Estrela do desfile de verão da Colcci na SPFW e a cruzada de pernas que a top deixa como legado para gerações de modelos: "Meu andar surgiu de forma muito natural, dar passos largos era a forma como eu me sentia bem andando na passarela"
Exuberante em sua imagem e extremamente contida em sua essência, o frescor da beleza de Gisele Bündchen só flui nas passarelas do Brasil de forma programada, em eventos semestrais do mundo da moda. Essa constância foi interrompida na última quarta-feira, no desfile de inverno da Colcci, marca que teve Gisele pela última vez como garota-propaganda sob a mira dos fotógrafos empoleirados no pit da São Paulo Fashion Week. Como alardeou-se durante toda a semana e como vem sendo alardeado já há alguns meses , Gisele anunciou que este desfile marcaria sua despedida oficial das semanas de moda nacionais e internacionais. Uma espécie de aposentadoria, visto que não descarta participar de projetos especiais e vive aberta a novas possibilidades. Só que, a partir de agora, sem corre-corre e compromissos com calendários fashion.
Em janeiro de 2006, tive a oportunidade de entrevistar Gisele e a chance de tentar compreender o que havia por trás desta imagem de garota vitoriosa, acima do bem e do mal, um exemplo que todas as gerações de modelos perseguem. Minha primeira impressão foi "luz". Gisele tem aquela luz natural inerente a superstars. Quando ela aparece, o ambiente se ilumina. Havia experimentado esta sensação apenas uma única vez, 10 anos antes, em uma entrevista com a top model alemã Claudia Schiffer. Conversando com a consultora de moda Gloria Kalil, certa feita, comentei sobre esta luz tão difícil de ser traduzida em palavras, ao que Gloria, do alto de sua experiência, definiu como talento - algo difícil de definir e fácil de reconhecer.
O adeus da über
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Existem dois tipos de talento. Há aquele que adquirimos após anos e repetições do mesmo ofício e há o talento nato, aquele que nasce com a gente. O último fez Gisele nascer predestinada a ser uma modelo, com peso, altura e medidas nos padrões perfeitos. Mas isso, por si só, não teria bastado para forjar a grande estrela que se tornou. Gisele só chegou ao posto de única über model do planeta (expressão em alemão que designa algo grande, "acima de") graças a muito esforço e repetição - e foi a união desses dois talentos que a tornou única.
Tinha 13 anos na época em que venceu a etapa regional do concurso The Look of The Year, em Porto Alegre, e nenhuma ideia do que se tratava uma carreira de modelo. É justamente aí que reside seu grande valor: no momento em que sentiu que poderia obter êxito na profissão e que tinha condições de vencer na carreira, aí ela quis. Quis muito. E essa é a grande diferença. Disciplina, profissionalismo, educação, respeito ao próximo, ética e pontualidade são apenas algumas características apontadas pelos profissionais e colegas de profissão como grandes diferenciais da modelo.
Gisele construiu a carreira em cima de decisões certeiras, e sua trajetória irretocável impede o maior dos experts de discordar da decisão de despedir-se das passarelas aos 34 anos de idade e 20 de profissão. Fatura muito mais dinheiro do que qualquer outra modelo em atividade: foram US$ 47 milhões apenas em 2014, segundo a revista Forbes. Ainda de acordo com a publicação, a fortuna total da brasileira chega a US$ 427 milhões. Improvável que essas cifras venham a diminuir com esta "aposentadoria".
Além de contratos publicitários para campanhas de marcas como Chanel, Pantene, Vivara e do canal por assinatura Sky, Gisele, a própria, admitiu que uma volta às passarelas não está descartada.
—Não é uma aposentadoria, pois vou continuar trabalhando. Além disso, não descarto desfilar, porque já estou nesse business há 20 anos. Sempre estou aberta às oportunidades que aparecem, vou deixando a vida fluir. Se for por alguma causa especial, quem sabe adiante ainda venha a desfilar.
Na quarta-feira, dia do seu último desfile, Gisele atendeu ao pedido de entrevista de Donna - com exclusividade entre as revistas nacionais - e respondeu com a delicadeza e sinceridade de sempre às perguntas enviadas por meio de uma das profissionais que trabalha com ela há mais de 10 anos, a publicitária gaúcha Andréa Klemm, diretora de negócios do Núcleo de Moda da agência Escala, responsável pela produção executiva deste último desfile da über. As perguntas e respostas você confere abaixo, e a capa extra que bolamos para a reportagem, que você viu acima, é uma homenagem à guria de Horizontina que sempre soube propagar com maestria a imagem mundo afora de um Brasil vencedor.
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Donna - A decisão de se aposentar das passarelas é algo que vem sendo construído já há algum tempo? Quando foi que você decidiu que esta seria a hora de parar e por quê?
Gisele Bündchen - Sim, era algo que já vinha sentindo que deveria fazer, e a celebração dos 20 anos de carreira pareceu o momento ideal para isso. Estou plenamente realizada neste aspecto da minha carreira e pronta para dar este passo. Quero me dedicar mais a minha família e a outros projetos pessoais.
Donna - Cogita futuramente desfilar em passarelas de estilistas que considera especiais ou isso também está fora de cogitação?
Gisele - Se houver algum projeto especial, com uma causa nobre, por que não? Acredito que é sempre importante estar aberta para as oportunidades.
Donna - Você celebrizou-se internacionalmente pela famosa cruzada de pernas na passarela, que acabou fazendo escola. Este, sem dúvida, é um grande legado que você deixa para as gerações de modelos que vieram e ainda virão. Como enxerga essa herança? Gostaria que você comentasse também como ela surgiu: foi algo pensado, estudado ou absolutamente natural?
Gisele - Meu andar surgiu de forma muito natural. Dar passos largos era a forma como eu me sentia bem andando na passarela. Acho engraçado que tenha virado um modelo de andar. Porém, se este estilo funcionar para mais alguém, fico feliz.
Donna - A que você deseja se dedicar mais daqui para frente? Qual é seu grande xodó profissional no momento, o que está mais curtindo fazer?
Gisele - Quero me dedicar ainda mais à família. Também quero ter tempo para trabalhar em projetos especiais. Ainda tenho muitos sonhos para realizar, mas sonhos e projetos a gente não conta: trabalha para realizá-los.
Donna - Tem vontade de fazer dramaturgia no Brasil ou no Exterior? Se sim, o que mais atrai você nesse ofício?
Gisele - No momento, não tenho planos neste sentido. Mas quem sabe o que o futuro me reserva?
Donna - Do que mais sentirá saudade no universo dos desfiles e das passarelas e do que não sentirá falta de jeito nenhum?
Gisele - Vou sentir falta da energia à flor da pele, que só experimento quando estou na passarela. Não vou sentir falta do corre-corre e da pressão.
Donna - Quando você olha para trás e enxerga sua carreira nas passarelas, quais diria que são os momentos e desfiles mais especiais e por quê?
Gisele - São 20 anos de carreira e muitos momentos especiais, seria difícil enumerá-los. Mas um desfile marcou o início da minha carreira, o do Alexander McQueen, em Londres, em 1998. Foi naquele momento que minha carreira internacional despontou. A partir daquele desfile comecei a ser chamada para outros trabalhos de moda e outros desfiles. O pessoal fashion passou a me ver de uma maneira diferente, o que resultou na capa da Vogue americana com a chamada "o retorno das curvas", que me colocou em outro patamar na minha carreira.
Donna - Com menos esse compromisso de desfiles na agenda, planeja estar mais no Brasil, mais próxima da família aqui? E que papel exerceu a família nesta sua tomada de decisão?
Gisele - Desde que me tornei mãe, passei a eleger outras prioridades na minha vida. Poder ficar mais com meus filhos foi um dos motivos que me levaram a tomar a decisão de parar de desfilar. E, com certeza, quero estar também mais tempo com meus familiares no Brasil, sim.
* Fotos: AFP e Agência Fotosite