Fotos: Julio Cordeiro
O cenário é a segunda metade do século 19. O Brasil já é um país independente, mas os rincões dos interiores ainda estão inexplorados. Começa, por incentivo do governo do país, uma massiva campanha de atração de imigrantes europeus, para engrossar o contingente de mão de obra disponível e também para povoar regiões até então desabitadas. Vindos de uma Europa empobrecida, as famílias acreditam na promessa de terras férteis, renda farta e conforto. Recebem lotes de mata fechada, na encosta de morros, e nem de longe encontram a estrutura alardeada pela publicidade. Precisam começar do zero. Desbravam a floresta para preparar a terra para o cultivo de subsistência e constroem, com as pedras que recolhem do terreno, as moradias que os abrigavam do mau tempo e os protegiam dos animais selvagens.
Corta para 2014. Em uma tarde de sol e frio, o carro percorre uma tranquila estrada asfaltada que vai recortando as montanhas, revelando um córrego aqui, uma cachoeira ali, um recanto de floresta acolá. No meio desta natureza, quase se misturando a ela, estão casas de aspecto rústico, erguidas em pedra preta basáltica. De vez em quando, na porta de uma dessas casas aparece uma velha senhora, de chapéu de palha, estendendo a roupa no varal ou caminhando em direção a horta. A cena bucólica parece até fabricada pela mente de algum cineasta, mas ela existe de verdade. O tempo passou para aquelas famílias de imigrantes italianos que chegaram na serra gaúcha em meados do século 19. Em muitas cidades já quase não se percebe as marcas que os pioneiros deixaram. Mas neste recanto escondido no município de Bento Gonçalves, o presente reata as pontas com o passado por meio de uma estrada, um roteiro, um caminho. Um Caminho de Pedra.
Um dos passeios mais interessantes e ricos que se pode fazer na Serra é pouco conhecido até mesmo por nós, que moramos no Rio Grande do Sul. O roteiro chamado de Caminhos de Pedra, no interior de Bento, tem tudo o que um turista pode querer: lindas paisagens, boa comida, recordações de todos os tipos para levar para a casa e personagens inesquecíveis. E tem mais: conta a história da imigração italiana em terras gaúchas. Por isso, a reportagem de Donna percorreu a velha Linha Palmeiro, nome original da estrada que corta os Caminhos de Pedra, para pinçar o que de melhor se pode curtir em uma recorrida por lá.
Mas antes de partir para as descobertas e dicas, vale a pena ver como o turismo resgatou uma herança que estava condenada ao esquecimento. Construídas pelas famílias mais humildes, que não tinham recursos para erguer suas moradias em madeira, as casas de pedra tornaram-se uma espécie de símbolo de pobreza. A matéria-prima era encontrada na própria terra, abundante em pedras. O preenchimento entre os blocos irregulares de basalto era feito com uma mistura de palha, barro e estrume de animais. Erguia-se assim, devido à necessidade e à falta de posses, um conjunto de casas eternas, que nem o tempo foi capaz de derrubar. A melhora na vida financeira das famílias, no entanto, fez com que muitas delas desejassem esconder o passado de penúria, representado pela casa de pedra. Foi comum, no início do século 20, a construção de anexos de madeira e a aplicação de reboco sobre as paredes.
- Até pouco tempo, os colonos que moravam nessa região tinham vergonha de morar em casas de pedra, pois o estigma da pobreza ligado a elas permanecia. Eles queriam reconstruir a moradia em madeira ou pelo menos rebocar - conta a secretária adjunta de turismo de Bento Gonçalves, Fabiane Capellaro.
Um levantamento de acervo arquitetônico feito na região em 1987 mostrou que a Linha Palmeiro possuía um número impressionante de casas antigas e que os moradores ainda preservavam velhos costumes, herdados de seus antepassados. O estudo mostrou ainda que o acesso ao local era fácil e que, apesar do abandono do patrimônio histórico, o local tinha um grande potencial turístico. Mas era preciso agir rápido, para que as casas que restavam não tivessem o mesmo destino de tantas outras, já derrubadas.
Com recursos do Hotel Dall'Onder, de Bento Gonçalves, as quatro primeiras casas foram restauradas. De quase todas elas foi necessário remover o reboco, que escondia as paredes de pedra. Em 1992, o primeiro grupo de turistas de São Paulo, conduzidos pela operadora CVC, visitou as Casas Merlo e Bertarello, a Ferraria Ferri e Cantina Strapazzon. Era o primeiro passo de um sonho que se torna cada vez mais real, até hoje.
Em 1997, com a assessoria do Sebrae, foi fundada a Associação Caminhos de Pedra, um projeto que vai muito além do turismo - pretende resgatar e preservar a cultura por meio dos empreendimentos turísticos localizados ao longo da Linha Palmeiro. Por isso, é possível encontrar no roteiro quase tudo o que lembra a imigração italiana e o modo de vida dos primeiros colonos: a lida com os animais, a fabricação de vinhos e embutidos, a tecelagem, o artesanato, os doces, a gastronomia e, claro, as moradias de pedra que deram origem a todo esse roteiro. A Associação conta hoje com mais de uma centena de membros, e o projeto é considerado pioneiro no Brasil, por unir de forma eficiente o turismo rural e cultural. Segundo números da entidade, mais de 60 mil turistas, de todos os cantos do país e do Exterior, visitam os 15 pontos de visitação e os 56 pontos de observação dos Caminhos todos os anos. Uma lei estadual promulgada em 2009 declara os Caminhos de Pedra um patrimônio histórico e cultural do Rio Grande do Sul.
1. Doces Predebon
Dona Santina Predebon, de 67 anos, nos recebe com as mãos frias. No meio de uma linda manhã de sol, aproveitava o tempo bom para lavar roupa. Assim é a rotina desta pequena mulher de sotaque carregado, que aprendeu a viver da terra e, agora, na maturidade, desafia-se todos os dias em uma atividade tão diferente: o turismo.
Apesar da timidez, dona Santina tem se saído bastante bem na função. Mal os turistas entram na propriedade já são convidados a degustar algumas das iguarias que ela mesma prepara: doce de abóbora, de maçã, de uva, de goiaba, enfim, de tudo quanto é fruta que cresça na região da serra gaúcha. Entre as muitas delícias, uma em especial merece que a gente esqueça a palavra dieta. Das cerca de 100 figueiras plantadas na propriedade da família saem os frutos que se transformam em uma geleia, chamada por ali de figada. A receita, aprendida na juventude com a mãe e a avó, é a especialidade de Dona Santina, que chega a ficar encabulada com tantos elogios. São cerca de cinco mil quilos de figos todos os anos, transformados no manjar dos deuses que encanta quem passa por ali. Para comer no pão, na bolachinha ou para acompanhar queijos como o brie, é simplesmente perfeito.
Dona Santina e sua maravilhosa figada dão as boas vindas aos visitantes
2. Salumeria Caminhos de Pedra e Casa Righesso
Dá para pensar em passeio pela colônia sem salame, copa, culatelo e queijo? Não, né? Por isso, este é um dos pontos imperdíveis do roteiro. Mas antes de comentar as delícias é preciso contar um pouco da história singular desta casa. Construída em 1889, foi uma daquelas casas erguidas com pedras de basalto irregulares e unidas com a mistura de feno, palha de trigo, barro e estrume de vaca. No sótão, onde hoje há um pequeno memorial dos Caminhos de Pedra e da casa, ficava o granaro, onde os moradores armazenavam os grãos e a forragem, e que servia de isolante térmico contra o frio do inverno.
Em 1902, a casa foi adquirida por Angelo Righesso, que morou ali até 1919. Em 1924, foi comprada pela família Merlo. O casal de velhinhos que morava na casa, Avelino e Maria Merlo, recebeu, em 1992, o primeiro grupo de turistas que visitou os Caminhos de Pedra. Em 2007, com a morte do casal, o imóvel voltou à família Righesso pelas mãos de Orlando, neto de Angelo, e passou a ser chamado oficialmente de Casa Righesso. O desfecho dessa linda história está pendurado nas paredes de uma das salas da casa e seu perfume se espalha por todos os espaços. Os salames, copas e toda sorte de embutidos de alta qualidade repousam nas prateleiras, à espera dos visitantes.
- Como a cultura da salumeria era muito forte entre os imigrantes, o roteiro precisava de um local como este. E aqui fazemos tudo como manda a tradição - afirma Orlando Righesso.
Durante a visita, além de degustar as iguarias do local, os visitantes aprendem sobre a história da fabricação de embutidos, quase tão antiga como a própria humanidade, e também sobre a harmonização de salames e copas. Quem quiser curtir a paisagem degustando calmamente os produtos pode comprar salames, queijos, pães e vinhos de sua preferência e comer ali mesmo, em um dos ambientes da Casa Righesso. A Salumeria prepara tudo na tábua de frios, faz o serviço dos vinhos e não cobra nada a mais por isso. O que sobrar, é só levar para a casa.
Em uma das casas mais antigas e belas, os embutidos contam a história
3. Restaurante Nona Ludia
Um dos endereços mais frequentados dos Caminhos de Pedra é um restaurante de comida típica, abundante e deliciosa. A curtida da visita, no entanto, começa bem antes de os pratos chegarem à mesa. É do lado de fora, diante da linda arquitetura do casarão construído em 1880, que o turista entra no clima do local. Construída em pedras de basalto encaixadas, a casa foi totalmente rebocada por volta dos anos 1930, permanecendo descaracterizada por mais de 60 anos. Com o início do Projeto Cultural Caminhos de Pedra, o reboco foi removido, e a casa totalmente restaurada. É no porão, que preserva todas as estruturas originais, que está a maior parte das mesas do restaurante, administrado pela Família Cantelli. Nas paredes, antiguidades resgatadas pela Família Bertarello, proprietária do imóvel, compõem a decoração. A verdadeira riqueza, porém, está na cozinha: pilotando as panelas e a churrasqueira estão Dona Marisa e Seu Jandir Cantelli, casal proprietário do local.
Em conversa com a turma do Nona Ludia se aprende, por exemplo, a diferença entre cappeletti e agnolini, ambas massas recheadas muito utilizadas para sopa. Cappeletti é a massa dobrada em forma de chapéu, que pode receber recheio de miúdos de galinha ou de carne de rês. Já o agnolini é feito com a mesma massa, mas em formato de trouxinha. Costuma ser um pouco menor do que o cappeletti e tem recheio de cordeiro.
Casa na árvore
A campanha para a imigração de europeus para o Brasil, em meados do século 19, prometia terra fértil, posses e vantagens para quem deixasse a terra natal para vir para cá. Quando os italianos chegaram, encontraram lotes em meio à mata virgem das florestas do Rio Grande do Sul. Sem recursos, começaram a trabalhar a terra em condições precárias. A família que recebeu o lote onde hoje fica o restaurante Nona Ludia foi uma das que abraçou, por necessidade, este desafio. Sem ter onde morar, os imigrantes escavaram uma espécie de toca no tronco de uma árvore, onde permaneceram enquanto a casa de pedra era construída. O majestoso umbu (também chamado por aqui de Maria Mole) é uma árvore de raízes externas e madeira mole e esfarelenta, perfeita para abrigar as gentes do mau tempo, dos animais selvagens e do frio da serra gaúcha. No oco do tronco, um homem adulto pode ficar de pé e há espaço para quatro ou cinco pessoas.
Uma lenda do nosso cancioneiro diz que Deus, ao fazer o umbu, perguntou a ele que serventia queria ter. Ele disse que gostaria apenas de ter folhas largas, para prover sombra à sesteada dos gaúchos, e madeira tão fraca que se quebrasse ao menor esforço. Intrigado, Deus perguntou por que desejava madeira tão inútil. Ao que a árvore respondeu:
- Não quero que, um dia, façam dos meus galhos uma cruz para o martírio de um homem justo.
Deus, que teve um filho justo crucificado, atendeu ao pedido. Certamente já sabia que o umbu dos Caminhos de Pedra teria seu tronco usado apenas para proteger.
4. Ateliê do artista plástico João Bez Batti
Em uma curva escondida da estrada, as pedras ficam diferentes de repente. Adquirem formas - são cabeças, olhares, ondulações e texturas. Ao longe a gente enxerga um homem pequeno, cabelos grisalhos, alguns gatos em volta, uma figura que se adapta à paisagem ao seu redor, como uma espécie de extensão das pedras do caminho. É o artista plástico João Bez Batti, um dos maiores escultores em atividade no país, conhecido por sua dedicação à pedra basáltica, matéria-prima da sua arte.
Na casa-ateliê, Bez Batti expõe sua obsessão: descobrir novas pedras, novas cores de basalto. E depois poli-las, dar-lhes forma, alma e coração. Para que as formas se eternizem. Para que ele próprio se eternize na pedra. Visitar a casa do artista é uma oportunidade ímpar de conversar com ele, deixar-se guiar pelo homem que dedicou toda a vida à escultura e produz obras de uma beleza singular. Em uma galeria, ele expõe seu trabalho e também comercializa as peças, que podem demorar meses para ficar prontas.
De todos os lugares do mundo, o artista escolheu viver nos Caminhos de Pedra, com seus cães e os nove gatos, sua paixão. Por que este lugar? Ele responde:
- Estou em cima do maior derramamento de basalto do planeta. Aqui, cada dia é uma descoberta de novas pedras e novas possibilidades de arte.
5. Casa do tomate
Você já pensou em tudo o que é possível fazer com tomate? Por mais que tenha pensado, nunca vai chegar ao nível de criatividade da Maristela Lerin e sua família, que administram um dos pontos imperdíveis do roteiro: a Casa do Tomate, ou Il Cantucicio del Pomodoro e Della Gasosa, como a empresa se apresenta. São dezenas de produtos à base do fruto, desde os mais previsíveis, como molhos e temperos, até coisas inusitadas, como cosméticos.
A ideia foi recuperar a história e a importância deste ingrediente tão presente na culinária dos italianos que chegaram ao Rio Grande do Sul no século 19. Outro produto singular é a Gasosa, refrigerante fermentado de frutas cuja receita remonta aos ancestrais da família, que era produzido em ocasiões especiais. Ah, e falando em bebida, por lá também é possível degustar uma inacreditável cerveja de tomate. Sim, isso existe. E, pasme, é boa!
6. Casa da Ovelha
É impossível conter o coração diante de tanta fofura. Já pensou estar no meio de um monte de bebês-ovelha, ouvi-los nos seus gritinhos, observá-los saltitando e, em seguida, dar-lhes uma mamadeira de leite bem quentinha? Sim, esse mundo de sonhos existe nos Caminhos de Pedra. O Parque da Ovelha é o paraíso para as famílias que visitam o roteiro com crianças, pois elas podem ter contato direto com as 450 ovelhas da raça Lacaune, específica para a produção de leite. Além de amamentar os cordeirinhos - o que já seria encantamento suficiente -, os visitantes também podem participar da tosquia e da ordenha dos animais. Há também uma corrida de ovelhas, montadas por divertidos bonecos de pano. Quem apostar na vencedora ganha brinde. E elas não são o único animal apaixonante do parque: um dos momentos mais esperados é a apresentação dos cães de pastoreio da raça border collie, que demonstram uma impressionante capacidade de obediência e trabalho. Eles executam exercícios de manejo com as ovelhas e até pastoreiam um grupo de marrecos.
A curtida da criançada termina dentro da loja, onde há ovelhinhas de pelúcia de todos os tamanhos, cores e formatos. Há ainda outros brinquedos e roupas feitas de lã. Não vai viajar com crianças? Tudo bem, este passeio também é para você. Dentro da loja, é possível degustar os deliciosos produtos elaborados com o leite de ovelha. O iogurte com baixo teor de lactose e textura muito cremosa já é bastante conhecido. Mas o destaque mesmo vai para os queijos. Fabricado exclusivamente com o leite ovino, o pecorino pode ter sabor que vai do muito suave e delicado até o marcado e forte, dependendo do seu tempo de maturação. Na câmara fria, ao lado da loja, é possível observar os queijos amadurecendo. E na degustação, é possível provar todos e testar o seu paladar.
Os bebês-ovelha tomam mamadeira na mão dos turistas
Também são fabricados cosméticos cujo princípio ativo é a lanolina, uma substância com alto poder de hidratação utilizada há décadas para fabricação de cremes e xampus. É quase certo que você já ouviu falar de lanolina, não é? Mas sabia que ela é extraída da lã da ovelha?
8. Casa da tecelagem
Quando chegaram ao Rio Grande do Sul, os imigrantes implantaram na nova terra muitos dos costumes que tinham no país de origem. Um desses hábitos era fabricar as próprias roupas e cobertas em teares caseiros - até porque não havia acesso a produtos industrializados. Essa tradição se mantém viva nos Caminhos de Pedra, na Casa da Tecelagem. É comum chegar por ali e encontrar a proprietária do negócio, Justina Foresti, de 51 anos, sentada em seu tear de 150 anos fabricando um tapete, um trilho de mesa, uma manta de sofá. Tudo do mesmo jeitinho que seus antepassados faziam.
- Fiar e tecer eram atividades comuns entre os imigrantes. Mas nem todos tinham tear em casa, isso era para as famílias com um pouco mais de posses. Mas todas fiavam. Muitas vezes, então, as mulheres compartilhavam os teares - explica Justina.
Pelas mãos da artesã, lã se transforma em cachecol na Casa da Tecelagem
Além de ver o velho equipamento funcionando com perfeição, aprender sobre este aspecto da cultura trazido pelos imigrantes e ainda observar a casa de 1915, o visitante pode comprar as muitas peças produzidas por ali. As gurias aceitam até encomendas, que costumam despachar para todo o país.
9. Cantina Strapazzon
O cenário já foi cena do filme O Quatrilho, já apareceu em comerciais e duas por três é eleito por apaixonados noivos para as fotos do casamento. E não há nenhum exagero nisso. A casa de pedra erguida por volta de 1880 é, de fato, uma beleza. Idealizada para ser a cantina da família Strapazzon quando os primeiros imigrantes chegaram do norte da Itália, a casa já foi moradia e, hoje, é cantina novamente, onde adormece o vinho de mesa fabricado na propriedade. Ao lado da porta principal está outro tesouro: um parreiral de videiras que tem, pelo menos, 130 anos. As mudas da variedade Isabel foram trazidas da europa no período da imigração e ainda estão ali, cheias de vitalidade.
- Estão em plena produção. Com elas fazemos nosso vinho - comenta Cristiane Strapazzon, 40 anos, que administra o empreendimento.
Dos velhos barris que repousam sob as centenárias paredes de pedra sai também uma bebida muito singular, bastante conhecida na Itália mas pouco apreciada por aqui. De cor marrom escura e sabor adocicado, o amareto é um licor elaborado com a castanha do pêssego e graspa. Deguste, mas fique sabendo que o teor alcoólico é alto.
Depois de aprender sobre a história dessa propriedade, o visitante conhece uma outra casa de pedra, esta bem mais nova, onde se vende produtos coloniais e as bebidas degustadas na cantina. Também há por ali cosméticos à base de uva.
Nona Gemma é demais!
Vê-la caminhar pela propriedade ou ouvi-la contar seus gracejos não deixa em nós uma dúvida sequer: se a ternura tem um rosto, ele é o da Nona Gemma. Uma das matriarcas da família, Gemma Arsego, 64 anos, tem tudo o que uma nona tradicional tem que ter. Acorda cedo para amassar pão, recebe os turistas sempre com um sorriso sincero e tem um sotaque delicioso que mistura o português, o italiano e o dialeto vêneto, herança dos primeiros imigrantes, de quem ela descende. Se fosse só isso, um papo com essa simpática senhora já seria motivo suficiente para transformar a Cantina Strapazzon em parada obrigatória nos Caminhos de Pedra. Mas Nona Gemma faz bem mais do que isso. Ignorando as limitações que a idade lhe trouxe, ela faz questão de manter-se ativa, participando intensamente da vida de quem a rodeia. Tanto que, no ano passado, fez parte do grupo de dança que venceu o programa Dança da Galera, do Domingão do Faustão. Diante dos jovens, deu os primeiros passos para abrir a coreografia.
- Na hora fiquei pensando que não era capaz, né... mas depois, ô, foi muito bom! - exclama a nona, cheia de vaidade.
No dia a dia, ela nem precisa dançar. Cuida dos filhos e netos e ainda é atração à parte para os grupos que têm a sorte de chegar na cantina enquanto ela sova mais uma fornada de pão.
10. Vinícola Salvati & Sirena
No alto de uma colina, em um grande prédio octogonal erguido com pedras basálticas, encontra-se um sujeito que você precisa conhecer. É claro, você precisa ver a arquitetura, a paisagem, provar os vinhos, beber o suco... é tudo ótimo, mas nada se compara ao anfitrião desta casa. Com um sotaque inacreditável que mistura palavras em italiano e no dialeto dos imigrantes, o proprietário da vinícola Salvati & Sirena é um misto de simpatia, empolgação e paixão. Silvério Salvati, de 50 anos, comenta com toda a gente que o visita que a sua sorte foi o pai não ter tido dinheiro para mandá-lo estudar em Porto Alegre. Nascido em Pinto Bandeira, na época um distrito no interior de Bento Gonçalves, teve que escolher uma carreira cuja preparação pudesse ser feita nos arredores. Foi então para a Escola de Enologia, hoje Instituto Federal. Encontrou ali a vocação da sua vida.
Silvério mostra aos visitantes o vinho que produz, sua grande paixão
Trabalhou no setor vitivinícola por alguns anos até que resolveu pôr em prática o antigo sonho de ter uma pequena vinícola para fazer vinhos de forma artesanal e recuperar a tradição desta atividade. Integrou-se então ao projeto Caminhos de Pedra e, desde 2003, apresenta aos turistas algo mais do que o vinho e seu processo de preparação.
- Queria recuperar as cepas tradicionais que eram plantadas aqui na chegada dos imigrantes. As uvas que utilizamos hoje para os vinhos finos são muito mais recentes no país - explica.
Sob este argumento ele apresenta, cheio de entusiasmo, o vinho feito com a uva peverella, uma antiga cepa rústica, a primeira branca a ser plantada em solo gaúcho. Extinta até mesmo na Itália, sua origem, a peverella encontrou nas terras e nos barris de Salvati um jeito de sobreviver. Ele faz o mesmo com outras castas como a branca goethe, vinda da Alemanha, e a tinta barbera, também originária da Itália.
- Isso é um momento único, ê! Vocês nunca tomaram um vinho com essa uva! Ô, spetáculo!!
Junto com a família, toca o negócio que é parada obrigatória nos Caminhos de Pedra. Recebe ele mesmo os grupos de turistas, explica todo o processo de vinificação e faz questão de mostrar suas meninas dos olhos, as antigas uvas rústicas. Também serve jantares típicos para grupos e recebe eventos. Se diz realizado e feliz com a atividade de todos os dias e orgulhoso por fazer parte deste projeto. Quer preservar e fomentar a cultura que aprendeu em casa e que descobriu, quando adulto, que poderia perder-se em meio às modernidades do mundo.
- Se não praticarmos a nossa verdadeira cultura, vamos ficar vagando pelo mundo, como se não tivéssemos origens nem raízes.
11. Casa da Erva Mate
Mesmo para a gauchada, acostumada a matear a qualquer hora do dia, o processo de fabricação da preciosa erva é pouco conhecido. Por isso, a parada diante da grande roda d'água, na Casa da Erva Mate, é interessante. Dentro do galpão de madeira, o visitante observa como era a fabricação do produto antes da industrialização da atividade. Movidos pela força da água, os equipamentos socam, moem e preparam as folhas da ilex paraguariensis para se transformarem em chimarrão. Depois de conhecer o funcionamento da ervateira e de ver de perto as árvores que fornecem o elixir dos gaúchos, os visitantes vão para a melhor parte: degustar o mate. Uns fazem cara feia, outros adoram, muitos levam para casa cuia e bomba, prometendo aderir ao hábito. Todos se emocionam ao participar do ritual da roda de chimarrão. E para quem não tem medo de novos sabores, tem até sorvete de erva mate.