obras em andamento: terminal de cargas, ampliação do de passageiros e pátio para aeronaves, que devem custar ainda cerca de R$ 495,6 milhões, segundo a secretaria.
A prefeitura assegura que a realocação das famílias continua. Conforme dados do Departamento Municipal de Habitação (Demhab) o custo para concluir a transferência dos moradores seria de mais R$ 186,5 milhões.
Falta consenso para o projeto
A falta de diálogo entre as esferas responsáveis pela obra é gritante: questionadas sobre os valores dos investimentos, SAC, Infraero e prefeitura da Capital apresentaram valores completamente diferentes.
A opção por priorizar a construção de um novo terminal, no entanto, está longe de ser consenso. Há discordâncias, inclusive, dentro da comissão pró-aeroporto 20 de Setembro. Professor da Faculdade de Ciências Aeronáuticas da PUCRS e integrante do grupo, Elones Ribeiro defende a ampliação da pista como prioridade.
- Um novo terminal é importante, mas não pode aposentar o aumento da pista que, além de permitir receber e enviar cargas mais pesadas, tornará os voos mais seguros. Até porque um novo aeroporto demoraria pelo menos 20 anos para ficar pronto - afirma.
O consultor Nelson Riet, que também integra a comissão, tem avaliação diferente. Para o executivo, não vale gastar mais dinheiro em um aeroporto que ficará limitado em curto espaço de tempo.
Pedindo passagem
Para permitir a ampliação da pista, moradores de vilas, algumas irregulares, ganharão moradias em áreas próximas
VILA NAZARÉ
- O Departamento Municipal de Habitação (Demhab) cadastrou 1.223 famílias, que deverão ser reassentadas em dois loteamentos: um na Rua Senhor do Bonfim, com 364 unidades habitacionais, e outro na Rua Irmãos Maristas, com 1,3 mil. A expectativa é de que as transferências ocorram no fim deste ano e ao longo de 2016.
VILA FLORESTA
- A área já foi desapropriada para as obras de ampliação, mas ainda há moradores em algumas casas. Devido ao impasse sobre o destino das famílias, foi estabelecida a possibilidade de transferi-las para o Residencial Camaquã, cuja entrega deverá ocorrer no primeiro semestre de 2015. Algumas casas vazias acabaram invadidas.
VILA DIQUE
- Foram cadastradas, pelo Demhab, 1.476 famílias para serem transferidas para o Conjunto Habitacional Porto Novo. O processo de remoção começou em outubro de 2009. Do total, 922 famílias já foram retiradas. Restam 554, que deverão ser transferidas gradualmente para a Quadra E do mesmo conjunto habitacional até agosto próximo.
Desapropriadas, casas são invadidas
Dezenas de famílias vivem em uma espécie de condomínio fechado informal próximo ao aeroporto Salgado Filho. Desapropriada para ampliação da pista, parte da Vila Floresta foi cercada de muros após a retirada dos moradores. A grande maioria das casas foi derrubada depois da saída dos inquilinos, mas aquelas que permanecem em pé foram ocupadas por outras famílias.
Também restaram alguns moradores antigos, que receberam dinheiro da Infraero para a mudança, mas permaneceram no local. Um deles é Carlos Varley Silveira, que há 47 anos mora no mesmo endereço. A casa onde reside foi comprada em dezembro de 2010, e o aposentado deveria deixar a residência até março de 2011, mas conta que foi roubado pelo pedreiro que iria construir a nova moradia no Parque Santa Fé e agora não tem para onde ir.
- Eu quero ir embora, mas não tenho outra alternativa senão ficar - diz o morador.
A poucos metros do portão da casa o mato se mistura com o entulho deixado para trás e toma conta de terrenos não ocupados. A filha de Carlos, Thaís Regina, reclama do acúmulo de lixo, com muitos ratos e insetos. Frequentemente ela vê chegar alguém para ocupar as casas desapropriadas.
Para as autoridades, o endereço de Carlos e dos outros residentes não existe. Os Correios não entram para entregar cartas, e os moradores acabaram improvisando próximo ao muro uma caixa para receber correspondências.
Em nota, a Infraero diz não ter conhecimento de invasões nos locais cercados. Em um dos muros, está pintado um alerta da empresa informando que a entrada é proibida na área.