* Por Ismael Caneppele, Especial
Conversei com Marina Lima já beirando a madrugada. Exausta, a cantora queria transferir a conversa para o dia seguinte. Sem tempo, pressionei, e ela topou na mesma noite. Símbolo sexual, ícone fashion e dona de versos e melodias já considerados clássicos, uma das mais emblemáticas cantoras e compositoras da MPB segue na estrada do rock, se reinventando e fugindo do lugar comum. Na próxima sexta-feira, dia 11, Marina apresenta No Osso, sua primeira incursão voz e violão nos palcos, no Teatro do Bourbon Country. Neste bate-papo exclusivo para Donna, a cantora se revela e nos ensina a viver. No dia seguinte à entrevista, chegando a Porto Alegre no táxi que seguia pela Mauá, recebo uma mensagem de Marina: Não deixe de colocar os risos na matéria, ok? Isso é típico de papos nossos... (risos)
Donna - Por que No Osso?
Marina - Olha, "no osso" pra mim é como se fosse um raio-X. Não tem como ir mais fundo. De alguns meses para cá, comecei a pensar que eu nunca havia feito um show de voz e violão, o que é, musicalmente, no osso. Comecei pelo violão, ele é a origem da maioria das minhas canções, é a minha essência. No começo da minha carreira eu achava até simplista fazer uma coisa assim, sabe? Sempre toquei bem violão, para mim é uma coisa meio que óbvia. É importante que as pessoas ouçam agora as coisas realmente sem alicerce nenhum, até para saberem se gostam ou não. E, se não gostarem, tchau! (risos) É! (muitos risos, depois fica séria) Isso não me magoa, não fico com grilo nenhum! Quem gosta da minha carreira vai entender. E quem tem dúvidas sobre ela, sobre toda a minha trajetória, sobre o meu caminho, sobre a minha voz, a pessoa vai ouvir e decidir se gosta ou não. Se quiser, vem; se não quiser, TCHAU! (Marina explode em gargalhadas) É simples, entendeu?
Donna - Muitas mulheres quando chegam perto dos 60 anos começam a vislumbrar a aposentadoria. Você fará 60 nos próximos dias. Vislumbra uma aposentadoria também?
Marina - Vislumbro uma redescoberta mais aprofundada de tudo que já sei até hoje. Vou descobrir outras camadas mais profundas que só se descobre com a maturidade, com a idade, com a experiência. E pretendo ainda, durante uns vinte anos, desfrutar disso.
Donna - O que você faz pra manter o corpão?
Marina - Você sabe que sou virginiana. Então, sou aquela pessoa meio formiguinha. Desde, sei lá, vinte e poucos anos, que só penso que quero envelhecer bem. (risos) Isso fez parte do meu dia a dia, mesmo quando eu era muito jovem, entendeu? Eu malho, me alimento bem há muitos anos, quando nem "precisaria". É como se o meu temperamento sempre estivesse preparado para o que vem depois. Mesmo que eu viva o presente, tenho o olho no futuro. Também tem uma vantagem, sempre gostei muito de esportes. Sempre tive uma consciência corporal grande. Gosto de ter resistência, de correr, de malhar, de me sentir bem, com saúde. Não acho que bom senso é botar o pé na lama... Uma vez ou outra, sim, mas você tem que saber desenhar a vida que pretende ter, desde cedo.
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Donna - Você participou de um encontro público com Luciana Genro, durante a campanha presidencial. O que você vê nela?
Marina - Conheci a Luciana através dos debates. E me impressionou muito o desempenho dela, porque ela é inteligente, sabe do que está falando. É uma mulher libertária. Desde Getúlio Vargas que eu vejo que o Sul segue essa linha do cobrar uma taxa nas grandes fortunas (risos). É um negócio que sempre vem daí! Desde Getúlio, você acredita?! (gargalhadas, depois retoma a seriedade) Eu li na biografia dele que teve uma época em que tentaram cobrar uma taxa sobre as grandes fortunas. É uma questão de equilíbrio, são anos e anos e anos de injustiça social. Luciana prega também a liberdade de gênero, ela prega o livre casamento, a descriminalização da maconha, a legalização do aborto, ela prega tudo em que eu acredito. O mundo de hoje necessita dessa revisão. Eu gosto da atitude dela, gosto do que ela diz.
Donna - Na sua família, somente você e seu irmão, Antônio Cícero, ainda estão vivos. Como você encara a morte do outro?
Marina - Acho que cada pessoa tem realmente um tempo aqui. Cada pessoa nasce e vive só. Claro que você cria vínculos, mas cada pessoa tem uma história. Então quando penso no meu irmão Beto que foi embora, na minha mãe e no meu pai, pessoas realmente queridas, acho que eles completaram a trajetória deles. E me sinto feliz por ter podido conviver com pessoas de quem gosto tanto, que admiro tanto e que me ajudaram a ser quem eu sou. Não olho mais para isso com tristeza. Com o tempo, já consigo não olhar com pesar. São tesouros que tive e que cumpriram seu tempo na Terra. Guardo essas memórias em um lugar muito especial. É o meu baú de riquezas. Mas a vida segue para quem fica.
Donna - Você é uma mulher dos palcos e sempre foi muito assediada. Acredita na monogamia?
Marina - Quando eu era jovem, ciumenta demais, não acreditava. Depois, entre os 30 e os 45 anos, queria acreditar na monogamia, mas estava muito difícil. Agora, estou amando de novo. E eu quero que a gente seja honesta uma com a outra. Eu e esse meu amor. Quero que a gente seja monogâmica ou fiel enquanto der, e que a gente seja cúmplice. Quero ter pactos com quem eu estiver junto. E, se for o caso de não ser mais monogâmico, pretendo ter uma relação que seja democrática para uma e para outra. É a única forma que vejo de uma relação evoluir. Porque não ser monogâmico, fingir que é, mentir... a hipocrisia não dá! Então, que pelo menos a pessoa que você escolheu pra ser seu cúmplice possa compartilhar até isso, e saber, e permanecer junto. Acho que muito importante em uma relação é lealdade. Acredito na relação a dois. Acho importante ter um par. Sei lá, não sei se é importante. Sei que eu me sinto muito potencializada quando tenho um par. Não quero relações hipócritas, sabe? Mas quero que deem certo e espero que possa ser um par, acho mais simples do que um trio. (risos) Acho que trio é demais, eu não dou conta! (ataque de riso)
Donna - Quando a gente pode esperar um disco de inéditas?
Marina - Acho que no ano que vem. Faço discos para mim antes de ser para qualquer pessoa. Primeiro é para mim. A minha tribo me encontra, graças a Deus! Mas eu precisava registrar algumas canções só em voz e violão. Precisei disso até para falar o que te falei no começo da entrevista: é assim! Agora é assim. Se você gosta, vem comigo. Como diz o Cazuza: "Pra quem entendeu, tá explicado!". Pra quem não entendeu, ano que vem tem um disco novo.
Donna - Você é um ícone fashion. Ainda compra roupas? Qual a sua relação com o consumo?
Marina - Vou te confessar um negócio: adoro roupa, gosto realmente de moda porque a moda é uma forma de se expressar. E, mesmo assim, sou muito de usar calça e camiseta. Mas aquela camiseta e aquela calça querem dizer alguma coisa. É uma atitude minha em relação ao mundo. Roupa é uma expressão. Mas eu não tenho comprado muito. Primeiro, porque estou achando tudo muito caro. Segundo, porque com o tempo e com a idade você começa a ficar mais seletivo mesmo. É uma das vantagens da idade. (risos) Quando se é mais jovem não se sabe ainda o bastante para ser seletivo. Mais velho você consegue ser, então você gasta menos. (gargalhadas) Ismael, você tem que botar nossas risadas nessa entrevista! Você tem que colocar "risos"!
Donna - Você foi capa da Playboy aos 45 anos. Voltaria a posar nua?
Marina - A posar nua para a Playboy, não mais. Mas eu não tenho grilo com o negócio de corpo, não. Acho bonito o nu, acho mesmo! De qualquer maneira... Gosto de preto e branco, de gente triste, de gente magra... gosto dos nus menos sensuais, eu acho lindo. Eu acho o corpo lindo. Mas não para se exibir ou mostrar alguma afirmação de sensualidade. Talvez eu possa posar nua em algum trabalho que eu esteja fazendo e que peça isso. Mas estou em outro caminho agora. Estou interessada em outros caminhos.
Donna - O sexo muda com o tempo?
Marina - Muda. Muda, sim. Você sabe que, anos atrás, quando eu era amiga do Caetano, conversava as coisas mais loucas e tal... Uma vez em um tour na África a gente chegou à seguinte conclusão: sexo é um tédio! E Caetano e eu rimos muito tempo disso. Pode perguntar para ele, ele vai lembrar e vocês vão morrer de rir! Porque, na realidade, gozar é simples. Vai fácil o desejo. Você mata, e passa. Mas conseguir achar motivos para querer transar, gozar e ter prazer com uma certa pessoa, eu acho que isso é que muda um pouco com a idade, entendeu? É uma coisa seletiva. Você começa a escolher bem. Antigamente você não diria não para o puramente sexo. Hoje em dia você vai se tiver alguma coisa por trás. Se for alguém interessante, alguém que você queira conhecer, alguém que tenha escrito alguma coisa... Mas transar só porque a pessoa é bonita, isso é muito pouco. Isso qualquer um pode ser, né?
Donna - Você sempre foi muito ligada às palavras do seu irmão, Antônio Cícero. Como você lida com as suas próprias palavras?
Marina - Aprendi muito vendo o Cícero trabalhar. Aprendi muito com ele. Depois, aprendi lendo outros poetas, conhecendo outros poetas. E aí, pelo menos, você tem um pouco de... qual é a palavra certa? Me ajuda... Estofo! Essa é a palavra. Te dá estofo. Você já parte de um lugar onde não dá pra você fazer qualquer coisa. Eu trabalho mais com música. Mas vi que, quanto mais eu compunha música, mais vinham as palavras. E comecei a trabalhar isso melhor. Então, agora componho sozinha e adoro. Mas também é muito bom estar bem acompanhada. Porque há uma troca, é rico, né? Enriquece.
Donna - São quantos anos de carreira já?
Marina - Não sei se são 40 ou se são 37... Eu não sou muito ligada nisso. As datas são importantes e tal, mas não há motivo para eu comemorar 40 anos, 50 anos, 100 anos! (risos) Eu não sei... mas, o que for, é igualmente importante para mim.
Donna - Como você vê a evolução da mulher na música brasileira?
Marina - Hoje tem mais mulher que tem avião!
Donna - Como assim?
Marina - As cantoras têm mais avião. Ué?! A Claudia Leite tem avião... a Ivete Sangalo tem avião... Vou ter que te explicar isso agora? Eu explico para você porque você é meu amigo, mas a resposta hoje em dia é essa: as cantoras têm avião! (muitas gargalhadas)
Donna - Você tem uma relação bastante carinhosa e cuidadosa com os seus shows em Porto Alegre. Qual a importância para você do show "No osso" aqui na cidade?
Marina - Porto Alegre, para mim, tem uma importância histórica. O primeiro show que eu fiz na vida foi com a Zezé Mota e com o Luiz Melodia, no projeto Pixinguinha, e esse show foi para Porto Alegre. E foi o show mais louco e mais revelador, para alguém com 21 anos. A luz acabou no meio do show. As pessoas ficaram loucas e nós fomos para o hotel. Do nada, a luz voltou, e nós voltamos para fazer o show. Aquilo para mim foi uma lição. E em nenhum momento foi tenso. Foi uma aventura, sabe? Porque o público também viveu junto. Porto Alegre me conecta com uma sensação de aventura que a minha música e a minha carreira gostam e querem. O público viaja junto. Não está aí para qualquer coisa. Se você se conectar, eles vão contigo. Mas é uma coisa, realmente, de estar juntos. Uma coisa de aventura que é sempre inesperada. Sempre é assim aí para mim. E eu valorizo esses encontros que são máquinas, que não são mecanizados. Que acontecem.
* Fotos: Paulo Mancini, Divulgação