Essa semana o rapper Childish Gambino, nome artístico do ator, roteirista, humorista e músico, Donald Glover, lançou o clipe da música "This is America" e não é à toa que o clipe já está com mais 34 milhões de views em menos de 72 horas no ar. O vídeo é uma grande crítica do início ao fim a violência racista e o narcisismo dos Estados Unidos.
Durante os 4 minutos de vídeo podemos perceber muita ironia e diversas referências de acontecimentos reais e do cotidiano negro por lá. Desde que tive conhecimento fui atrás de tudo que poderia elucidar aquelas imagens pra mim. Entretenimento é muito bom, agora com cunho crítico e com objetivo de passar uma mensagem maior, é maravilhoso. Na procura pelas melhores e mais completas análises, encontrei as da Gabi Oliveira, youtuber do DePretas e da Victoria Hope, editora da Amélie Magazine, logo, as explicações a seguir são baseadas principalmente na observação delas.
Há duas interpretações para o início do clipe, uma que sentado com o violão seria uma representação do pai de Travyon Martin, jovem negro morto injustamente pela polícia na Flórida – esse assassinato desencadeou o início do movimento "Black Lives Matter" nos Estados Unidos. Outra visão mostra a referência do blues, ritmo negro que surgiu com a comunidade negra americana.
O clipe começa com um ritmo bem africano e alegre.
Nessa cena, Childish Gambino faz a mesma expressão facial de Uncle Ruckus (foto abaixo), personagem animado de The Boondocks, um idoso negro que tem nojo da própria raça, nega a existência do racismo, apoia Bush, e era a favor do genocídio negro nos EUA.
A pose de Gambino é semelhante ao Jim Crow, personagem racista criado em 1900 que fazia blackface como forma de humor. Jim Crow (foto abaixo) posteriormente virou nome de um conjunto de leis que legitimavam a segregação racial nos EUA. Gambino atira no homem sentado e sai como se nada acontecera.
Após o tiro, a batida da música para mumble rap (gênero crítico que exalta a violência).
Na cena após o tiro, Gambino entrega a arma para uma criança que tem bastante cuidado com ela, como se fosse algo muito precioso. O homem assassinado no chão representa um escravo, está com mãos amarradas e pés descalços.
Gambino sai impune do assassinado como se nada tivesse acontecido, enquanto as crianças fazem a "limpeza". A calça usada por ele é a mesma da época da batalha americana pela confederação (bandeira que hoje é símbolo dos confederados americanos, anti-negros, anti-indígenas e anti-imigração).
Nesse quadro, a letra da música fala no estado Oaxaca, o mais violento do México. As crianças atrás estão com o uniforme dos estudantes presentes no massacre de Soweto, na África do Sul, ocorrido em 1976.
Nessa cena, Gambino e as crianças reproduzem os passos da típica dança africana, que se popularizou nas redes sociais e se sobrepõe com o conflito e caos ao fundo.
Em seguida, aparece um coral de igreja, um dos grandes símbolos da comunidade negra americana.
Gambino entra na cena e mata todos os integrantes, em uma referência ao massacre na igreja de Charleston (Carolina do Sul), ocorrido em 2015.
Mesmo com o assassinato em massa na igreja, Gambino sai impune, invisível para a polícia que corre está preocupada em ir atrás de adolescentes.
Enquanto Gambino e as crianças continuam a dançar, um jovem negro se joga da grade alta, uma forma de mostrar a depressão que assola a população hoje, mas mesmo assim todos estão entretidos demais com a dança.
Ao fundo dessa cena aparece o carro queimando, fazendo alusão aos protestos recentes por conflitos raciais dos EUA.
Gambino ergue a mão desarmado nessa cena, mas mesmo assim é visto como ameaça até para as crianças que o acompanhavam. Afinal, negro com a mão erguida é bandido, né? *ironia*
Gambino acende um cigarro de maconha e o clima do clipe muda, parece que só nesse momento o homem negro tem "paz".
Por fim, Gambino foge dos policiais, mostrando que ainda a vida negra está condenada, não importa o que se faça.
Assista o clipe completo:
Todas as imagens são retiradas do Childish Gambino - This Is America (Official Video) no Youtube.
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Duda Buchmann é blogueira que gosta de falar do mundo feminino, principalmente da mulher negra, e de inspirações que elevem a autoestima delas. Escreve semanalmente em revistadonna.com.