A casa que está sendo demolida aqui fazia parte de um complexo habitacional onde um menino de dois anos, provavelmente correndo atrás de um cachorro, pulou uma cerca no ano passado e se afogou em uma poça de água escondida atrás de uma dezena de casas em construção abandonadas.
Contratado para fazer o serviço, John Burke ficou impressionado com o fato de que as casas que ele estava prestes a derrubar já foram colocadas à venda por mais de US$ 450 mil cada. Ele estimou que estava prestes a destruir US$ 500 mil em construções abandonadas.
- Não dá para fazer nada com essas casas - , afirmou. Enquanto seus funcionários faziam pilhas organizadas com os cartazes colocados em torno do projeto, que prometia um estilo de vida idílico. - O custo para terminá-las seria alto demais. Não existe um mercado desse tipo por aqui. Não há empregos na cidade e deixá-las abandonadas é perigoso demais -
Não havia nenhum sinal mais claro da bonança econômica pela qual a Irlanda passou há uma década do que seu mercado imobiliário, que viu um crescimento impressionante nos preços e no número de construções. E nada ilustra melhor os custos e as dificuldades da recuperação pós-crise que o destino das milhares de casas que nunca ficaram prontas ou que foram feitas com material de baixo padrão.
Outros países com problemas similares, como a Espanha, também estão enfrentando esse problema, mas nenhum chegou ao ponto da Irlanda, que pretende demolir 40 conjuntos habitacionais problemáticos até o fim do ano que vem e cogita ainda mais demolições no futuro, segundo as autoridades.
Porém, em um país em que, segundo estimativas do governo, ainda existem 1,3 mil moradias-fantasma e, possivelmente, centenas de milhares de casas novas desocupadas, o programa de demolição não faz nem cócegas no problema. O ritmo das construções foi tão acelerado nos anos 2000 que, em certa época, o número de casas novas per capita era quatro vezes maior do que nos Estados Unidos.
Durante esse período, a Irlanda permitiu que as construções fossem inspecionadas com base na confiança e, como consequência, muitas pessoas pagaram caro demais por casas que correm risco de incêndio, de afundar, ou foram construídas com alicerces problemáticos e sem sistema de drenagem, um problema que é ainda mais difícil e caro para resolver.
Na cidade de Ballymahon, Debbie Cox pagou cerca de US$ 255 mil por sua casa geminada em 2005. Contudo, quando chove forte o cheiro de esgoto na frente da casa fica insuportável. Ela deu todos os móveis do jardim porque eles sempre afundavam na lama do quintal e o encanamento sempre congela no inverno, pois foi colocado muito perto da superfície.
Cox duvida que consiga vender a casa por mais de US$ 95 mil. A maioria das outras casas de seu conjunto habitacional, o Hawthorn Meadows, a cerca de duas horas de carro de Dublin, foi alugada por cerca de 500 dólares ao mês. Ela paga em torno de US$ 1,1 mil por mês só de hipoteca.
- Não acho que a Irlanda esteja bem. Não mesmo. E as outras pessoas na mesma situação que nós? -
Ao todo, o preço das casas irlandesas continua quase 50% abaixo do que eram no auge em 2007. Até mesmo nos arredores de Dublin é possível encontrar empreendimentos imobiliários com muitas casas vazias. Muitos dos que vivem nas casas pagam aluguel e, em muitos casos, as janelas dão vista para construções abandonadas rodeadas de cercas de arame farpado.
Contudo, nem todas as notícias a respeito do mercado imobiliário do país são ruins. À medida que a Irlanda se torna o primeiro país da zona do euro a se recuperar do programa de ajuda internacional nas próximas semanas, especialistas afirmam que a demanda por casas tem aumentado em Dublin, em especial casas em determinados bairros.
Entretanto, a maioria das moradias-fantasma fica em condados no centro e no oeste do país, incluindo Cavan, Donegal, Roscommon e Longford, quase sempre no interior, onde as construtoras receberam incentivos fiscais para construir e onde os efeitos da crise econômica ainda são óbvios. As ruas principais dos vilarejos estão repletas de lojas vazias e as autoridades locais continuam frustradas.
O condado de Longford, onde Cox vive, recebeu cerca de 1,4 milhão de dólares do governo central para fazer reparos em empreendimentos como o dela no ano passado. Porém, Brian Ross, engenheiro executivo sênior do condado a cargo dos conjuntos habitacionais com problemas, afirmou que precisa de pelo menos 10 vezes mais dinheiro para "resolver metade do problema". A jurisdição do condado se resume a um punhado de espaços públicos e não há dinheiro para os problemas de dentro das casas, como a falta de isolamento térmico.
Estima-se que 12.500 donos de casas também estejam lidando com os danos causados pela pirita, uma substância que cria rachaduras e fissuras profundas no alicerce, no teto e foi usada com grande frequência durante o boom imobiliário. Acredita-se que a conta para os 1.000 piores casos deva passar dos US$ 70 milhões.
O Instituto Nacional de Análise Regional e Espacial da Universidade Nacional da Irlanda, em Maynooth, concluiu em 2010 que havia mais de 300 mil casas novas vazias na Irlanda, além de 621 conjuntos habitacionais com mais de 12 casas que estavam desocupadas ou que não haviam sido terminadas.
Mais recentemente, autoridades do governo identificaram cerca de 2 mil conjuntos habitacionais desocupados ou incompletos. Desde então, afirmam as autoridades, medidas de contenção reduziram o número para cerca de 1.300. Cerca de 40 mil famílias vivem nelas. Porém, mesmo quando identificam que é pouco provável que sejam terminados ou venham a ser habitados, a demolição não é tão simples. Muitas dessas construções estão envolvidas em processos e procedimentos de falência.
No auge do boom imobiliário, algo entre 12 e 15 por cento das construções eram visitadas por inspetores, afirmam especialistas, comparado com 100 por cento nos EUA e na maior parte da Europa. A maioria dos especialistas crê que o custo para resolver os problemas acabará recaindo sobre os contribuintes.
- As construtoras não vão derrubar o que deixaram para trás. Elas estão todas quebradas, ou então teriam terminado de construí-las - , afirmou Rob Kitchin, diretor do Instituto Nacional de Análise Regional e Espacial.
Em Longford, existem diversos conjuntos habitacionais com problemas, afirmou Ross. Uma parte do empreendimento que estava afundando já foi demolida. Entretanto, a parte que ainda ficou de pé está em condições lastimáveis. Mesmo do lado de fora, as casas de Gleann Riada exibem a presença de mofo e o mato cresce em algumas das calhas.
Um proprietário afirmou que as autoridades locais haviam asfaltado a rua recentemente e instalado câmeras de vigilância. No entanto, durante algum tempo, afirmou, o sistema de esgoto estava em tão mal estado que o gás metano estava se acumulado sob as casas. Houve duas explosões e os moradores foram instruídos a não fecharem as janelas, mesmo durante o inverno, e não acender nenhum tipo de fogo.
- O que podemos fazer? - , questionou o proprietário, que não quis revelar o nome temendo que os vizinhos ficassem bravos por ele ter falado mal do conjunto. - A gente tem que dar um jeito - .
Especialistas afirmam que alguns donos de casas de baixo padrão podem parar de pagar as hipotecas, causando ainda mais problemas aos bancos irlandeses. O número de pessoas que deixaram de pegar continuou vem crescendo no último trimestre, chegando a 99.189, 1.315 mais no trimestre que terminou em setembro, de acordo com dados do Banco Central Irlandês.
Alguns donos de casa na Irlanda se mudaram para a Inglaterra para tirarem proveito das leis de falência mais simples do país. Recentemente, a Irlanda simplificou as leis de falência do país, porém, elas ainda são mais complexas que as da Inglaterra. Jan O'Sullivan, ministro da habitação da Irlanda, afirmou que em muitos casos os bancos simplesmente teriam que perdoar as dívidas dos proprietários.
Enquanto isso, Cox e o marido afirmam que se sentem abandonados e ainda não sabem qual será o próximo passo. - Foi uma frustração tão grande. A casa que estava em exposição era linda -
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