“Não quero ficar com mais ninguém, e tu?”
Estas três histórias falam da mesma coisa, mas acabam de jeitos diferentes. Assim é a vida, você sabe.
I)
Ainda lembro quando a mensagem chegou para mim via WhatsApp. Dizia: “Finalmente fiquei com um cara que eu cobiçava há anos. Foi maravilhoso. Transamos de mãozinha dada, olho no olho e tudo”. Eu conseguia ouvir a voz da amiga na minha mente, espevitada e atrevida, satisfeita e sorridente. Dos amigos que se encontraram no verão do ano passado, todos solteiros, ela foi a última a arrumar um cobertor de orelha para chamar de seu. Demorou, mas valeu, fiquei sabendo e vi ao vivo depois. Os dois juntos são uma graça, um encontro e tanto. Outros relatos iam chegando. “A gente se completa em tudo. Tudo no que eu acredito ele acredita também, é como se esse homem tivesse feito todinho pra mim e eu todinha pra ele”. Fiquei feliz demais por ela, porque mais que se encontrar com o amor, com a paixão e com o tesão, encontrar com o encaixe é duma beleza que merece mesmo o aplauso e o coração sorridente. A chave de ouro de todo esse amor, nascido do nada e indo em direção ao delicioso desconhecido, abriu a porteira final outro dia, não faz muito. Essa ela me contou ao vivo: “Outro dia estávamos conversando na casa dele, uma conversa que começou sobre o nada e acabou virando uma ‘DR’, mas sem o tom pejorativo da coisa. Estávamos falando de nós, apenas. Foi quando ele me perguntou se eu tava ficando com mais alguém e eu disse que não. "E tu?’, eu perguntei pra ele. Sabe o que ele respondeu?”. Eu não sabia. “Que eu faço ele tão feliz que ele não quer ficar com mais ninguém”.
II)
Houve aquela noite em que chegavam mina e mino em casa. Ela vinha do estágio, ele do trabalho. Os dois se conheceram numa noite muito errada e divertida, que com sorte acabou se transformando num dia amanhecido, caminhando pelo centro de Porto Alegre, tentando capturar um táxi. No dia em que se conheceram, eles não ficaram. Só meses depois, com um tanto de conversa, erotismo declamado e dedicatórias de livros divididas. Era uma amizade muito boa, embora ela quisesse mais do que ele estava disposto a dar. Ele sempre deixou isso claro para ela. Ela sempre deixava claro para ele que, por mais que desse todos os sinais de que, sim, queria mais do que tinham, ela queria mesmo era só ficar com ele, não havia pressa, angústia ou vontade de ir além. Os dois concordavam com a mentira silenciosa, porque é assim que as pessoas fazem as coisas às vezes: se você perde o momento de se manifestar por meio segundo que seja, se torna muito mais fácil simplesmente assentir e aproveitar o que se tem. Eles seguiram se ajudando numa coisa ou outra e se mordendo e arranhando sempre que se encontravam. Eles seguiram conversando noite adentro e tardes afora. Indo a shows e dividindo pizzas. Essas coisas que envolvem carinho e um tanto de entrega, mas que ficam na divisa saudável do que é um compromisso formal ou não. Um dia, houve aquela noite em que chegavam mino e mina em casa. Na casa dela. Ela vinha do estágio, ele do trabalho. Então ela disse: “Vou te fazer uma pergunta que acho que não quero saber a resposta, mas prefiro fazer mesmo assim”. Ele já sabia o que era. “Tu segue ficando com outras pessoas mesmo com a gente ficando assim, com tanta frequência?”. Sim, ele disse. O assunto morreu. Seguiram ficando até o inevitável.
III)
Estávamos caminhando de mãos dadas pelo Bonfim, olhando aquelas coisas todas que a gente olha quando tá ficando apaixonado. O processo apaixonativo, se tu conhece bem, não te pega de surpresa: tu sente os laços de fita reforçando os nós, as coincidências que o coração provoca e o riso besta a cada respiração. Não dá pra passar incólume. Dito isso, estávamos caminhando de mãos dadas pelo Bonfim, comemorando o encontro, a permanência, a paixão que acordava e ia de um par de olhos ao outro, quando o assunto surgiu. “Eu não tenho vontade de ficar com mais ninguém”. “Eu também não”. “Me desfiz de todos os casinhos, quero ficar só contigo”. “Cortei todas as conversinhas que pipocavam por inbox no Facebook”. Era isso, havia chegado o momento do “estou ficando só contigo”. Todos os cuidados e ressalvas que eu havia tomado e adotado anteriormente caíram por terra ao serem confrontadas com os encaixes dos abraços e com os silêncios carinhosos e nada perturbadores. A parceria para o açaí se firmava e os passeios se tornaram mais longos e mais livres. E mais felizes. Dali para o pedido de namoro foi um pulo, e desde então os pulos são de alegria.
O acordo
Quando a primeira história aconteceu, e as palavras foram ditas e os acordos definidos, tremi de alegria pela amiga. Não é nada fácil encontrar quem se envolva a ponto de chegar ao momento do “vamos parar de ficar com outras pessoas?”. Conversei com amigos próximos e ouvi conversas de desconhecidos que, seja por falta de sorte ou por falta de outra coisa que não identifiquei, não sabem nem mais com o que se parece esse momento. Daqui do meu lado, e ao lado de outros amigos que viveram esse momento mais cedo ou mais tarde, sobra uma saudade: daquele sentimento que nos acomete quando decidimos ter a tal da conversa que elimina o interesse pelo Tinder e as investidas na noite.
Quando foi a última vez que você quis ficar só com uma pessoa?