Maria Casadevall é muitas mulheres em uma só, tantas que transformou o seu perfil pessoal no Instagram no Espaça Coletiva. Com o início da pandemia, a internet se tornou um dos poucos espaços viáveis para comunicação, foi então que a atriz abriu sua conta na rede social para que outras mulheres pudessem compartilhar seus projetos e iniciativas.
Estrela da série Coisa Mais Linda, da Netflix, como a protagonista Maria Luiza, que abre uma casa de shows no Rio de Janeiro no final dos anos 1950, a atriz também é destaque em Ilha de Ferro (2018), série da Globoplay recentemente exibida na Globo, como Julia, uma engenheira no comando de uma plataforma de petróleo. Mesmo retratadas em diferentes épocas, ambas personagens têm suas atitudes questionadas a todo momento, pelo simples fato de serem mulheres. Fora das telas não é diferente - um dos motivos que têm feito Maria se engajar cada vez mais nas pautas feministas.
— Como mulheres, estamos a todo momento tendo nossas capacidades questionadas, tanto físicas quanto intelectuais e a forma de lidar com isso é fortalecendo nossos laços, buscando trabalhar com mulheres, criando as condições para que estejamos cada vez em maior número ocupando os espaços de criação, de comando etc.
Em entrevista por e-mail à Donna, a atriz de 34 anos falou sobre a sua relação com a profissão, conquistas e desafios das mulheres, autoconhecimento e sobre o relacionamento com a percussionista Larissa Mares - a artista assumiu o namoro publicamente em março deste ano. Confira:
Quando Ilha de Ferro começou a ser exibida na Globo, as cenas de sexo foram parar nos assuntos mais comentados no Twitter. Você lida bem com a exposição do seu corpo? Estamos desde muito novas sujeitas a todo tipo de pressão, assédio e cobrança estética em relação aos nossos corpos, mas, ao longo dos anos, venho construindo uma relação de aceitação e respeito em relação ao meu corpo. Posso dizer que a exposição, desde que o consentimento esteja presente durante a filmagem das cenas e que estejam bem ancoradas no roteiro, faz parte da história que estou contando e de como revelo o corpo desta personagem e sua sexualidade para o mundo.
Entre a época de Maria Luiza, de Coisa Mais Linda (anos 1950/60), e de Julia, de Ilha de Ferro (2018), o que você percebe como avanços para as mulheres?
Apesar de os tempos serem diferentes e reconhecendo conquistas importantes, sobretudo na área jurídica e institucional, como o direito ao voto, ao divórcio e na importante luta pela criação da Lei Maria da Penha, que reconhece e penaliza a violência contra a mulher, enfrentamos preconceitos e violências de gênero em larga escala. São atos incentivados por comportamentos sociais ainda muito enraizados e que definem grande parte do comportamento machista na maioria das relações pessoais e profissionais ainda hoje.
Para Ilha de Ferro, você passou por uma preparação que envolveu simulação de salto em alto-mar, de queda de helicóptero, situações cheias de adrenalina. O que faz seu coração acelerar fora das telas?
O silêncio, o momento da criação de alguma coisa como num processo de ensaio, os encontros verdadeiros tanto quanto a solitude, as primeiras horas da manhã, o estado contemplativo, boas leituras e por aí vai.
Como surgiu a ideia do Espaça Coletiva e o que você tem aprendido com essas mulheres e iniciativas?
A ideia foi gestada em parceria com a artista Larissa Nunes enquanto produzíamos, durante o início da pandemia (de forma remota), a divulgação de uma série em que trabalhamos juntas. Com a realidade do isolamento, o espaço virtual ganhou ainda mais relevância do que já tinha e as redes se tornaram o único espaço viável para comunicação, encontros e, sobretudo, para o trabalho, inclusive, de muitas mulheres artistas e autônomas. A partir dessa percepção e de antigas reflexões minhas sobre como ocupar aquele espaço, compartilhei com a Larissa a ideia de transformar minha conta pessoal do Instagram, e seu potencial de visibilidade, em um lugar permanentemente coletivo. Assim, pensamos juntas nas mulheres que gostaríamos de trazer para pensar com a gente a página que chamamos de Espaça Coletiva. Durante a pandemia, temos feito alguns encontros virtuais, nos ouvindo e nos acolhendo, e essa troca tem sido de muito aprendizado.
Você já contou que prefere viver sem muita exposição da sua vida pessoal. O quanto o trabalho como atriz desafia você nesta questão?
Como atriz e figura pública, me sinto desafiada o tempo todo pela demanda de exposição, e hoje posso dizer que estou mais madura para me respeitar e acolher minha natureza mais introvertida e reservada, sem me cobrar ou entrar em paranoias. Assim tenho aprendido a escolher quando e onde é de fato importante estar, e essa consciência tem sido muito importante para minha saúde mental.
Você e Larissa começaram a namorar em 2019 e já tiveram de encarar nada menos do que uma pandemia juntas. Como está sendo dividir esse momento, que envolve tantas tensões externas?
A pandemia e o isolamento como sua consequência (para quem pode usufruir deste privilégio) têm sido um momento de intensas demandas políticas, sociais e afetivas. Muita ansiedade e muitos medos vieram com tudo isso e muitas incertezas também; mas estabelecer uma relação afetiva/nutritiva no meio do caos e encontrar dentro de casa acolhimento, escuta, força e, sobretudo, saber respeitar o espaço de recolhimento e individualidade uma da outra, tem sido fundamental.
O que você está lendo atualmente?
The Great Cosmic Mother - Rediscovering the Religion of the Earth (A Grande Mãe Cósmica - Redescobrindo a Religião da Terra, em tradução livre), de Monica Sjoo e Barbara Mor.