Até pode ser em outros países. No Brasil, segundo a Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual (Abeme), os cosméticos sensuais lideram a preferência da clientela com larga vantagem. Trata-se dos gelzinhos íntimos para esquentar, esfriar, contrair, anestesiar e assim por diante, muito populares entre casais. O que nos leva à derrubada do segundo mito. Ao entrevistar um grupo tão numeroso de mulheres, Luciana acreditava que encontraria ao menos uma que se dissesse 100% realizada sexualmente apenas com o uso de produtos eróticos. Não encontrou uma sequer. Talvez a única unanimidade do estudo é que parceria na cama é insubstituível, por mais incríveis que possam ser as sensações do estímulo solitário. Sim, um dos grandes motivadores para o consumo de produtos eróticos é apimentar a relação a dois. Porém, isso não quer dizer que a vida sexual do casal precise estar abaixo do normal antes de receber a tal pimenta. A vontade e a curiosidade de novas experiências pode vir ainda mais forte entre quem já tem uma boa dinâmica na cama. Não é apenas remédio para a libido. Outro erro, aponta Luciana, é fazer julgamentos morais sobre quem adquire produtos eróticos. Entrevistando somente consumidoras, não se verificou relações entre esse comportamento e qualquer característica desabonadora na vida sexual, como vícios, fetiches inconfessáveis ou casos de infidelidade. O espírito da coisa é apenas diversão a dois (ou a um). São movimentos cíclicos. Até os anos 2000, sex shops ainda abrigavam cabines para assistir a filmes pornô, o que atraía homens e afastava mulher. A partir de 2005, quando a pornografia via internet esvaziou as cabines, as lojas passaram a se dedicar exclusivamente à clientela feminina. Hoje, há um movimento de reaproximação com os homens, para que casais frequentem juntos. Pelo contrário. O fato de as lojas darem preferência hoje a consumidoras mulheres se deve muito ao comportamento delas como influenciadoras nos seus grupos de amigas, parentes, colegas de trabalho etc. Vendedoras de produtos eróticos fazem largo uso do pós-venda, voltando às clientes para saber o que funcionou, o que não funcionou, e aí aperfeiçoar as recomendações. Foto: Pixabay Luciana é categórica: vergonha, nervosismo e medo permearam todos os relatos sobre a primeira ida à sex shop. A porta de entrada foi mencionada como o principal obstáculo, físico e simbólico. Para facilitar, boa parte das lojas prefere uma fachada discreta ou exibir apenas lingeries na vitrine, diminuindo o constrangimento das clientes de serem vistas entrando no estabelecimento. Entre as observações detalhadas e informais, Luciana pesquisou 13 estabelecimentos em Rio, São Paulo e Londres. Reparou que a principal caraterística da decoração, cada qual a sua maneira, era estabelecer ambientes femininos que beiravam ao estereótipo nas cores e nos móveis. O objetivo é que a mulher se sinta confortável e, mais do que isso, segura entre pessoas como ela. Por mais que tentasse, Luciana não conseguiu estabelecer uma média de idade para o consumo de produtos. Nas lojas, comenta-se que a clientela é "dos 18 aos 78". Pode englobar tanto mulheres bem casadas de meia-idade quanto um grupo de jovens, por exemplo, ajudando uma das gurias a comprar um vibrador para encarar um tempo de namoro à distância. Há de tudo. Luciana observou que a compra de um produto erótico pode estimular um casal a conversar sobre sexo, algo que pode ser raro em certas dinâmicas de relacionamento. Ou o produto também ajuda fazendo justamente o contrário, desobrigando a mulher a falar para o parceiro que deseja realizar determinada fantasia. Para bom entendedor, um presentinho é o suficiente para captar um desejo. A oferta farta de feirinhas de produtos eróticos em chás de lingerie já aponta a tendência. Nas cidades do Interior, onde não há sex shops como nas grandes capitais, a venda de produtos eróticos se assemelha às marcas de cosméticos, com mulheres revendedoras em ambientes de forte presença feminina, como salões de beleza. No site da Abeme, há dicas para interessadas. Segundo as mulheres pesquisadas, a maior parte dos parceiros não via nenhum problema nas parceiras usarem brinquedinhos para estimular o clitóris, como os populares clitt stick, em forma de batom, ou o butterfly, de borboleta. Todavia, boa parte deles implica com o modelo de vibrador fálico. Sentem-se substituídos ou até traídos _ e reclamam de "competição desleal". Houve no consumo erótico a chamada inversão da hierarquia da informação entre gerações. Ou seja, muitas vezes é a filha quem ensina a mãe a usar os produtos. Os motivos especulados são diversos: desde mudança de valores (é ok falar sobre e praticar sexo), até o aumento dos divórcios, o que leva mais mulheres adultas a redescobrir a sexualidade após um casamento com filhos. Ao final da pesquisa, Luciana conclui que nenhuma mulher passa indiferente pelo consumo de produtos eróticos. Ela aponta quatro mudanças como principais: a primeira é a instantânea, o prazer físico obtido pelo uso. A segunda é identitária: a mulher muda a visão de si mesma e do ato sexual. A terceira é conjugal, alterando a dinâmica dos relacionamentos, seja no casamento ou com futuros parceiros. Por fim, há a mudança social, fruto da difusão positiva de informações sobre sexo. Algo que a autora vê como importantíssimo, considerando que uma vida sexual saudável é indispensável para ser feliz.
No primeiro semestre de um doutorado em Administração, Luciana Walther se viu fascinada por uma disciplina das Ciências Sociais que estudava a sexualidade na cultura brasileira. Decidiu, então, misturar as duas áreas e dedicar a sua tese a investigar o consumo erótico feminino no Brasil.
Após cuidadosa observação de mais de uma dezena de sex shops e feiras de produtos eróticos, Luciana foi atrás das consumidoras. Entrevistou 35 mulheres em profundidade. O único pré-requisito era terem usado pelo menos uma vez um produto que considerassem erótico ou entrado em uma sex shop. Ela apelidou esse grupo de mulheres de 22 a 59 anos de Mulheres que Não Ficam Sem Pilha (Mauad Editora, 2017), nome que agora estampa um livro que resume sua pesquisa de doutorado, com lançamento no próximo dia 25, no Rio de Janeiro.
Por telefone, Luciana dividiu com Donna suas principais impressões da experiência. A partir da conversa, foi estabelecida uma curiosa lista de mitos e verdades sobre o tema.
– Acho muito legal dividir informações sobre esse assunto. Não fosse o sexo, nenhum de nós estaria aqui – brinca a pesquisadora.
Os mitos
1. O produto mais vendido é o vibrador
2. Apetrechos sexuais substituem um parceiro(a)
3. Sex shop é só para quem está insatisfeito na cama
4. Sex shop é coisa de pervertidos, tarados etc
5. Homens não são bem-vindos em sex shops
6. Mulheres têm vergonha de falar no assunto
As verdades
1. A primeira vez é a mais difícil
2. A sex shop é um ambiente de mulher para mulher
3. Não há faixa etária média de consumidora
4. O produto erótico é um mediador entre o casal
5. A venda cresce de porta em porta
6. Homens implicam com vibradores
7. As filhas têm ensinado as mães
8. A mulher se transforma após o consumo erótico
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