Quando Juliana, Carlos e João assumiram a Banca 40, no Mercado Público de Porto Alegre, em 2011, ensaiaram uma reformulação da marca. Pensaram em rebatizá-la de sorveteria. Não daria certo, já que pretendiam vender também sanduíches, pratos saudáveis e outras sobremesas. Restaurante, então? Não se encaixava no conceito de estabelecimento menos formal, mais jovem. Lancheria? Nem pensar. Escolheram manter apenas Banca 40.
- Não adianta, o nome é esse - resume Carlos Heitor Bastos, um dos três investidores.
Localizada na área central de um dos marcos culturais, comerciais e arquitetônicos de Porto Alegre, a Banca 40 teve sua história construída
em paralelo com a do Mercado Público. O estabelecimento surgiu há 87 anos, quando o padeiro português Manuel Maria Martins, dono de uma chácara em Guaíba, comprou uma fruteira no Mercado e passou a vender a própria produção. À época, a logomarca era uma maçã.
- No verão, ele começou a fazer salada de frutas com sorvete batido à mão, de forma artesanal. Até hoje, usamos as mesmas receitas - conta Bastos, formado em Direito.
Desde então, a banca passou a ser conhecida pelos sorvetes e pela salada de fruta - até 1945. Nesse ano, refugiados da II Guerra Mundial instalaram-se em Porto Alegre e passaram a frequentar o Mercado. Quando iam ao estabelecimento do "seu Manuel", pediam para acrescentar nata aos produtos. Como os pedidos eram reincidentes, a iguaria passou a fazer parte do cardápio. Surgiu a Bomba Royal, até hoje o produto mais lembrado da Banca 40. São três sabores de sorvete, frutas e, claro, nata.
- Lembro de uma vez em que um cara chegou aqui, pediu uma Bomba Royal, sentou sozinho e, quando botamos a bomba na mesa, ele começou a chorar. Falou que o pai, morto recentemente, o trazia aqui - recorda João Bonnel Júnior, o sócio-gerente.
Outra história envolvendo a sobremesa é contada com ares de lenda: em 1991, o famoso passeio de Bob Dylan por Porto Alegre guiado pelo escritor Eduardo Bueno, o Peninha, teve passagem pela Banca 40:
- O Peninha conta que o lugar que o Dylan mais gostou foi aqui, porque ele conseguiu sentar e comer tranquilo, ninguém o reconheceu.
Quando o grupo de sócios adquiriu a banca de Madalena, a terceira e última na sucessão da família Martins, há três anos, o grande desafio foi manter a tradição enquanto modernizava processos, principalmente para atender a exigências sanitárias e de segurança. Foi contratada uma nutricionista, os dois sorveteiros passaram por cursos profissionalizantes, a cozinha foi reformada, novo maquinário foi comprado, toda parte dos fundos foi modificada e a fachada ganhou traços mais modernos - a logomarca, que antes era caracterizada por uma maçã agora enfatiza o número da banca. O quadro de funcionários aumentou: são 32, entre cozinha, administração e atendimento.
Júnior explica que a reformulação era urgente por dois motivos: com o público fiel envelhecendo, era necessário alcançar os mais jovens. Além disso, as refeições oferecidas (basicamente, sorvete, pastel e xis) eram pouquíssimo consumidas antes do horário de almoço, o que fazia com que a banca ficasse praticamente parada por quase cinco horas.
- Hoje oferecemos café da manhã com pão integral e sucos, no almoço temos frango, saladas. Aumentamos a gama de produtos - explica Júnior.
- No inverno, tivemos a ideia de fazer um festival de sopas, porque precisávamos trazer um público que não viria por causa do sorvete. Deu supercerto - conta Juliana Lança da Cunha, a terceira sócia, também formada em Direito.
Fortalecer e divulgar a marca, com cardápio saudável e variado, é o objetivo de Juliana, Carlos e João para 2014, além de aumentar em 50% o faturamento.
Vídeo: sócio conta como novos proprietários estão remodelando a Banca 40
Invenções de seu Fio deram certo
Em suas quase nove décadas de história, a Banca 40 passou por três incêndios (1972, 1979 e 2013), uma enchente (em 1941) e uma restauração completa do Mercado Público. Fiorindo Alves de Miranda, o empregado mais antigo, estava em boa parte desses momentos. Ele foi contratado em 1978, ano em que Manuel morreu e seu filho, Fernando, assumiu a empresa. Desempenhou diferentes funções e, atualmente, é quem vai semanalmente à Ceasa selecionar as frutas. Também usa a experiência para monitorar o trabalho dos outros funcionários na cozinha - apesar de a grande maioria ter quase o mesmo tempo de casa de seu Fio, como ele é conhecido.
Quando assumiu a banca, em 1978, Fernando mostrou-se avesso a mudanças. Fio, por outro lado, fazia pesquisas informais nos restaurantes do Centro e angariava ideias para fazer o negócio crescer - a maioria nunca era posta em prática. Quando Fernando viajou para Portugal com a mulher, a passeio, Fio viu ali uma oportunidade: sem o administrador presente, implementou a banana split e a salada split no cardápio.
O dono voltou e teve de se render ao sucesso dos produtos.
No ano passado, quando o Mercado foi atingido por um incêndio, Fio, os funcionários e os donos correram ao Centro. Pelas imagens da televisão, achavam que perderiam tudo.
Depois do incêndio, o mais difícil foi ficar sem trabalhar. Fio compara os 38 dias parado à época em que o Mercado passou pela reforma geral que instalou cobertura na parte central do prédio, integrou os pisos inferior e superior e manteve algumas lojas paradas durante um ano - a Banca 40 não funcionou em 1996. Fio ganhou outra função, num prédio anexo, mas conta que ia diariamente ao lugar - nem que fosse para fitar o prédio por alguns instantes.
Perfil
Fundação: 6 de janeiro de 1927
Localização: Porto Alegre
Descrição: banca localizada no Mercado Público especializada em sorvetes, saladas de frutas e refeições naturais
Produtos: 66 produtos no cardápio
Clientes: cerca de 1,5 mil pessoas passam pela banca por dia
Número de funcionários: 32
Faturamento em 2013: R$ 1,5 milhão (projeção de R$ 2,2 milhões para 2014)