Camila Maccari, especial
À primeira vista, não tem como não se empolgar com as maravilhas prometidas: acabar com a menstruação e seus piores sintomas como a cólica e a TPM, dar um up na libido, reduzir a celulite, potencializar a queima de gordura, aumentar a definição muscular e garantir mais energia. O burburinho em torno do chamado chip da beleza pode ser ilustrado em números: são mais de 37 milhões de citações no Google, incluindo especulações sobre a lista de famosas “chipadas”. A modelo Babi Rossi teve sua ida ao médico e toda a expectativa em conquistar um corpo definido documentada por um canal de televisão. Seria incrível se a fórmula da beleza viesse contida em um chip, né?
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Implante hormonal
Para começo de conversa, os médicos indicam deixar esse nome de lado porque não estamos falando, de fato, de um chip. O dispositivo é um implante hormonal de silicone, que varia de três a cinco centímetros e é colocado sob a pele do glúteo, podendo durar até um ano. Você só pode comprá-lo com prescrição médica. A base é a gestrinona, hormônio sintético com ação androgênica, que eleva o nível de testosterona no organismo e é responsável, por exemplo, pela maior facilidade no ganho de massa para quem treina frequentemente.
A endocrinologista Marcela Fontoura explica que, em alguns casos, o efeito anticoncepcional, verdadeira função do implante, não é efetivo: é preciso seguir com outros métodos para evitar a gravidez. Sua única função seria, então, questões estéticas, acompanhadas de alguns efeitos colaterais.
– Não existe essa coisa de milagre pela qual as pessoas esperam. Por causa do aumento na testosterona, pode ficar com a pele mais oleosa, a voz pode engrossar, pode aumentar a quantidade de pelo, além de outras consequências que a gente ainda não sabe porque não há estudos. E mesmo quanto à promessa de aumento de massa e emagrecimento, pode ajudar por causa da ação androgênica, mas é preciso aliar a uma rotina de dieta e exercícios – diz Marcela.
Uso estético questionado
A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia não aprova o uso de hormônios para pessoas que não tenham deficiência. O Conselho Federal de Medicina também proíbe o uso de hormônios por motivações estéticas. Não é novidade aplicar hormônios no corpo, isso se dá há décadas, mas em casos onde estejam em falta no organismo, como por exemplo, o uso de testosterona a curto prazo para ver se há melhora em um quadro de falta de desejo sexual.
– Nesses casos, é um teste quase terapêutico e em uma quantidade que não ultrapassa o que aquela mulher deveria ter no seu organismo. Outro exemplo são os casos de mulheres que precisam fazer uma retirada brusca dos ovários na fase jovem: como os ovários também produzem hormônios andrógenos, esse desequilíbrio pode ser compensado com uma quantidade adequada de hormônio. Não é o caso do chamado chip da beleza, em que você coloca no seu corpo doses extras de hormônios de que não precisa – explica Amanda Athayde, diretora do Departamento de Endocrinologia Feminina e Andrologia da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.
No entanto, segundo ela, não existe nenhum medicamento que tenha testosterona e que seja indicado para mulheres – nesses casos, o uso é sempre o que se chama de “off label”, que significa para uma função diferente daquela indicada na bula.
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Faltam estudos
Apesar dos efeitos imediatos prometidos e dos efeitos colaterais conhecidos, ninguém sabe o que acontece no organismo depois do uso a longo prazo da gestrinona. Amanda explica que, diferentemente do implante anticoncepcional tradicional de etonogestrel, esse não segue um padrão, o que faz com que fique ainda mais difícil saber quais são suas ações adversas no organismo:
– Pode causar sangramento atípico, resistência a insulina e um estado pré-diabético, além de queda do colesterol bom. Não existem testes que garantam a segurança da paciente.
Professora de Ginecologia da UFRGS, Maria Celeste Wender conta que a gestrinona era muito comum para tratar a endometriose nos anos 1980 e 90.
– Nessa época, as mulheres ficavam sem menstruar e reclamavam de acne, oleosidade na pele, algumas apontavam para o aumento dos pelos no corpo. A gestrinona tem ação androgênica muito forte. Desde que seu uso foi praticamente abandonado, parou de se produzir estudos seguros sobre a gestrinona e ninguém sabe quais os efeitos a longo prazo de ter o hormônio liberado diretamente na corrente sanguínea.
Maria Celeste lembra, ainda, que o hormônio não tem liberação da Anvisa no Brasil, o que faz com que seja ainda mais difícil ter um acompanhamento sobre os efeitos a longo prazo.
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