As finanças dos casais não têm como ser apenas números, não são “preto no branco”. Muito pelo contrário, tornam-se cálculos cada vez mais complexos à medida que envolvem variáveis como sentimentos, sonhos, vontades individuais e planos em conjunto. Mas segundo a psicóloga e especialista em psicologia do dinheiro, Valéria Maria Meirelles, vale a pena buscar administrar o orçamento em sintonia – lançando mão de muito diálogo – para poupar a dupla de estresses e evitar desgastar a relação.
— O casal que encontra uma sintonia nas finanças geralmente tem boa comunicação, um entende bem o que o outro fala, o que é importante, pois promove um alinhamento de valores. Trabalho há 32 anos com isso e vejo que, quando o casal tem sintonia, é porque já sabe o que quer construir junto e o que norteia suas condutas em termos de companheirismo, ética, compaixão e empatia — afirma Valéria.
Mas falar sobre dinheiro não é uma tarefa fácil a dois: crenças limitantes trazidas de casa, traumas de negócios que deram errado, maus hábitos e apego a papéis de gênero são alguns dos entraves que os apaixonados encontram quando passam a dividir a vida.
Os opostos se atraem – e se ensinam
No início do relacionamento, a engenheira Mariana Severo, de 35 anos, costumava viver sob o lema do “eu mereço”, enquanto Ulysses Matarazzo, 33, tinha uma postura que lembrava mais o “mão de vaca”, descrevem. Essas características ficaram ainda mais evidentes quando começaram a morar juntos.
— Foi nesse momento que percebemos que encarávamos dinheiro de forma muito diferente um do outro. Mas com o tempo, assim como eu ajudei a levar a ela um olhar para o longo prazo em termos de educação financeira, aprendi com ela a aproveitar mais a vida. No final das contas, acabamos encontrando um equilíbrio — relembra Ulysses.
O que deu certo para a dupla serviu de inspiração para um novo momento de carreira. Desde 2020, são planejadores financeiros focados em casais, comandam a Sequos Consultoria e o canal no YouTube Casal Gestão, onde compartilham dicas para a saúde das finanças e a realização de sonhos.
A convite de Donna, Ulysses, Mariana e a psicóloga Valéria descrevem alguns dos principais erros dos casais quando o assunto é dinheiro e dão dicas de como contornar problemas.
Os principais erros ao falar sobre dinheiro
1. Não conversar de forma preventiva
A falta mais grave, e que tende a se desdobrar em vários outros problemas, é não falar sobre dinheiro antes de já estar no olho do furacão, enfatizam Mariana e Ulysses.
— Dinheiro já não é um assunto fácil de falar, né? As pessoas têm tabu de conversar a respeito, muito porque não tiveram educação financeira, e aí só tocam no assunto quando já há um problema. O maior erro é esse. A comunicação é o primeiro ponto para fortalecer a vida financeira do casal, por isso, principalmente no início da relação, é preciso facilitar a criação do hábito de falar sobre dinheiro — afirma Mariana.
A vergonha e a sensação de que “não preciso de ajuda, resolvo isso sozinho”, segundo Ulysses, são sentimentos comuns e que podem fazer com que o problema vire uma bola de neve. Para evitar, uma dica é estipular na rotina do casal um momento para conversar sobre as finanças. Ele e Mariana, por exemplo, separam uma segunda-feira por mês para fazer o que apelidaram de money date, uma espécie de encontro em que conversam sobre seus planos e números de uma forma mais descontraída.
— Pegamos um vinho, uns queijinhos, colocamos uma música e aí falamos: “como estão nossos objetivos?”, “a gente conseguiu guardar o que havíamos planejado para esse mês?”, “tem alguma viagem que a gente quer fazer esse mês?”. É falar sobre dinheiro, sonhos, objetivos e planejamento financeiro de uma forma muito mais leve e gostosa — descreve ele.
2. Não criar a ambiência certa
Chamar o companheiro(a) para simplesmente planilhar gastos e decidir onde cortar custos é o segredo do insucesso, apontam os planejadores financeiros. A conversa é muito mais ampla: é sobre planos, sobre estabelecer projetos – pessoais e do casal –, objetivos pelos quais a pessoa vai se convencer de que vale a pena cuidar melhor das contas. As planilhas vêm depois da criação dessa ambiência.
— Acredito muito na questão do propósito, do “por que a gente faz o que a gente faz”. Se eu não tenho uma razão pela qual poupar dinheiro, então por que vou poupar? É mais fácil me deixar levar pelos desejos imediatos se eu não tenho objetivos futuros alinhados com a minha namorada, esposa e comigo também — diz Ulysses.
O diálogo também contribui para que um conheça a fundo a história do seu companheiro, entendendo sua forma de pensar e onde vêm suas crenças relacionadas a dinheiro. Conforme a terapeuta Valéria, a forma como as finanças foram tratadas no núcleo familiar de cada um tende a deixar suas marcas. Em uma casa onde era o pai quem cuidava das finanças, por exemplo, o filho provavelmente tentará replicar essa dinâmica no seu relacionamento. Porém, se sua parceria também vier de um nicho no qual ela seria a gerente das contas, poderá haver conflito. O ideal é acolher as diferenças e buscar um modelo que tenha mais a cara do casal.
É importante oferecer um ao outro o que cada um viveu em termos de histórias financeiras familiares, porque a gente não escapa das nossas experiências iniciais. É claro que elas não são exclusivamente determinantes, mas fazem parte da nossa matriz
VALÉRIA MARIA MEIRELLES
Psicóloga e especialista em psicologia do dinheiro
3. Não conhecer as finanças individuais e do casal
Não fazer um controle financeiro deixa o casal e o próprio indivíduo no escuro. Sem saber quanto dinheiro está entrando e para onde as quantias estão indo, não é possível identificar quais são os gargalos ou oportunidades de melhorar o orçamento, e assim abre-se margem para cobranças:
Muitos casais que vêm até nós até ganham relativamente bem, mas o dinheiro some logo nas primeiras semanas do mês. Não ter esse controle realmente aumenta a chance do casal entrar em endividamento
MARIANA SEVERO
Engenheira e criadora de conteúdo
4. Assumir tom acusatório
O momento de conversar sobre dinheiro é uma ocasião em que se deve evitar julgamento, sob pena do diálogo não fluir. Mesmo que o casal já esteja com problemas, ressalta Mariana, é preferível respirar fundo e trocar uma ideia com empatia e civilidade:
— Não é chegar e dizer “vi que você está gastando muito em roupa”, e sim dizer “olha, estou vendo que a gente passou um pouco no orçamento de vestuário, o que que aconteceu? Vamos tentar entender juntos?”, é chamar a pessoa para tentar resolver o problema, e não a acusar e ofender.
5. Iludir-se com um padrão de vida acima da sua realidade
Finanças saudáveis podem exigir que o casal seja muito íntimo e esteja disposto a assumir, em voz alta, as coisas que são importantes para si – mesmo que sejam itens que, olhando de fora, pareçam dispensáveis. Pode ser que, para ele, seja indispensável comprar a mais nova camiseta do time de futebol, enquanto ela não abrirá mão de comprar um vidro de Nutella por mês.
Não há nada de errado, contanto que tais investimentos não estejam muito acima do real padrão de vida do casal, como explica Ulysses:
— Não existe certo ou errado quando falamos de com o que você gasta o seu dinheiro, mas quando falamos em “viver acima do padrão de vida que você tem”, é sobre bancar uma vida que não te permite poupar um pouco. Se aquilo que você gasta não te permite guardar um pouco para uma viagem, uma aposentadoria, um objetivo a médio e longo prazo, é um problema. Talvez seja melhor buscar viver num padrão um pouco mais baixo que permita ter uma sobra mensal.
6. Não revisar os acordos
O que funciona em um momento da vida pode deixar de funcionar no instante seguinte, ressalta a terapeuta Valéria. Se, por exemplo, um dos cônjuges adoecer e não conseguir manter a mesma renda que tinha antes, ou então se um dos sogros precisar morar junto do casal, é inevitável que as finanças sejam impactadas. Portanto, para que o fardo não fique pesado demais para um dos lados, é importante readequar o orçamento de tempos em tempos.
— Os acordos financeiros do casal devem ser revistos porque as coisas mudam. Imagine um casal que está junto desde os 30 anos. Ainda vão crescer na carreira, depois ter filhos, colégio, e o plano financeiro necessariamente vai ter que ser revisto. Cada casal constrói o seu jeito de usar o dinheiro em cada momento, pode ser na proporcionalidade, pode ser “pau a pau”, mas ambos precisam se sentir confortáveis, e não injustiçados — conclui a psicóloga Valéria.