Stefanie Cirne, especial
Chegam as contas do mês e a troca de acusações se inicia. Um gasta demais, o outro é muito controlador e cada qual parece mais responsável pelos planos adiados e pelas dívidas que vão se acumulando. Se você já viu este filme antes, saiba que as finanças são mesmo um aspecto delicado dos relacionamentos, conforme aponta uma pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL).
Divulgado em junho, o levantamento ouviu 810 mulheres de todas as classes sociais nas capitais e no interior do país. Entre as casadas, a administração do dinheiro apareceu como o principal motivo de brigas dentro de casa (37,5% das respostas). Em segundo lugar, ficou a falta de dinheiro, citada por 31,5% das entrevistadas. Nem a divisão de tarefas domésticas (25,7%), o ciúme (19,6%) e a forma de educar os filhos (17,15%) parecem gerar tanto estresse no cotidiano a dois – o que reafirma o potencial do dinheiro para azedar a relação e, inclusive, levar ao divórcio.
Leia também:
Mas o que explica a tensão em torno das finanças? Para Heloísa Capelas, especialista em desenvolvimento humano e diretora do Centro Hoffman no Brasil, a questão é que essa área mexe com alguns de nossos medos mais primários, como o de perder estabilidade e conforto material. Para se preservar de roubos, calotes e outros golpes, as pessoas procuram manter as contas em segredo.
– O dinheiro é o assunto mais privado do ser humano. Até a vida sexual você compartilha de vez em quando, mas o quanto você tem no bolso é muito mais difícil – diz Heloísa.
A consultora financeira Evanilda Rocha, da Dinheiro Inteligente Consultoria e Coaching, observa que o tópico é evitado desde cedo nos círculos de convivência:
– Não estamos acostumados a falar sobre finanças pessoais em família. Não somos educados sobre este tema em casa e muito menos na escola – afirma.
Com tanto mistério cercando as finanças, não surpreende que manejá-las seja difícil – e que gerenciar as contas com um companheiro seja ainda mais complicado.
Prioridades distintas são a semente da discórdia
Quando um casal se une, cada uma das partes traz a sua bagagem para a relação. Além de virtudes e expectativas, o pacote inclui as crenças em relação ao dinheiro, noções que guiam o comportamento financeiro. A forma como as pessoas lidam com seus recursos varia de acordo com a história de vida e os modelos familiares: quem se criou em um lar muito próspero, por exemplo, pode se acostumar à fartura e ter dificuldade de controlar gastos. Na mesma linha, aqueles que atravessaram crises podem desenvolver medo da falta – e, ao invés de aproveitar o que têm, poupar sem necessidade.
Frequentemente, porém, é só no dia a dia a dois que os diferentes perfis se revelam: sendo as finanças um assunto tabu, a maioria dos casais junta as escovas de dentes sem conhecer este lado um do outro.
– Os conflitos surgem porque os objetivos financeiros de cada um não foram alinhados antes do casamento – diz o coach financeiro Ricardo Melo, diretor do Instituto Ricardo Melo. – Assim, o casal também fica sem estratégias para alinhá-los constantemente.
Quando não resulta em apertos financeiros, a falta de consenso cria uma frustrante queda de braço: os cônjuges passam a disputar o uso do dinheiro e, seguidamente, têm de justificar seus gastos e economias um para o outro. Em lares com um único provedor, o estresse e o ressentimento podem ser ainda maiores por esse motivo. A saída para evitar desgastes acaba sendo, muitas vezes, "enganar" o companheiro: na pesquisa do SPC Brasil e da CNDL, três em cada dez entrevistadas relataram ter o hábito de esconder compras do marido, especialmente itens pessoais como roupas e cosméticos.
– Muitos homens também omitem investimentos das esposas porque, em caso de separação, elas não vão pleitear parte em um patrimônio desconhecido – conta Melo.
No final, mais do que as próprias histórias de vida, a má negociação acaba distanciando as pessoas por minar a confiança e fazer do dinheiro uma questão ainda mais privada.
Entre elas, a sensibilidade pode interferir nas finanças
Existem hábitos e padrões de comportamento que, embora não sejam exclusivos das mulheres, são muito comuns entre elas e podem afetar as finanças do casal. Ligadas tradicionalmente à manutenção e ao bem-estar doméstico, elas costumam ser mais atentas às necessidades da família, ficando responsáveis pelas compras e pela organização financeira. Especialmente no caso das donas de casa, as mulheres também são mais sensíveis às demandas dos filhos.
– Muitas vezes, o pai – que é mais pragmático até por estar distante – nega coisas que as mães acabam concedendo. Isso pode predispor conflitos desnecessários – explica o consultor financeiro Ricardo Melo.
Melo e a consultora financeira Evanilda Rocha citam ainda a famosa tendência consumista.
– Esse comportamento é bastante forte. As mulheres se sentem tão sobrecarregadas que compram para aliviar o estresse – diz Evanilda.
Embora as mulheres venham ganhando espaço como chefes de família, conforme dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE), a velha ideia de que o homem é a referência da casa ainda pesa sobre o planejamento financeiro.
– Muitas esposas ficam constrangidas de ganhar mais do que o marido, e, por isso, o autorizam a administrar o dinheiro – conta a coach Heloísa Capelas.
Em alguns casos, essa escolha pode amenizar o clima entre o casal – mas ao mesmo tempo, desempodera a mulher no controle das finanças. Se o parceiro não for justo na sua função, Heloísa alerta que o risco é de que a provedora peça as contas e ele acabe ficando sozinho.
Sem que o dinheiro os separe
Para você e seu parceiro, equilibrar as contas parece uma missão impossível? Confira dicas para preservar as finanças e o relacionamento do casal:
- Pratiquem o autoconhecimento. Entender o próprio perfil financeiro (como se gasta, no quê, por quais razões) é o primeiro passo para rever maus hábitos e harmonizar a relação com o parceiro. A reflexão também permite identificar comportamentos que, se já foram úteis algum dia, hoje causam dor de cabeça.
– Quem recorre a soluções velhas para problemas novos pode mesmo ficar brigando até o limite do desgaste – alerta a coach Heloísa Capelas.
- Conversem sobre as finanças. A dica é óbvia, mas como o assunto ainda é tabu, vale reforçá-la. A consultora financeira Evanilda Rocha lembra que cada um deve compartilhar seus números (quanto ganha, quanto gasta, quanto deve), objetivos e prioridades com carinho e respeito:– O casal que tem um bom diálogo, quando se desorganiza financeiramente, tem grandes chances de se recuperar rápido porque sabe colocar as cartas na mesa sem agredir.
- Encarem-se como um casal. Tanto quanto conciliar os interesses de cada um, é preciso definir o projeto da dupla. No que o casal quer investir? Qual o patrimônio que deseja acumular? O que vocês sonham e almejam para a relação?
- Atribuam responsabilidades. Qualquer equipe funciona melhor quando seus membros têm funções específicas. Com base na renda de cada um, o casal deve determinar quem paga o quê – até para evitar cobranças e discussões posteriores.
- Tracem um planejamento financeiro. Colocar as contas no papel é, sim, importantíssimo para mantê-las em equilíbrio. O planejamento deve estabelecer prioridades para os investimentos e projetar metas a curto, médio e longo prazo. Acompanhá-lo mês a mês mantém o foco do casal em seus objetivos e facilita ajustes quando necessário.
- Mantenham a independência financeira. Reservar uma parte do orçamento para gastos individuais evita frustrações e reduz em muito as chances de conflito. Normalmente, os casais se desentendem porque não têm claro o quanto cada um é livre para gastar sem dar satisfações ao outro.
– A independência financeira faz muito bem para a autoestima de todo mundo, e não impede que cada um faça a sua parte – afirma Heloísa.
Quem é dona de casa ou não trabalha no momento deve combinar com o parceiro a sua participação nas finanças e um limite para gastar como quiser.
– Este é um dinheiro sobre o qual a mulher não deve satisfações, porque, afinal, ela faz parte do projeto familiar – pondera Melo.
- Evitem a conta conjunta – mas cooperem e sejam transparentes. Segundo os especialistas, a conta conjunta pode confundir os limites individuais e abrir margem para discussões. O ideal é que os cônjuges mantenham contas separadas e planejem suas finanças em conjunto.
– Assim, poderão até fazer surpresas, comprando presentes sem o outro ficar sabendo, por exemplo – sugere Evanilda.
Veja também em Donna: