Quando escolheu a história de Bruna Surfistinha como tema de seu primeiro filme, o diretor de comerciais Marcus Baldini não havia simplesmente se deixado seduzir pela garota de programa mais famosa do país. O que ele viu nas páginas do best-seller O Doce Veneno do Escorpião (2005) foi uma cinderela trash.
? Por trás da garota de programa, tinha uma menina tentando realizar a qualquer preço seus sonhos de adolescente, a busca pela liberdade, o fim do complexo de inferioridade, a descoberta do corpo ? explica o diretor do superaguardado Bruna Surfistinha, que estreia na próxima sexta-feira nos cinemas.
Ainda hoje, seis anos depois da aposentadoria de Bruna Surfistinha, Raquel Pacheco, 26 anos, divide-se entre a garota de fala mansa e desejos como o de qualquer outra mulher (vida tranquila com o marido, filhos, o diploma de psicóloga) e o vulcão que segue atiçando o imaginário alheio, agora turbinado pela imagem de Deborah Secco como protagonista do filme.
Raquel/Bruna, criadora e criatura, desenham seus domínios. Na internet ? universo em que a ex-garota de programa se tornou célebre ao narrar seus encontros com clientes em um blog ?, cada uma tem seu canto: Raquel narra seu cotidiano classe média com o marido, jantares de casal e tardes na piscina com as amigas no blog Raqpac (www.raqpac.blogspot.com); Bruna dá conselhos sexuais e amorosos e conta as novidades de seus projetos profissionais no site Não, não para... (www.naonaopara.virgula.uol.com.br/brunasurfistinha). Como Raquel já descobriu, depois de tamanha exposição, Bruna não sairá de cena tão cedo.
? Antes, era nome de guerra. Agora, é personagem. A Bruna me deu vários frutos, principalmente depois da prostituição ? afirmou Raquel em entrevista por telefone, desde São Paulo, onde mora.
Ao contabilizar tudo o que ganhou com Bruna, Raquel se foca nas amizades, nos fãs e no marido, o advogado de 35 anos que conheceu primeiro como cliente. Mas Bruna, a forma pouco convencional de redenção da garota que se sentia um patinho feio na escola, também foi um passaporte para a fama que rendeu ? e ainda rende ? dividendos. Somando os três livros que já lançou (que incluem ainda O que Aprendi com Bruna Surfistinha e Na Cama com Bruna Surfistinha), já vendeu mais de 300 mil exemplares, negociou os direitos de sua história para o cinema e tem mais projetos pela frente ancorados na personagem.
Na entrevista a seguir, Raquel faz um balanço dessa experiência, lamenta ainda não ter retomado o contato com os pais e anuncia seus planos futuros:
? Vivo minha vida literalmente. Percebo que a maioria das pessoas deixa de ser o que realmente querem ser com medo das opiniões alheias. A vida é muito curta para se viver tentando agradar os outros e não o que se quer realmente viver. É isso que passo com minha história: tudo bem, errei muito, sacaneei meus pais, fugi de casa, mas sempre busquei minha felicidade, e continuo buscando.
Depois que a poeira do filme baixar, Raquel quer ter um filho e preservá-lo da exposição pública
ENTREVISTA
Donna - Como está a expectativa para ver sua vida retratada no cinema?
Raquel Pacheco - Estou muito ansiosa. Nos cinco anos de trabalho do filme, aproveitei para ir me preparando para a exposição, as críticas, o sucesso. Não só eu mas todos que trabalharam no filme têm a expectativa de que seja um sucesso de bilheteria.
Donna - Hoje, que balanço você faz da experiência que viveu?
Raquel - O filme mostra que, desde quando fugi da casa dos meus pais decidida a me prostituir, vivi muitos altos e baixos. Hoje me pergunto de onde saiu tanta coragem para cair no mundo, sendo que era muito medrosa e extremamente protegida dentro de casa... até certo ponto, enquanto as brigas não haviam começado (Raquel relata no livro seu desconforto ao ter descoberto que era filha adotiva, sua rebeldia contra o que considerava superproteção dos pais e as brigas e a surra dada pelo pai quando ela admitiu ter furtado joias da mãe. Com esse episódio, as relações ficaram difíceis). No dia em que fugi, me senti como um pássaro que fugiu da gaiola e precisava aprender a voar. Por serem extremamente protetores, não me deixavam curtir a vida de adolescente, sair com as amigas, namorar. Quando saí, não foi apenas para buscar independência financeira, mas a liberdade de fazer o que bem quisesse da minha vida.
Donna - Hoje, você ainda acha que a prostituição era o único caminho a seguir?
Raquel - Naquele momento, era a única opção que via, até para continuar com o padrão de vida que tinha. Não queria sair de casa para ter um trabalho digno perante a sociedade em que ganhasse um salário mínimo.
Donna - Você retomou o contato com seus pais?
Raquel - A última vez que falei com minha mãe foi por telefone no Dia das Mães, em 2004. Em agosto daquele ano, comecei a aparecer na mídia e aí, se tinham alguma dúvida do que estava fazendo, passaram a ter certeza pelo fato de eu ter dado a cara a tapa. Cheguei a tentar mais um contato: deixei um vaso com orquídeas para ela na recepção do prédio deles, com uma carta dizendo tudo que eu gostaria, e, no final, coloquei meus contatos. Mas ela nunca me procurou.
Donna - Você disse que o filme seria um ponto final na trajetória da Bruna. Qual o futuro da Bruna?
Raquel - No ano passado, vivi muito mais a Raquel e aproveitei para concluir o Ensino Médio no supletivo, algo que ainda não tinha conseguido por causa dos projetos que apareciam - para a Bruna. Atualmente, vivo para a Bruna por causa do longa e dos projetos ligados ao personagem que vou divulgar após o filme. Sei que nada mais que eu faça como Bruna será tão especial como um filme. Claro que vou aproveitar frutos que possam aparecer com a estreia, mas quero mesmo que seja um ponto final, porque tenho outros sonhos, como Raquel.
Donna - Como ser mãe?
Raquel - Tenho muita vontade de ser mãe e até hoje segurei isso, pensando em não expor meu filho na mídia. Agora, com o filme, não conseguiria preservá-lo. Mas, quando der uma acalmada na minha vida como Bruna, vou me dedicar à minha vida pessoal. E a Bruna... Não vou poder acabar com o blog: foi com o blog da Bruna Surfistinha que tudo começou. Penso nas pessoas que me acompanham desde aquela época, que torceram por mim e que até hoje mantêm contato. Não posso simplesmente abandonar o blog e fingir que a Bruna não existiu.
Donna - O que a Bruna lhe trouxe?
Raquel - Tenho grandes amigas que chegaram até mim como fãs da Bruna, mas eu, como Raquel, acabei as conquistando. Meu marido foi cliente meu, não o teria conhecido se não fosse a Bruna. Muito mais do que nas conquistas materiais, penso nas amizades e no meu marido. Gosto de entrar no Twitter e ver todo dia recados carinhosos.
Donna - O público tem a percepção da Bruna e da Raquel ou só vê a Bruna?
Raquel - A maioria só vê a Bruna. Por um lado é bom, as críticas são só para ela, não para a Raquel.
Donna - O que ficou da época em que a Bruna era o seu dia a dia?Raquel - Tive muitas amigas entre as meninas, mas, quando parei de trabalhar nas casas, mudei de celular. As meninas têm esse costume de mudar frequentemente de celular e acabam perdendo o contato por causa disso ? e mudam muito de cidade, de país... Então, o distanciamento foi natural. Fiz muitas amizades com clientes, que deixaram de me visitar com segundas intenções, por causa de sexo, com quem eu saía como com um amigo qualquer. Mas, depois que parei de fazer programa, seria uma ligação muito forte com o meu passado receber em casa um ex-cliente. Mais do que isso, pensei no meu marido.
Donna - Como ele lida com a exposição da sua história?
Raquel - Ele me conheceu quando eu já estava na mídia: ficou sabendo do meu blog por causa de uma matéria que viu sobre mim e acabou marcando horário comigo. Então, desde o começo foi muito compreensivo. Só não gosta de se expor, até por causa do trabalho dele como advogado ? a profissão dele exige seriedade e discrição, e é muito difícil as pessoas associarem ele, como meu marido, a um homem sério. Há ainda muito preconceito, infelizmente. Mas, sempre que pode, ele me acompanha em entrevistas, é muito companheiro.
Donna - Você enfrenta muito preconceito?
Raquel - Bastante. Quando saio, ainda mais agora que estou mais na mídia, sinto o olhar das pessoas, os cochichos, as risadinhas. Recebo e-mails... A crítica acaba sendo a maneira de as pessoas expressarem o preconceito em relação ao meu passado. Já aconteceu de ir a um restaurante e a mulher da mesa do lado pedir para trocar de lugar porque não queria ficar perto de mim. O que já me incomodou muito, hoje não mais, foi ver que muita gente não acredita que parei de fazer programa. É preconceito achar que não sirvo para mais nada a não ser fazer sexo, que não tenho direito de mudar.
Donna - Quais são seus projetos profissionais agora?
Raquel - Tenho um site, o Não, não para..., e minha sócia e eu temos pensado no crescimento dele. Também vamos lançar uma loja de produtos eróticos femininos. E há três semanas trabalho em um bar como DJ.
Donna - Você se apresenta com que nome?
Raquel - Vou me lançar oficialmente no dia 28, e vai ser Bruna Surfistinha mesmo. Não tem como escapar desse nome. Mas não sei se vou seguir com essa carreira porque, no segundo semestre, quando penso ser mãe, não vou poder continuar trabalhando à noite.
Donna - Como vai apresentar a seu filho a história da Bruna Surfistinha?
Raquel - É uma preocupação que tenho. Não sei qual momento contar, se na infância, se na adolescência, mas prefiro não sofrer por antecipação. A única certeza é que quero que ele saiba por mim do meu passado, e não pela internet, por algum colega, por um comentário maldoso... Acho que vou ter de trabalhar muito isso em análise para ver o momento certo. E psicologia é o meu sonho, quero muito ser psicóloga. Mas, antes, quero ser mãe.
Retrato das garotas de programa
Além da chance de ver na tela a vida da (ex)garota de programa mais famosa do Brasil e de conferir Deborah Secco em cenas quentes, o filme Bruna Surfistinha pode oferecer uma resposta. Por que, afinal, uma garota de classe média, que estudou em colégio tradicional e cresceu no conforto buscaria ganhar a vida fazendo sexo por dinheiro?
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