O que você espera de um livro sobre etiqueta no trabalho? Indispensável falar de dress code, claro. Quem sabe uns truques para ser mais assertiva, sobre como se portar em uma reunião, pedir aumento… Mas você não esperaria um livro que questione se não está exagerando na quantidade de banhos (sim, banhos) ou até de simpatia. Acontece que estamos falando de um livro de Gloria Kalil: Chic Profissional. Mais de 20 anos depois do sucesso de Chic, ela repete a estratégia de observar o mundo – desta vez, o dos negócios – com olhos de consultora de estilo, mas também de jornalista. Alguém que, antes de se manifestar, conversa com dezenas de especialistas a fim de esmiuçar temas em torno do trabalho cuja importância talvez a leitora não percebesse.
A entrevista com Donna foi nesse mesmo espírito de troca. Entre uma resposta e outra, por telefone, Gloria perguntou opiniões sobre o livro, deu risada recordando trechos, pensou e repensou alguns pontos de vista. Deixou a boa impressão que tanto ensina em suas páginas.
No início da década, o país passou por um cenário econômico que talvez tenha deixado uma geração de jovens adultos mal-acostumada. Esse pessoal está acordando tarde para questões como responsabilidade, hierarquia, prazos?
O jovem está confuso. A ideia de um empreendedorismo ligado a uma maneira casual de se portar e de se vestir dá uma ilusão de facilidade. É uma situação nova, mas não uma facilidade. Ele não leva em conta que, se for empreendedor, também vai ser chefe, vai ter de lidar com clientes, fornecedores, banco. No livro, converso com Fernando Reinach, sócio de um fundo de investimentos em start ups, e ele conta que vê de tudo. Gente que pede café antes de o anfitrião oferecer, que usa o celular em meio à reunião, que não sabe a hora de ouvir ou falar. Algo se perdeu. Não sei se é resultado da comunicação por internet ou se é falta de traquejo mesmo. Antes, a escalada em uma empresa dava essa pátina aos jovens. Hoje, não mais. E é complicado, porque as impressões de um primeiro encontro malsucedido dificilmente são revertidas.
Nesses quatro anos de apuração, algum tema surgiu e se impôs?
A urgência da questão feminina é um exemplo. Comecei a pesquisar sobre diferença de salário, sobre assédio, tanta coisa surgiu nesse campo que percebi que teria de escrever um livro só para isso. Então, busquei um jeito de fazer essa questão da igualdade de gênero passar por todo o livro. Fiz algo inédito, até me incomodei com a editora. Em vez de escrever no genérico masculino, eu me refiro aos dois gêneros: uso substantivos, pronomes, adjetivos no feminino e coloco entre parênteses o masculino. E explico o porquê disso lá no prólogo: “por isso, caras(os) amigas(os), vocês podem achar a ideia esquisita e irritante, mas garanto que esquisito e irritante é, para as mulheres, serem tratadas desse jeito” (como se não existissem no mundo corporativo).
O livro aborda desde redes sociais à melhor roupa para pedalar até o trabalho.
Tentei falar sobre aspectos importantes sobre os quais nunca li em outros lugares. É o caso das brasileirices, por exemplo. Os brasileiros têm características que são difíceis de se relacionar em um ambiente de trabalho ou uma viagem de negócios. Inclusive a simpatia. Acham que esse calor humano facilita uma aproximação, mas, às vezes, deixam um estrangeiro aterrorizado. Ele não sabe se é seu amigo, se não é. O brasileiro abraça, chama de meu querido, para a reunião para falar do futebol. O estrangeiro fica desconcertado, não sabe onde está pisando.
Qual é o truque para saber se estamos errando no trato com um estrangeiro?
Observar ao redor. Mesmo as coisas que nos são absolutamente naturais, como o banho. Você já viu livro sobre trabalho falar de banho? Pois é, mas, se você menciona a um estrangeiro que toma banho todo dia, passa uma tremenda falta de consciência ambiental. Outra coisa: brasileiro odeia dizer “não” e ouvir “não”. Lida pessimamente com críticas. Um japonês, quando é criticado, se sente agradecido, porque está recebendo uma oportunidade de melhorar. Aqui, um feedback negativo é levado para o lado pessoal. Uma brasileira que trabalha na Holanda me contou que perdeu pontos em uma avaliação do chefe por ser pouco incisiva nas críticas a ele. Temos de ter a consciência de que vivemos em um mundo conectado, e o nosso jeito não é o único tampouco necessariamente o melhor.
Episódios recentes do noticiário trouxeram à tona o debate sobre dress code. Qual a importância deste tema hoje?
Olha, não é à toa que, quando eu escrevo sobre isso no livro, aviso: “bagunça à vista”. Porque é um tema em constante mutação. Tem gente que fala: “Ai que frescura falar de dress code”. Frescura nada. Dress code existe para facilitar a vida das pessoas. Para que elas se preocupem com uma coisa a menos. Uma espécie de acordo para que todos se sintam confortáveis em um ambiente. Aconselho a se perguntar sempre: “Quero causar ou não quero causar?”. Se o que você quer é apenas trabalhar ou curtir uma festa, respeite o dress code. Agora, se você quer usar sua vestimenta para demarcar sua personalidade, para firmar uma posição, ótimo também. Vá lá e arrisque. Só esteja ciente disso. É como a abóbora da Taís Araújo (a atriz se recusou a comer um doce de abóbora servido pela apresentadora Ana Maria Braga). Não quer comer, não coma. Mas saiba que vai causar (risos).
Você dedica um espaço no livro ao comportamento ao celular e em redes sociais.
Primeiramente por essa consciência que devemos ter de que somos observados o tempo todo. Então, não adianta estar de terno na entrevista de emprego e pelado no Facebook. Etiqueta ao celular também é algo de que não trato mais como o uso mais adequado de um objeto. O celular hoje é como uma prótese da pessoa. E nisso o jovem também precisa ter cuidado, porque, às vezes, falta a consciência de que tudo o que está fazendo, falando, fica registrado e atrelado a ele para o resto da vida.
Você não percebe uma conduta igualmente problemática de pessoas com mais idade na rede, de serem grosseiras, ou de manifestarem opiniões inconvenientes em lugares impróprios, talvez por não serem nativas daquele meio?
Pois é, agora você me pegou. Talvez você tenha razão. Acho que essa competição de quem faz mais besteira na internet, o velho ou o jovem, está mesmo difícil de desempatar.
AO CELULAR
• Em ligações de negócios, seja objetiva e não estique a conversa. Não repita três ou quatro vezes a mesma coisa.
• Ao ligar, pergunte se a pessoa está disponível para falar. Se ela disser que não, combine outro horário e desligue. É muito irritante você dizer que está ocupada, a pessoa ignorar sob o pretexto de que “é rapidinho” e continuar falando.
• Em reuniões, coloque seu celular no silencioso e olhe para a pessoa que está à sua frente. Ficar de olhos baixos checando seus recados dá a impressão de que você não está ouvindo nem prestando atenção no seu interlocutor.
NO WHATSAPP
• Atenção aos horários para não invadir o celular alheio fora do expediente. Diferentemente de um e-mail, que pode ser lido no dia seguinte, uma mensagem de WhatsApp vai pipocar na tela do destinatário.
• Tem um grupo de trabalho? Eles são muito práticos, mas não abuse. Mantenha foco no assunto comum que diz respeito à maioria das pessoas. Não se dirija a só uma delas nem inicie uma conversinha paralela. Se o assunto interessa só a um contato, chame-o em uma janela privada, óbvio.
• A não ser que você trabalhe com memes e redes sociais, poupe seu grupo de trabalho de piadas, correntes, vídeos e montagens. Uma boa regra é: se a bobagem veio do grupo de família ou dos amigos da faculdade, por mais engraçada que seja, é lá que deve ficar.
ÀS RECÉM-CHEGADAS NO ESCRITÓRIO
• Apresente-se bem e rapidamente. Cumprimente suas/seus vizinhas(os) de mesa, diga seu nome, peça as coordenadas delas/deles. Mostre que quer aprender a rotina do trabalho e que está disponível para ajudar quem precisar.
• Na hora do almoço, peça para ir junto e faça perguntas sobre a função de cada uma/um. Tente dominar o funcionamento e a cultura da empresa.
• O ar-condicionado da sua sala é mais gelado do que o pico do Everest? Traga uma malha, um cachecol e não reclame; ninguém tem pena de quem sente frio, mas morre de dó de quem trabalha suando numa sala quente.
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