Em um minuto, atenção à Selic, a taxa básica da economia, que poucas horas depois viria a ter sua primeira alta, após 20 meses de queda e ou estabilidade. No outro, como o Brasil pode voltar a ocupar a preferência dos investimentos do Exterior, posto perdido agora para o México. E, em seguida, conversa sobre outra grande paixão, além da economia: a arte contemporânea brasileira, da qual tem respeitável acervo de mais de mil obras, com predileção por Volpi, gosto que deve ter alguma raiz na família de intelectuais, dona da editora que leva seus dois primeiros nomes e responsável por lançar obras importantes da literatura nacional. Parte das pinturas, esculturas e fotografias, aliás, emprestadas à sede do Credit Suisse no país por seu presidente - o carioca José Olympio Pereira.
Observador privilegiado da cena econômica, o engenheiro com MBA em Administração, casado e pai de três filhos, há um ano dirige a filial da tradicional casa bancária suíça. Para quem há 28 anos transita no mercado financeiro, pode não parecer mistério algum. Mas é, sim, grande desafio, pois o banco, no mundo, tornou-se maior interlocutor de megainvestidores, enquanto aqui não fica por menos: lidera aberturas de capital das empresas. Nos últimos 10 anos, levantou aos clientes que optaram por IPOs US$ 35 bilhões, com participação em processos de chegada à bolsa de quase 70 companhias brasileiras.
Outro foco de atuação do Credit Suisse é ser o banco de investimento das grandes empresas que precisem de capital para financiar o seu crescimento e de todos os investidores institucionais. E também de pessoas físicas de alto poder aquisitivo que queiram alocar seus recursos no país. Parte desta missão está sendo transferida agora, no mercado local, ao novo diretor regional do banco - o executivo Geraldo Corrêa.
Olympio e Geraldo estavam, até pouco tempo, em campos opostos. Literalmente. Enquanto o carioca, 50 anos, torcia para o Fluminense derrotar o Grêmio na Libertadores, o gaúcho, dois anos a mais, sonhava justamente com o contrário.
Deu empate na Arena, mas o resultado não deve se repetir a partir de agora. Querem jogar do mesmo lado na partida que, no fundo, é o sonho de todos os brasileiros: desenvolver cada vez mais o país a partir de expansões regionais, como explica Corrêa, ex-vice-presidente do Grupo RBS:
- Nos últimos 30 anos, estive vinculado a uma instituição que me permitiu exercer minha atividade com muito orgulho e entusiasmo, pois tenho total identificação com os valores e princípios de gestão da RBS. E com sua obsessão em ter produtos com grande qualidade, pautado por um jornalismo independente. Agora, estou me associando a outra instituição que, por sua reputação e credibilidade, me permitirá também ter atividade focada aqui no Sul com o mesmo orgulho, entusiasmo e energia para oferecer aos empresários locais soluções voltadas a suas necessidades.
Zero Hora - No ano passado, o governo tachou de piada a projeção do Credit Suisse de que o país cresceria apenas 1,5%, mas a ironia revelou-se ainda pior, já que o PIB aumentou irrisório 0,9%. Tem mais piada a caminho?
José Olympio Pereira - A nossa projeção oficial é de 4% ao ano em média, pode ser 3,5%, não é científica. Estamos mais positivos frente ao crescimento deste ano. Apesar do PIB de 0,9%, houve taxa de desemprego bastante baixa e declinante, mercado de consumo ainda aquecido. Grande parte da população não sentiu o PIB de 0,9%. Para ela, a situação esteve bem, basta ver os índices de popularidade de nossa presidente ainda em alta. De fato, temos setores que se comportaram de uma forma muito diferente, como o de caminhões, com contração enorme, e que, neste ano, está bem melhor, como também a indústria automobilística. Vale destacar que os ligados ao consumo continuam indo muito bem.
ZH -A política de estímulo ao consumo esgotou?
Olympio - Acreditamos que ainda há um grande espaço para expansão do consumo. Você tem, por exemplo, ascensão mesmo dentro da própria classe C. E tem a redução do patamar do juro e dos spreads bancários, além da expansão do crédito. É claro que temos fatores estruturais no Brasil que precisam ser resolvidos, como gargalos da infraestrutura, melhoria grande na educação e aumento da competitividade.
ZH- A política de juro mais baixo veio para ficar? Estamos às vésperas de alta da taxa básica (a entrevista foi na quarta-feira). Não pode retrair mais o crescimento?
Olympio - Acho que focamos demais neste aumento de agora. O mais importante é a mudança do patamar de juro. Vivíamos um patamar de 12% a 15%, mas mudamos. E, se tiverem de subir para controlar a inflação, indo de 7,25% a 8%, até 9%, ainda estaremos na casa de um dígito. O governo nem deveria ter esta preocupação excessiva, mas, sim, com a inflação, porque a conquista do juro veio para ficar. Mesmo com a alta, não estamos jogando fora a vitória do juro baixo. O que precisamos é restaurar a confiança dos empresários para investir no Brasil, grande problema que, aliás, foi o responsável pelo PIB desabar.
ZH - Há temor de descontrole da inflação?
Olympio - O governo já percebeu que precisa se interessar muito, basta ver a possível alta do juro. E acho correto, pois é o instrumento consagrado mundialmente para contê-la.
ZH - Às vezes, remédio pode matar o paciente debilitado.
Olympio - Não acredito que, no patamar em que nos encontramos, uma subida para 8,25%, 9% mudará grande coisa. O impacto na ponta do crédito pessoal é muito pequeno.
ZH - O Credit Suisse é forte em IPOs (abertura de capital das empresas), o senhor até previu que se alcançaria um total de US$ 6 bilhões neste ano. No cenário atual, qual ramo teria mais sucesso ao ingressar na bolsa?
Olympio - Somos o principal agente de capital de longo prazo e garanto que minha previsão será largamente superada. Mas este mercado sofreu retração importante nos últimos anos, até porque o investidor de bolsa, de portfólio, está descontente com o que tem visto acontecer no país. Apesar disso, temos setores que atraem muito interesse. Temos mercado aberto, mas seletivo. O apetite pelo Brasil hoje é seletivo.
ZH - Como deixá-lo mais atraente ao investidor?
Olympio - Com estabilidade de regras, saber que o investimento dele terá capacidade interessante de retorno. O governo reconheceu que, nos projetos de concessão, devem ser oferecidas condições atraentes para remunerar investimento.
ZH - Concorde-se ou não com eles, o país tem marcos regulatórios, respeito a contratos e melhor taxa de retorno. Mas perdeu posto de "querido" do mercado para o México.
Olympio - Certamente para o México. Somos (Credit Suisse) a maior corretora da Bovespa, responsável por 12,9% do total negociado. E o que temos visto é uma venda líquida de investidores estrangeiros de portfólio, reduzindo sua exposição no Brasil. Mas vemos investidores mais a longo prazo confiantes no país. Estamos, porém, em rota que não é boa.
ZH - Como se recupera esta primazia?
Olympio - O Brasil tem todo o potencial para ser um polo de atração de investimentos globais. Mas precisamos entrar em rota de confiança e estabilidade de regras, de ser um país propício a investimentos com bom retorno. É isso que falta.
Entrevista ZH
'Não estamos jogando fora a vitória do juro baixo'
Presidente do Credit Suisse no Brasil fala a ZH
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