Eles chegam desmontados, entram por diferentes portos brasileiros e concorrem no mercado como se fossem produtos de fabricação nacional. A entrada de calçados ainda não montados vindos da China para o Brasil tem dividido opiniões entre empresários do setor calçadista. A questão não é consenso nem mesmo entre integrantes da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados).
Sem a sobretaxa de 182% determinada pelo governo, componentes chineses estão entrando no mercado brasileiro com preço abaixo do preço do custo dos produtos similares nacionais, desequilibrando a concorrência.
Entre os fatores que tornam o produto da China mais barato está a mão de obra. Empresários do setor acreditam que o custo de uma hora trabalhada por um funcionário brasileiro equivale ao custo de 12 horas de trabalho de um chinês.
Isso fez com que grandes empresas optassem por importar ao menos parte de seus componentes do país asiático. Muitos empresários estão indo além, importando da China mais de 90% do material, e apenas finalizando o processo industrial no Brasil. O governo, no entanto, estipula que um calçado nacional pode ter, no máximo, 60% de seus componentes vindos de outros países.
Desde setembro de 2009, quando o Brasil passou a aplicar uma sobretaxa de US$ 13,85 (R$ 28,12) por par de calçado chinês, as exportações de componentes cresceram bastante. No país asiático é fabricada toda a parte de cima do produto, chamada de cabedal. Vêm de lá também os solados e as palmilhas usadas nos modelos.
Para a Abicalçados, ficou claro que o objetivo de parte dos importadores era driblar a sobretaxa, que encarece o produto chinês. Em abril desse ano, a entidade protocolou um pedido para que as importações dos componentes também fossem taxadas.
A polêmica criada entre os fabricantes é relativa aos reflexos dessas importações. Ao mesmo tempo em que desequilibrariam a concorrência por preço no mercado interno, os calçados desmontados vindos da China geram milhares de empregos em fábricas no Brasil, que são responsáveis por fazer a montagem dos modelos.
- O que se questiona é o fato de alguns importadores trazerem todas as partes do calçado e fazerem apenas a montagem aqui. Na verdade, acabam tirando empregos, porque a maior parte da fabricação é feita na China. Além disso, esse produto entra no mercado por um preço muito inferior ao do fabricante nacional - explica o diretor executivo da Abicalçados, Rogério Gustavo Dreyer.
Produzindo calçados a partir de cabedais, solados e palmilhas chineses, a empresa paulista Fluxo Calçados Comercial terceiriza toda a montagem de seus modelos em cidades do interior do Rio Grande do Sul. São 12 fábricas contratadas pelo importador que geram cerca de 1,5 mil empregos diretos. Caso todo o processo fosse feito aqui, seriam pelo menos o dobro de trabalhadores empregados.
- Tenho 300 funcionários que vivem desse emprego. Sei que essa concorrência é ruim para as empresas nacionais, mas seria muito pior se não tivéssemos esses postos de trabalho - afirma um empresário, que por já ter sido pressionado por outros donos de fábricas, preferiu não ser identificado.
Abicalçados recorrerá de decisão do governo
Depois de investigar as importações, no início deste mês a Câmara de Comércio Exterior (Camex) determinou que os cabedais e solados vindos da China receberiam uma sobretaxa de 182%. No entanto, o órgão montou uma lista com 95 empresas que seguirão importando sem pagar a taxa.
A decisão desagradou a parte do setor calçadista, em razão de uma suposta falta de critérios na escolha das empresas relacionadas, além de limitar o acesso de indústrias que fariam importações regulares. A Abicalçados pretende recorrer da decisão.
Legalidade de operação pode levantar dúvidas
Importar da China componentes para fabricação de calçados não é ilegal. Grandes fabricantes brasileiros utilizam materiais vindos do país asiático como forma de diminuir seus custos de fabricação.
De acordo com o consultor da Abicalçados Adimar Schievelbein, um calçado considerado brasileiro deve ter pelo menos 25% do processo de fabricação feito no Brasil.
- Existem grandes marcas com mais de 90% de componentes importados, com agregação local de cerca de 20%, cujo calçado é tido como nacional. Essa prática é crime fiscal, e é conhecida como elisão. Estão apenas driblando a tarifa antidumping e, mesmo assim, algumas delas estão na lista das 95 que podem importar - ressalta o consultor.