Referência no rock, a cantora, compositora e atriz Tina Turner morreu aos 83 anos, confirmou sua assessoria nesta quarta-feira (24). Para além de uma carreira musical brilhante, a artista deixa como legado a abertura de um diálogo importante sobre violência doméstica. Ao falar publicamente sobre os traumas que o casamento com o artista Ike Turner deixou em sua vida, Tina abriu caminho para o despertar de muitas mulheres e, assim, virou também inspiração e ícone feminista.
O início da carreira de Tina é intrinsicamente ligado a Ike. Isso porque ela começou a se apresentar ainda adolescente com a banda do artista, Kings of Rhythm. Foi como dupla que os dois atingiram o auge do sucesso, com hits como Proud Mary e Nutbush City Limits, por toda a década de 1960. Na época, no entanto, o que não era exibido para o público eram os constantes abusos que ela sofria do marido.
Eles se casaram em 1962 e ficaram juntos por 16 anos. Nesse período, Tina sofreu com violência física e psicológica, tendo sua mandíbula quebrada, sendo atingida por café quente no rosto e obrigada a cantar mesmo quando não estava bem. Muitos desses relatos estão no livro Minha História de Amor, lançado por ela em 2019.
"A nossa vida juntos foi marcada por abuso e medo. (...) Num jeito perverso, os hematomas que ele me deu — um olho roxo, o lábio machucado, a costela trincada — eram marcas de posse. Uma maneira de dizer: 'Ela é minha e eu posso fazer o que eu quiser com ela'. Eu sabia que tinha que ir embora, mas eu não sabia como dar o primeiro passo. Nas horas mais difíceis, eu me convenci que a morte era o meu único caminho", escreveu ela em um trecho, republicado pela revista Quem.
Tina também relata, na obra, que tentou suicídio em 1968, quando tomou de uma só vez dezenas de pílulas para dormir.
Num jeito perverso, os hematomas que ele me deu eram marcas de posse. Uma maneira de dizer: 'Ela é minha e eu posso fazer o que eu quiser com ela'
TINA TURNER
sobre relação com Ike Turner
"Havia três mulheres em casa naquele dia e Ike estava fazendo sexo com todas. Tudo estava desmoronando: meu status, minha confiança, meu mundo. Uma noite, antes de um show, eu não aguentava mais e engoli 50 pílulas para dormir. Eu sabia que elas iam demorar para fazer efeito, então eu calculei que conseguiria fazer o número de abertura e desse jeito Ike ia conseguir o dinheiro da performance. Eu estava tão bem treinada que até meu suicídio deveria ser conveniente para ele", relatou.
A artista então foi encontrada desacordada e levada a um hospital. "No dia seguinte, eu acordei, virei o rosto e lá estava Ike. 'Você deveria morrer', ele disse"', completou ela.
Outro problema enfrentado por Tina no relacionamento era o convívio com o marido quando ele usava drogas.
"Ele começou a usar cocaína, porque alguém havia dito que isso ia ajudar no sexo. Para mim, entretanto, transar com Ike era hostil, e um tipo de estupro, principalmente quando começava ou terminava comigo sendo espancada. (...) Ele usava meu nariz como saco de pancadas tantas vezes que eu conseguia sentir o sangue descendo a minha garganta quando eu cantava. Ele quebrou meu maxilar e eu não lembrava como era não ter um olho roxo", descreveu.
Ike e Tina Turner oficializaram o divórcio nos anos 1970. Ele morreu por conta de uma overdose de cocaína em 2007.
Ainda que a situação delicada na vida pessoal tenha impactado sua carreira, um dos grandes feitos de Tina foi seu bombástico retorno às paradas aos 44 anos, com o single What’s Love Got To Do With It, que chegou à Billboard Hot 100. A canção faz parte do álbum Private Dancer (1983), o seu quinto solo, que vendeu mais de 12 milhões de cópias em todo o mundo.