Em depoimento escrito à revista Piauí, o ator Marco Pigossi contou sobre o longo processo pelo qual passou para assumir sua homossexualidade e sobre ter se distanciado do pai, Oswaldo Pigossi, a partir das eleições presidenciais de 2018. A orientação sexual do artista se tornou pública em 25 de novembro de 2021, feriado de Ação de Graças nos Estados Unidos, onde mora atualmente. Na data, ele apareceu em uma foto de mãos dadas com o cineasta italiano Marco Calvani. Os dois estão juntos há um ano e meio.
Ao compartilhar a postagem do namorado, Pigossi escreveu na legenda: "Feliz Dia de Ação de Graças. P.S.: choca zero pessoas". Mas a jornada para a autoaceitação foi longa. À Piauí, ele revelou que não tinha referências gays próximas de si e que preferia achar que era algo passageiro: "Eu não tinha referência alguma no meu convívio e, quando assistia à televisão, nada servia como alento. Nas novelas ou nos programas de humor, quase sempre os gays eram retratados de forma caricata, pejorativa. Então, me sentindo solitário e sem amparo, me restava torcer para que fosse apenas uma fase", escreveu.
A possibilidade de as portas se fecharem para ele ao assumir sua orientação o "aterrorizava". A situação o levou a fazer terapia três vezes por semana — na época, interpretava um personagem gay na novela Caras & Bocas e tinha receio de que o público pudesse desconfiar que a sexualidade do personagem e do ator eram a mesma.
Ainda no ramo da atuação, o ator explicou que, por seguir um certo "padrão de heterossexualidade", foi convocado para viver galãs em novelas e acabou ficando preso a este tipo de papel. "Enquanto vivia personagens grandes na novela das nove, estava infeliz por dentro. Seguia me escondendo. Na verdade, eu me fazia passar por um heterossexual por pura e simples manifestação de medo", relatou.
Um fato em meio a isso foi marcante. Em 2010, leu uma entrevista de Silvio de Abreu, autor de telenovelas e então diretor de dramaturgia da Globo, em que ele dizia que um ator assumido era um "bobo" porque a revelação prejudicaria sua carreira.
Em 12 anos de vida pública, Pigossi conta ter mantido um relacionamento por oito anos com um homem, com quem chegou a morar no mesmo apartamento — mas sempre tentando esconder a relação. Em 2012, foi alvo de mentiras, quando houve especulação sobre um suposto affair entre ele e um ator da novela Fina Estampa. A notícia chegou a lhe desencadear uma crise de pânico assim que tomou conhecimento. Na ocasião, ele estava em um aeroporto.
"Fui para o banheiro do aeroporto, me tranquei em uma cabine e comecei a vomitar. Liguei para o meu parceiro, chorando. Eu dizia para mim mesmo que minha carreira tinha acabado. Não conseguia sair dali. Meu companheiro teve que pegar um voo de São Paulo ao Rio para me buscar", relatou. A crise fez com que tivesse de começar a tomar remédios.
Sessões de terapia o ajudaram a seguir em frente. Ele revelou que, durante os oito anos de seu namoro, a família sempre esteve a par, mas que ele e o namorado nunca jantaram com o pai, Oswaldo, que não perguntava sobre o relacionamento. Segundo Pigossi, a relação mudou ainda mais a partir das eleições presidenciais de 2018, quando seu pai votou no então candidato Jair Bolsonaro, hoje presidente da República.
"Minha vida amorosa era um não assunto. E, quando meu pai votou em Bolsonaro, senti uma dor profunda, uma tristeza profunda", disse. Em outro trecho de seu relato, ele afirma: "Meu pai e eu ficamos sem nos falar durante o ano da eleição — e até hoje temos contatos apenas esporádicos. O abismo, que já era grande, tornou-se ainda maior".
A decisão de não renovar o contrato com a Globo teve relação também com a sensação de que seria menos doloroso se assumir gay e trabalhar como ator morando no Exterior, revela Pigossi.
No feriado de Ação de Graças, Calvani avisou que queria postar uma foto dos dois juntos. E Pigossi topou. "Logo comecei a receber muitas, muitas mensagens de amigos, de colegas de trabalho, de fãs. Recebi mais parabéns do que no dia do meu aniversário. Foi uma libertação. Uma festa. Nada como viver às claras, ser o que se é em privado e em público", destacou.