Lançado em 1887, o livro Norte contra Sul, de Júlio Verne, registrava, em forma de ficção, a realidade da Guerra de Secessão americana, ocorrida de 1861 a 1865, na qual o norte abolicionista combatia o sul escravocrata. Quase 150 anos depois, há outra guerra, também econômica, documentada desta vez em um livro de negócios: Ruptura Global, de Ram Charan. Quem toma a iniciativa da luta agora é o sul - não dos Estados Unidos, mas do planeta Terra. A guerra é por empregos e a terminologia que caracteriza os combatentes muda: em vez de abolicionistas erguendo-se contra escravocratas, são seguidores rebelando-se contra líderes.
Menos explícita e mais sutil do que o conflito de Verne, a guerra vista por Charan ainda está longe de ser admitida oficialmente. Gestores a estão sentindo na pele, mas sem compreendê-la estruturalmente. Coube a Charan, que trabalha como coach de CEOs e consultor de multinacionais, sistematizá-la. Se estiver certo, a guerra por empregos do século 21 está apenas começando e vai deixar um longo rastro de mortos e feridos nos negócios. Entretanto, como em qualquer combate, muitos personagens têm chance de sobreviver. A seguir, confira algumas das ideias de Charan.
Interpretar o mundo
Como recomendação principal, Charan afirma que todo líder tem de compreender, para valer, os diferentes países e culturas em que sua empresa atua e também precisa mapear a movimentação entre eles. Se fosse dar apenas um conselho, o consultor escolheria este: que os executivos se dediquem a entender o novo contexto multicultural em que passam a viver daqui por diante.
Ao fazer essa declaração, Charan parece estar pensando principalmente no líder nortista, que é seu cliente habitual, mas ele insiste que também o líder sulista precisa esforçar-se para ampliar seus conhecimentos. No fundo, quem lidera no Sul é bem informado sobre as economias do norte, mas não sobre as outras sulistas. De fato, muitos líderes brasileiros tradicionalmente viram as costas para a América Latina, acrescenta. De acordo com Charan, "todo líder precisa arrumar tempo para obter informações sobre os países".
Cuidar da cautela
Charan destaca que as empresas precisam estar conectadas com as mudanças externas. As companhias brasileiras podem saber fazer isso melhor do que as europeias, como diz o consultor, mas não tão bem que as deixe blindadas.
Para Charan, o hábito mais difícil de mudar talvez seja o de dar prioridade aos resultados de curto prazo. Isso precisa acabar, avalia. As empresas devem pensar principalmente em sua sobrevivência em longo prazo, sem se dobrarem às expectativas e à pressão de analistas e investidores de bolsas de valores. Longo prazo não tem nada a ver, contudo, com cautela excessiva, segundo o especialista.
Entusiasmo entre líderes
Os países do sul devem reduzir sua dependência da exportação de matérias-primas, avalia Charan.
- Não é possível continuar a se concentrar em exportar matéria-prima para a China, como tem feito o Brasil, por exemplo - enfatiza o especialista. - O Brasil ainda vive um crescimento baixo e precisa encontrar logo uma forma de aumentá-lo.
Charan faz questão, no entanto, de declarar sua admiração:
- Sou um grande fã dos líderes empresariais brasileiros. São realmente excelentes e muito internacionais.
Apetite para mais riscos
Na prática, como um líder aprende a se adaptar a um novo contexto de mundo? Charan enfatiza que ele deve desenvolver com urgência duas habilidades. Confira.
Olhar de fora para dentro
- O executivo precisa se sentar fora da empresa e também fora de seu país e observar ambos com um olhar desapaixonado, para realmente entender o que está acontecendo - ensina o consultor.
Olhar para o futuro
- O executivo tem de projetar o que vai acontecer daqui a 10 anos e, então, retroagir. Só assim ele terá ideia do que fazer em seguida. Muitas pessoas passam o tempo todo olhando para a história e, atualmente, isso não ajuda - explica Charan.
Essas habilidades citadas acima pedem que se desenvolva um apetite para riscos, algo que muitos CEOs e conselhos de empresas do norte não costumam ter, conforme Charan, e os de alguns países do sul, como o Brasil, tampouco. Segundo o especialista, o crescimento simultâneo da economia de vários países está transformando a expressão "larga escala" em algo jamais visto e de maneira muito rápida, e, para entrar nesse jogo, é preciso correr riscos.
A boa notícia, válida para qualquer empresa, é que um risco hoje é mais compartilhado, uma vez que se pode contar com cada vez mais empregados estrangeiros.
Atenção às tendências
Todos os líderes, incluindo os de pequenas empresas, devem acompanhar seis tendências para sobreviver. Confira como o consultor Charan resume isso:
O mundo está em uma transição inevitável para uma distribuição mais equânime de oportunidades e riqueza, instigada por um motivo irrepreensível: o desejo das pessoas de ter uma vida melhor.
Como o sistema financeiro global, que conecta as economias de todos os países, é altamente instável, a incerteza persistirá.
A guerra por empregos deve tornar-se crônica. O desemprego, contudo, tende a diminuir.
Os governos são inclinados a ajudar mais suas empresas, o que pode beneficiar, direta ou indiretamente, qualquer companhia. Se você presta serviços a uma estatal, pode ganhar indiretamente com isso.
Companhias do norte formam parcerias com empresas do sul como forma de luta, seja por conta de exigências de contrapartidas em termos de propriedade intelectual e transferência de tecnologia, seja por iniciativa própria.
A dinamização econômica do sul deve gerar problemas ambientais que preocuparão tanto o sul quanto o norte. Mas isso criará uma série de oportunidades de negócios.