Entre a primeira e a segunda maternidade, a atriz paulistana Miá Mello foi de super-heroína que arrasava no papel de mãe à jovem aprendiz — precisou repensar tudo aquilo que tinha como certeza sobre ter filhos. Na contramão da tranquila e sociável primogênita Nina, 14 anos, o menino Antônio, seis, tirava a mãe da cama por madrugadas a fio. Ao pé da janela, Miá rezava para um ônibus barulhento passar na avenida, capaz de chamar atenção do bebê no seu colo e acalmar seu choro.
— Com Nina foi uma maternidade em que me senti muito no controle. E aí veio Antônio e tirou tudo isso de mim. O que foi muito bonito também porque, ao me quebrar em tantos cacos, quando me reconstruí, me vi montada de novo muito mais potente — relembra a atriz de 42 anos.
As durezas do puerpério, da montanha-russa de hormônios, dos choros e das birras das crianças, e também o encantamento dos primeiros meses de maternidade ganham o palco do Theatro São Pedro neste fim de semana (4 e 5 de novembro) com direito a sessão extra no sábado. Humor e maternidade real é o que oferece a peça Mãe Fora da Caixa, inspirada no livro best-seller homônimo de Thaís Vilarinho, com direção de Joana Lebreiro e texto de Cláudia Gomes.
Com suas próprias vivências em mente, Miá interpreta a "mãe", personagem que já tem uma filha de sete anos e aguarda ansiosa o resultado de um teste de gravidez. Este é o primeiro monólogo de uma carreira que começou longe dos palcos. Miá é formada em Publicidade e Propaganda, e trabalhou no ramo até 2008, enquanto levava a arte dramática como hobby.
A virada de chave foi a formação como atriz no Teatro Escola Célia Helena e o convite de um amigo, o ator e humorista Paulinho Serra, para participar do grupo de humor DezNecessários (2008). Depois, foi para a TV no programa Legendários (2010), da RecordTV, e fez diversos trabalhos no Multishow e na Globo, como Viajandona (2011) e Casseta&Planeta (2012). O desejo maior, no entanto, era estrear no cinema, experiência que deu certo de primeira: em 2013 estrelou ao lado de Fábio Porchat o longa Meu Passado Me Condena, que fez R$ 5,7 milhões de bilheteria no primeiro final de semana.
— Tenho um carinho especial por esse projeto que é super divertido e rende muito pano para manga porque, assim como maternidade, relacionamento é um tema sem fim. E ganhei de presente a amizade com o Fábio, a possibilidade de aprender com ele, me deu muito da artista autoral que sou hoje e a visibilidade de fazer muitos outros trabalhos — afirma.
Maternidade e vocação se fundiram mais uma vez neste ano, que marca a estreia de Miá na assinatura de um roteiro, já que colaborou para versão de Mãe Fora da Caixa para o cinema, que está em fase de montagem.
Além do longa, está no seu horizonte lançar duas séries no streaming em 2024: Som e a Sílaba, de Miguel Falabella, e Luz, de Thiago Teitelroit. Em conversa com Donna por telefone, Miá faz um relato de peito aberto sobre a maternidade no palco e fora dele:
O que podemos esperar da peça Mãe Fora da Caixa?
A peça tem um grande poder de identificação, pois maternar é um assunto universal. Se você não é mãe, você é ao menos filho de alguém. Mas é claro que, quando você está falando com mães e pais que têm filhos pequenos, a peça é uma voadora no peito deles. Muito já ouvi "Nossa, você está falando da minha vida ali".
Quais temas da maternidade são apresentados?
Falamos principalmente sobre puerpério, momento que dizem que tem 40 dias (risos). Me pergunto, quem é que estipula uma coisa tão íntima? O meu durou uns dois anos e meio. Acontece uma revolução na vida da mulher, não só porque nasceu o filho, mas porque há uma revolução hormonal. Também falamos de outros momentos difíceis da maternidade, mas que se tornam hilários com o tempo, como a época de adaptação da criança na creche, que é difícil e delicada.
Me considero uma pessoa que consegue extrair coisas engraçadas das maiores tragédias
MIÁ MELLO
atriz e publicitária
Como foi essa etapa na família de vocês?
Quando a criança se adapta rápido, como foi com a minha filha, é você quem tem que se adaptar porque fica com vontade de chorar pensando 'não é possível que ela deu tchauzinho, virou as costas e saiu andando!'. Já com Antônio o momento da entrada era sempre gritando, a gente tinha que entrar na escola com ele no colo.
Um dia falei para ele "É muito difícil esse momento pra gente, a professora que você adora não gosta que você grite, assim não dá" e ele respondeu "Eu sei, mas eu gosto!" (risos), e pensei "Poxa, ele tem um ponto aí". Foi muito curioso como a maternidade dele fez essa revolução dentro de mim, passei a identificá-lo como indivíduo muito cedo porque desde sempre teve suas vontades e desejos. Ele exige de mim muita paciência, mas eu nasci desprovida de paciência.
Por que a sua primeira experiência como mãe foi tranquila, esperava que a história se repetisse na segunda vez?
Sim. Hoje em dia, consigo entender claramente que o que mais me fez sofrer foi a quebra de expectativa. Me senti muito frustrada porque tinha certeza que as coisas iam acontecer de um jeito, e nada aconteceu daquele jeito. Antônio exige de mim uma maternidade completamente diferente. Graças a muita terapia e ter um parceiro tão inspirador (o diretor de TV Lucas Melo) rapidamente consegui fazer uma virada.
Como foi o puerpério?
Acho que com essa história de que puerpério são 40 dias você acaba engessando as coisas. Faz a mulher se perguntar ‘Pô, já passou 40 dias, eu teria que estar bem, então como é que ainda estou toda ferrada?’, e isso só gera mais angústia. Se eu fosse capaz de mudar alguma coisa, seria isso. O puerpério não tem tempo, ele é individual, vai variando conforme a história biológica da mulher, a relação que ela tem com o parceiro, se é mãe solo, adotiva, de UTI neonatal. Cada pessoa vai viver uma experiência.
Falar abertamente sobre os perrengues da maternidade faz você sentir uma espécie de "culpa católica"?
Óbvio. Eventualmente quando estou contando as experiências difíceis e negativas que tive com meus filhos, a minha vontade é, logo na sequência, enviar por WhatsApp algumas fotos para pessoa ver como eles são lindos e como eu os amo. E várias vezes reflito sobre como soa para eles toda essa minha transparência, porque sou uma pessoa pública. Mas sempre me volto para um lugar de transparência e honestidade. É importante meus filhos entenderem que a maternidade é linda, mas também é foda.
O que mais surpreendeu você na maternidade, ao estilo "isso ninguém tinha me contado"?
Hoje em dia tenho uma empatia gigantesca por mães e pais com filhos pequenos chorando ou fazendo birra, porque ninguém está tranquilo com uma criança desse jeito, nem a criança está fazendo para sacanear. São muitas camadas, e a gente não tem nem ideia do que está acontecendo. O melhor que podemos fazer é não julgar.
Afinal, como vou ensinar minha filha a ter amor-próprio se ela não ver eu me impondo?
Qual é a lógica para criar um homem e uma mulher?
Quando engravidei de um menino, fiquei muito impactada pensando no desafio que é criar um homem. Até então meu foco era criar uma menina que não precisasse passar por coisas que não precisamos passar. Me dá a sensação de que criar uma mulher forte é mais fácil do que criar um homem sensível. Mas meu marido e meu pai são dois exemplos. Então encarei a vinda de Antônio como uma chance de ter no mundo mais um exemplar desses homens que admiro tanto.
Os seus trabalhos e o seu jeito de conversar passam uma vibe de alto astral e riso solto. Como é a sua personalidade?
Me considero uma pessoa que consegue extrair coisas engraçadas das maiores tragédias. E tenho isso como uma característica positiva, faz com que a vida, que é tão dura em muitos momentos, fique um pouco mais leve. Em contrapartida, também sou muito impaciente, preocupada e estressada. Às vezes dou uma voadora, mas depois vou lá e peço desculpas, me coloco no lugar do outro e vejo que errei. Viver comigo é uma grande emoção, para o bem e para o mal.
Sente que às vezes as pessoas não lhe respeitam por não passar a impressão de "brava"?
A minha energia basal é de uma pessoa super permissiva. Mas chegou um ponto em que pensei "isso me faz mal", porque o fato de priorizar o outro faz com que eu não me dê valor. Hoje em dia não acontece mais porque faço muita análise. Fico numa felicidade quando relato para minha terapeuta que consegui me impor. Fazer isso nunca é tranquilo pra mim. E a maternidade faz você ser melhor nisso também.
Afinal, como vou ensinar minha filha a ter amor-próprio se ela não ver eu me impondo?